Primeiramente, deve-se tecer comentários, mesmo que superficialmente, se a posse para consumo de entorpecentes possui natureza jurídica de crime, contravenção penal ou infração penal sui generis.
A distinção entre crime e contravenção penal encontra-se definida no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei nº. 3.914 /41), que assim disciplina:
Por sua vez, existem doutrinadores que se filiam ao entendimento de que a infração penal sui generis corresponde a uma terceira espécie, a exemplo do Prof. Luiz Flávio Gomes [1], para os delitos que não possuem como sanção as penas de prisão simples, reclusão, detenção ou multa, ou seja, esta terceira espécie corresponde aos delitos cuja as sanções não constam no rol do artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal retro citado. Mesmo que este escritor se filie ao entendimento de que nos moldes legislativos atuais, a posse de entorpecentes seja uma infração sui generis por não possuir nenhuma das penas previstas no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, para fins didáticos do presente artigo, adotar-se-á o entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a posse de entorpecentes para consumo pessoal possui natureza jurídica de crime [2]. Assim, segundo este entendimento, a posse de drogas para consumo pessoal é considerada como um crime, crime este doloso, pois o agente possui o dolo (vontade) de possuir ou utilizar a substância entorpecente. Nesta toada, cumpre-se relembrar que com a edição do artigo 28 da lei 11.343/06 que versa sobre a posse de entorpecentes, houve in tese, a despenalização do usuário, sendo que este receberá como sanções: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Sendo assim, em nenhum momento, pelo menos na teoria, o usuário será submetido ao cárcere ou alguma medida que possa restringir sua liberdade de locomoção. Noutro lado, ao analisar a Lei de Execuções Penais, verifica-se que os crimes dolosos cometidos dentro do sistema penitenciário serão considerados faltas graves conforme é disciplinado no artigo 52 da referida lei:
Outro não é o entendimento do Estatuto Penitenciário do Paraná, o qual prevê em seu artigo 63, inciso VI, que crimes dolosos são considerados falta grave, bem como em âmbito federal, o Decreto nº 6.049, de 27 de fevereiro de 2007 (que aprova o Regulamento Penitenciário Federal) também prevê em seu artigo 45, inciso VII, a aplicação de falta grave ao custodiado que comete crime doloso. Ou seja, como o delito de posse de entorpecentes para consumo pessoal é considerado crime doloso, caso o custodiado seja flagrado com a substância entorpecente, poderá ser considerado uma falta grave, conforme posicionamento do Supremo Tribunal Federal:
O problema que se põe em debate, gira justamente na natureza jurídica que é estabelecido o delito de posse de entorpecentes em face da sanção aplicável as faltas graves, senão vejamos as sanções que são disciplinas pela Lei de Execução Penal:
Ainda, no Estatuto Penitenciário do Paraná, em seu artigo 64, possui a previsão das seguintes sanções para o cometimento de faltas graves:
O que salta os olhos, principalmente quando verificado na prática, quando da ocorrência de falta grave pelo crime de posse de entorpecente, é a utilização em larga escala do isolamento, ou como é chamado dentro do sistema carcerário paranaense, a famosa TRANCA. Tal isolamento corresponde a uma cela pequena, em que o custodiado é colocado sozinho, sendo-lhe retirado o direito a visitas pelo período de 20 a 30 dias, dentre outras sanções, sendo alguns impedidos até mesmo de tomar o banho de sol. Para dar um quadro mental do que o custodiado é submetido, imagine-se sentado em um ambiente pequeno, pelo período de 30 dias, olhando para as paredes e sem dialogar com ninguém, ou até mesmo, sem ver a luz do sol. Agora, retomemos as sanções previstas para o usuário de entorpecentes, caso ele não esteja preso: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Com toda a vênia possível ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, nas referidas sanções, em nenhuma hipótese é previsto o enclausuramento do usuário, e quiçá seu isolamento, observando, inclusive, que uma das sanções vai justamente contra o isolamento como exemplo a medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, que em sua grande maioria, são programas realizados em grupos. Importante frisar, que a lei de drogas (11.343/06), possui como uma das diretrizes, a recuperação do usuário de entorpecentes, e aos olhos da lei, são considerados pessoas que necessitam tratamento. Válido lembrar também, de acordo com o posicionamento consolidado do STJ e STF, o cometimento de falta grave, faz com que a contagem do tempo de custódia para fins dos benefícios seja reiniciada, como exemplo a progressão de regime. Assim, indaga-se, o usuário de drogas ficar em uma cela minúscula, durante 30 dias, isolado de todo e qualquer contato com as demais pessoas, seria o tratamento adequado que a lei prevê? Do mesmo modo, como a falta grave implica no reinício da contagem dos benefícios da lei, como a progressão de regime, o apenado ficará custodiado por mais tempo no regime fechado, ou poderá até mesmo regredir de regime, o que se desdobra em um sério conflito com o princípio da proporcionalidade e razoabilidade das penas. Em linhas gerais, o princípio da proporcionalidade é um limite a função Estatal no direito de punir, que para aplicar uma sanção, deverá balancear o delito cometido, o bem jurídico violado, e a aplicação de pena somente quando é necessária. Nesta linha, se verifica de plano o descumprimento dos referidos princípios, tendo em vista que o delito de posse de entorpecentes para consumo pessoal ou crime como é considerado pelo STF, como poderá ser aplicada a falta grave aos custodiados e todas as suas consequências, que implicam no isolamento, regressão de regime, recontagem do período de cumprimento de pena, dentre outras sanções, sendo que quiçá o usuário poderia ser preso? A aplicação de falta grave aos custodiados flagrados com entorpecentes para consumo próprio dentro do sistema prisional, implica no descumprimento do artigo 5º da nossa Constituição da República em que estabelece que todos os cidadãos serão iguais perante a lei, vez que a sanção aplicada ao usuário de entorpecente fora do cárcere é de acordo com as diretrizes do artigo 28 da lei 11.343/06 (ou pelo menos era para ser), e para aquele que está dentro do cárcere, e, frise-se, comete a mesma conduta, além das sanções do artigo 28, receberá outras sanções, como o isolamento, regressão de regime, dentre outras consequências da aplicação da falta grave. Por oportuno, com tal artigo não se quer dizer que o indivíduo que está preso possa consumir entorpecentes livremente (tendo em vista que o consumo de entorpecente é proibido), poderia este ser penalizado com uma falta leve ou média (como exemplo a utilização de álcool dentro do estabelecimento prisional que é punida com uma falta média de acordo com o art. 62 do Estatuto Penitenciário do Paraná), no mesmo passo que, ao aplicar a natureza jurídica de crime doloso à posse de entorpecentes, ultrapassa-se e muito os limites da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo em vista as consequências jurídicas e as respectivas sanções que se desdobram da aplicação de tal natureza jurídica. Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminal Pós-graduando em Processo Penal e Direito Penal na ABDCONST. Pós-graduando em Direito Contemporâneo no Curso Jurídico. [1] GOMES, Luiz Flávio. SANCHES, Rogério Cunha. Posse de drogas para consumo pessoal: crime, infração penal "sui generis" ou infração administrativa? Publicada em: 19 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI34439,41046Posse+de+drogas+para+consumo+pessoal+crime+infracao+penal+sui+generis> [2] STF – Recurso Extraordinário-QO nº 430105/RJ. Relator: Min. Sepúvelda Pertence. Julg. 13/02/07 e Informativo nº 456 do Supremo Tribunal Federal. [3] Estatuto Penitenciário do Paraná. Disponível em: <http://www.depen.pr.gov.br/arquivos/File/Estatuto_Penitenciario__1.pdf> [4] STF - Habeas Corpus Nº 116.531 - SP (2008/0213223-4). Relatora: Min. Laurita Vaz. Comments are closed.
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