Não é incomum para quem enverga as indumentárias do tribunal do júri se deparar com clientes denunciados por homicídio qualificado pelo “recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido” (art. 121, §2º, inc. IV, do Código Penal).
Referido inciso diz respeito aos modos pelos quais são praticados o homicídio que têm o condão de qualificá-lo. A íntegra traz a seguinte redação: “[se o homicídio é cometido] à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. Quanto à traição, NUCCI leciona que:
Seria o típico caso de uma facada pelas costas (o que não se confunde necessariamente com uma facada nas costas). Já quanto à emboscada, difere-se pelo fato de que não necessariamente precise ser, a facada (continuando com o mesmo exemplo), pelas costas. Basta que o agente se coloque escondido, de modo a pegar a vítima de surpresa. Finalmente, conforme os ensinamentos de GRECO, “dissimular tem o significado de ocultar a intenção homicida, fazendo-se passar por amigo, conselheiro, enfim, dando falsas mostras de amizade, a fim de facilitar o cometimento do delito”.[2] Seria a facada, seja pelas costas, seja pela frente, seja pelos lados, feita de surpresa, mediante situação em que o agente detém confiança da vítima, que jamais espera o súbito criminoso. O problema, porém, reside na formulação genérica que o inciso IV dispõe, logo em seguida: “ou outro recurso que dificulte ou que torne impossível a defesa do ofendido”. Qual seria esse recurso? Abriu margem perigosa, o legislador! A jurisprudência tem confirmado referida qualificadora à toque de caixa, de modo que basta que o órgão da acusação use, na denúncia, qualquer termo que faça referência à surpresa, como “sem qualquer aviso” ou “sem motivo razoável”, para que a denúncia seja recebida com a qualificadora do inciso IV. Ora! “Sem qualquer aviso”, por exemplo, não é, por si só, capaz de configurar recurso que impossibilite a defesa da vítima! Fosse assim, o mudo não poderia cometer homicídio simples! Só qualificado... Teria, o homicida, que avisar ou dizer ao seu algoz que iria atirar. Talvez dar alguns segundos para que ele se prepare. E é isso o que realmente preocupa: o uso indiscriminado da fórmula genérica expressa do inciso IV, do §2º, do art. 121, do CP, como se qualquer motivo mínimo fosse capaz de configurar o “recurso” que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima. Não pode! É necessário que o promotor de justiça faça a narrativa precisa de qual foi o “outro recurso”, que não seja a traição, emboscada ou a dissimulação, que dificultou ou impossibilitou a defesa do ofendido. Mais: consignar se o tal recurso dificultou somente ou impossibilitou sua defesa. No mesmo sentido, o juiz, quando da decisão de pronúncia, deve fazer constar tais referências, mesmo porque o réu se defende dos fatos e precisa conhecer de quais fatos está sendo acusado: o de dificultar ou o de impossibilitar a defesa, além de saber qual foi o recurso. Da maneira como posta, fica claro que o legislador quis que o “outro recurso” fosse análogo aos outros mencionados no mesmo inciso, anteriormente: a traição, a emboscada e a dissimulação. Mas o que precisamos insistir é o que DELMANTO consigna:
É indispensável, pois, a prova de que o agente teve por propósito efetivamente surpreender o seu algoz, impossibilitando, ou, ao menos, dificultando a sua defesa, para que a qualificadora disposta no final do inciso IV do artigo aqui estudado seja devidamente aplicado. Edson Luiz Facchi Jr Advogado Criminal Especialista em Ciências Criminais Membro da Comissão de Advogados Iniciantes da OAB/PR [1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 392. [2] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 11 ed. Niterói: Impetus, 2014, p. 163. [3] DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 8. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 448. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |