Artigo de Izabele Vitoria Santos no sala de aula criminal, vale a leitura! ''A prisão preventiva enquanto garantia à aplicação da lei penal requer que seja provada (e não meramente presumida) que a liberdade do sujeito ponha em risco o efetivo segmento do processo. A prova é, desse modo, critério necessário para a própria legitimidade da prisão; pois, uma vez que não prove o risco, este não pode ser presumido''. Por Izabele Vitoria Santos Inicialmente, cumpre informar que as prisões cautelares estão previstas no título IX, entre os artigos 282 a 350, do Código de Processo Penal, sendo uma delas a prisão preventiva. Esta segregação cautelar pode ser deliberada com base nos fundamentos de garantia da ordem pública, da ordem econômica, da conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (aspectos previstos no artigo 312 do diploma já citado).
Para que ocorra a decretação da prisão ora estudada, é necessário que haja prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, além do perigo representado pelo estado de liberdade do acusado. Por outro lado, o princípio da presunção de inocência estabelece que toda pessoa é considerada inocente até que sobrevenha uma sentença penal condenatória transitada em julgado. Diante do exposto, surge a indagação: a imposição da prisão, por ser considerada uma medida gravosa e extrema, não deveria ser aplicada somente como ultima ratio, ainda mais quando se trata da prisão preventiva, onde ainda não houve o trânsito em julgado? Essa é a pergunta que pretende-se responder ao final deste artigo. Em prima facie, a presunção de inocência está consagrada no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, estabelecendo que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esse princípio constitui uma garantia individual que limita o poder punitivo do Estado e garante ao acusado ser tratado como inocente ao longo do processo penal, prevalecendo sua liberdade, a distribuição do onus probandi do acusador e a não antecipação da pena antes de advir o trânsito em julgado da sentença penal condenatória[1]. A rigor, essa prisão cautelar pode ser decretada no decorrer da investigação preliminar ou do processo, até mesmo após uma sentença condenatória sujeita a recurso. De maneira enfática, ressalta-se que somente pode ser decretada por juiz ou tribunal competente, através de decisão fundamentada, a partir de prévio pedido expresso do órgão ministerial ou de uma representação feita pela autoridade policial. No mesmo sentido, esta medida também caberá a partir de requerimento formulado pelo querelante, em se tratando de delito de ação penal privada, nos termos do artigo 311 do Código de Processo Penal[2]. Avançando, passa-se ao exame dos fundamentos da segregação cautelar em comento. A expressão “garantia da ordem pública” carece de uma definição objetiva, sendo um termo de caráter subjetivo que gera ampla controvérsia doutrinária. Alguns argumentos utilizados para fundamentá-la incluem a propensão à reiteração delitiva, com viés, por exemplo, pela extensa ficha criminal do acusado, ou pela sua periculosidade, exemplificando, o modus operandi empregado na ação delituosa. A fim de ilustrar esse argumento, destaca-se a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça (sem grifos no original): PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. CORRUPÇÃO DE MENORES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. CONTUMÁCIA DELITIVA. CONTEMPORANEIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis. 2. No caso, a prisão preventiva está fundamentada na contumácia delitiva do recorrente, que possui condenação definitiva pela prática do mesmo crime. Ademais, segundo o decreto, no momento de sua prisão, o acusado estava em cumprimento de pena. É inequívoco, dessa forma, o risco de que, solto, perpetre novas condutas ilícitas. Assim, faz-se necessária a segregação provisória como forma de acautelar a ordem pública. 3. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte, a preservação da ordem pública justifica a imposição ou manutenção da prisão preventiva quando o agente possuir maus antecedentes, reincidência, atos infracionais pretéritos, inquéritos ou mesmo ações penais em curso, porquanto tais circunstâncias denotam sua contumácia delitiva e, por via de consequência, sua periculosidade. 4. O pleito de falta de contemporaneidade entre as datas dos fatos e do decreto de prisão preventiva não foi debatido pelo Tribunal de origem, o que impede a análise por esta Corte, sob pena de supressão de instância. 5. Recurso em habeas corpus desprovido. (RHC n. 181.735/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 23/6/2023.) Nessa linha de argumentação, a lição de Guilherme de Souza Nucci[3]: Por isso, embora todo acusado seja considerado inocente até o trânsito em julgado de decisão criminal condenatória, torna-se viável a ocorrência de sua prisão cautelar, quando indispensável, dentre outros fatores, à garantia da ordem pública. O direito à segurança não pode ser olvidado, unicamente pelo fato de haver sido previsto o direito à presunção de inocência. Pode-se, perfeitamente, compatibilizar os interesses. Caso seja necessária a decretação da custódia cautelar de um indiciado ou acusado, não se passa, em decorrência disso, a considerá-lo culpado. Continuará a ser tratado como pessoa inocente, ainda que esteja privado de sua liberdade. A origem e a fundamentação da segregação têm bases diversas, não dizendo respeito à culpa ou inocência, mas à necessidade de se prender aquele que, de outra forma, colocaria em risco o direito de outros indivíduos à segurança. Já a garantia da ordem econômica, conforme as lições de Aury Lopes Jr.[4], refere-se às condutas que prejudicam a placidez e harmonia da ordem econômica, seja por intermédio do risco de repetição de práticas que resultem em grandes perdas financeiras, ou colocar em perigo a credibilidade e o funcionamento do sistema financeiro, bem como o mercado de ações e valores. Por consectário, sobre a conveniência da instrução criminal, citam-se comportamentos que perturbem o regular andamento do processo, como quando o acusado, ou qualquer outra pessoa em seu nome, coage ou profere ameaças a testemunha com a finalidade de que esta conte falácias, ou também atos que provoquem qualquer incidente que prejudique a condução da instrução criminal[5]. Por sua vez, com relação ao aspecto atinente a assegurar a aplicação da lei penal, visa evitar uma possível fuga do acusado motivada pelo temor de uma condenação, o que poderia frustrar a futura execução da pena. Faz-se necessária quando o acusado pratica medidas preparatórias para deixar seu domicílio, se desfaz de bens imóveis, procurar obter um passaporte, compra passagem aérea ou revela a outrem o propósito de fuga[6]. Neste viés, Patrick Assunção Santiago e Élio Ricardo Miranda Azevedo ensinam que[7]: A prisão preventiva enquanto garantia à aplicação da lei penal requer que seja provada (e não meramente presumida) que a liberdade do sujeito ponha em risco o efetivo segmento do processo. A prova é, desse modo, critério necessário para a própria legitimidade da prisão; pois, uma vez que não prove o risco, este não pode ser presumido. Em suma, caso não haja indicativo de pelo menos fumus comissi delicti, ou seja, materialidade e indícios suficientes de autoria, ou do periculum libertatis, sendo o perigo da liberdade do indivíduo, não há que se falar na decretação da prisão preventiva. Diante do exposto, entende-se que a referida custódia cautelar deve ser mantida somente nos casos em que os requisitos forem devidamente comprovados, a fim de evitar a banalização e a fragilização desta medida, observando sempre o princípio da presunção de inocência e a natureza excepcional da prisão preventiva. Sobre o tema, relevante mencionar trecho da obra “Dos Delitos e das Penas” de Cesare Beccaria[8]: Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que ele se convenceu de ter violado as condições com as quais estivera de acordo. O direito da força só pode, pois, autorizar um juiz a infligir uma pena a um cidadão quando ainda se dúvida se ele é inocente ou culpado. Eis uma proposição bem simples: ou o delito é certo, ou é incerto. Se é certo, só deve ser punido com a pena fixada pela lei, e a tortura é inútil, pois já não se tem necessidade das confissões do acusado. Se o delito é incerto, não é hediondo atormentar um inocente? Com efeito, perante as leis, é inocente aquele cujo delito não se provou. Segundo ensina Cesare Beccaria[9], ninguém deve ser considerado culpado, nem mesmo presumidamente, antes de advir a sentença penal condenatória. Com efeito, reconhecendo a prisão como um meio necessário, não há discussão quanto à sua aplicação, todavia, não sendo, pontuando que nem sempre privar alguém de sua liberdade é a solução mais adequada, deverá ser imposta como ultima ratio para fins de efetividade penal. Neste prisma, devem ser aplicadas as medidas cautelares diversas da prisão, cujo rol encontra-se disposto no artigo 319 do Código de Processo Penal. Essas medidas incluem, por exemplo, comparecimento periódico em juízo, proibição de ausentar-se da comarca ou monitoração eletrônica, dentre outras elencadas no referido rol. Para corroborar com o entendimento, as palavras de Aury Lopes Jr.:[10] “As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado”. Por fim, é importante ressaltar que a decretação da prisão preventiva não fica à mercê de uma sentença penal condenatória, sendo o acusado presumido inocente e devendo ser tratado como tal, para assegurar uma melhor qualidade da prestação jurisdicional a ele. Ademais, conforme já mencionado, a segregação cautelar deve ser a última alternativa a ser adotada, enquanto as medidas cautelares diversas da prisão devem ser exploradas como opções viáveis, sendo estas menos prejudiciais para o acusado e para o sistema penal como um todo, assim, buscando-se estabelecer um sistema processual penal mais justo, humano e eficaz. IZABELE VITORIA SANTOS Graduanda em Direito, 6º período, Centro Universitário Internacional UNINTER. Membro do Projeto de Iniciação Científica de Direito Penal e Literatura, vinculado à UNINTER, coordenado pelo Professor Me. Paulo Silas Filho. Estagiária no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. E-mail: [email protected] REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: [1] REBELO, Guilherme de Souza e ROSA, Gerson Faustino. Princípio constitucional da presunção de inocência: presunção técnico-jurídica ou presunção política?. Revista de Constitucionalização do Direito Brasileiro – RECONTO, v.3, n.2, Julho/Dezembro 2020 e-ISSN 2595-9840. Página 2 e 3. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_s rvicos_produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/RECONTO_v.3_n.2.04.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2023. [2] JUNIOR, Aury Lopes. Prisões cautelares. 7th edição. Editora Saraiva, 2022. Página 39. Acesso em: 12 jul. 2023. [3] NUCCI, Guilherme. A prisão cautelar e a garantia da ordem pública. Guilherme Nucci. Disponível em: <https://guilhermenucci.com.br/prisao-cautelar-e-garantia-da-ordem-publica/>. Acesso em: 12 jul. 2023. [4] JUNIOR, Aury Lopes. Prisões cautelares. 7th edição. Editora Saraiva, 2022. Página 42. Acesso em: 12 jul. 2023. [5] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 19 ed. São Paulo, Atlas, 2014. Página 554. Acesso em: 12 jul. 2023. [6] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. Rio de Janeiro, Campus: Elsevier, 2012. Página 737. Acesso em: 13 jul. 2023. [7] SANTIAGO, Patrick Assunção e AZEVEDO, Élio Ricardo Miranda. Reflexões lógicas sobre o periculum libertatis e a prisão preventiva. Consultor Jurídico, 12 de novembro de 2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-nov-12/opiniao-reflexoes-logicas-periculum-libertatis-prisao-preventiva#author>. Acesso em: 12 jul. 2023. [8] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Ed. Ridendo Castigat Mores. Página 22. Disponível em: <https://fasam.edu.br/wp-content/uploads/2020/07/Dos-delitos-e-das-penas-Beccaria.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2023. [9] Ibidem. [10] JUNIOR, Aury Lopes. Prisões cautelares. 7th edição. Editora Saraiva, 2022. Página 66. Acesso em: 13 jul. 2023.
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