Verificado o espaço de consenso já introduzido no ordenamento jurídicobrasileiro, passamos a analisar a proposta de expansão trazida pelo Projeto de Lei n.o 156 de 2009, aprovado pelo Senado Federal[1], e, recebido com o n.o 8.045/2010 na Câmara dos Deputado.
O projeto de lei traz uma grande reforma no Código de Processo Penal, trazendo uma nova forma de negociação denominada de procedimento sumário presente nos artigos 283 e 284. Assim segue: Art. 283. Até o início da instrução e da audiência a que se refere o art. 276, cumpridas as disposições do rito ordinário, o Ministério Público e o acusado, por seu defensor, poderão requerer a aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 (oito) anos. § 1.oSão requisitos do acordo de que trata o caput deste artigo: I – a confissão, total ou parcial, em relação aos fatos imputados na peça acusatória; II – o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada no mínimo previsto na cominação legal, independentemente da eventual incidênciade circunstâncias agravantes ou causas de aumento da pena, e sem prejuízodo disposto nos §§ 2.oe 3.odeste artigo; III – a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção das provas por elas indicadas. IV – a proposta de reparação do dano decorrente do ilícito penal que tenha como beneficiária a vítima, ou na sua falta seus herdeiros, que participe do processo penal como parte civil ou não. (incluído pela emenda de março de 2016 na câmara dos deputados).[2] § 2.oAplicar-se-á, quando couber, a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do disposto no art. 44 do Código Penal, bem como a suspensão condicional prevista no art. 77 do mesmo Código. § 3.oMediante requerimento das partes, a pena aplicada conforme o procedimento sumário poderá ser, ainda, diminuída em até 1/3 (um terço) do mínimo previsto na cominação legal, se as condições pessoais do agente e a menor gravidade das consequências do crime o indicarem. (...) § 8.oPara todos os efeitos, a homologação do acordo é considerada sentença condenatória. § 9.oSe, por qualquer motivo, o acordo não for homologado, será ele desentranhado dos autos, ficando as partes proibidas de fazer quaisquer referências aos termos e condições então pactuados, tampouco o juiz em qualquer ato decisório. Art. 284. Não havendo acordo entre acusação e defesa, o processo prosseguirá na forma do rito ordinário. Disciplinou-se, portanto, uma forma de acordo entre o Ministério Público e o imputado nos casos em que o delito cometido tenha uma sansão máxima de 8 anos. Da mesma forma como ocorre no plea bargaining, há uma mútua concessão entre as partes. O promotor irá fixar a pena no mínimo legal (mesmo que estejam presentes agravantes ou causas de aumento de pena) e, em contra partida o arguido deverá confessar total ou parcialmente a conduta criminosa, bem como deverá se renunciar o direito de produzir provas pelas partes, e, consequentemente ao processo. Em seguida o acordo passará pela análise do magistrado que, caso entenda não haver violação à lei ou a qualquer direito fundamental do arguido, realizará a sua homologação. Destaca-se que, esta homologação terá efeitos de sentença condenatória[3], assim, a pena deverá ser cumprida imediatamente. Aqui nós temos uma situação diversa da que ocorre na transação penal, pois haverá a aceitação de culpa pelo o arguido acarretando, portanto, efeitos quanto à reincidência, e eventual responsabilização na área cível. A ideia trazida pela reforma, conforme a exposição de motivos do projeto de lei do Senado n.o 156/2009 foi introduzir um novo rito processual criminal de imediata aplicação de pena mínima ou reduzida, caso haja a confissão dos delitos cometidos pelo agente. O objetivo é trazer à média criminalidade uma nova alternativa de resoluções de conflitos a fim de garantir uma maior celeridade ao processo e, desta forma, atender de forma eficaz e funcional à demanda judiciária.[4] Nesse sentido, insta destacar o disposto na exposição de motivos do referidoprojeto de lei: De outro lado, e atento às exigências de celeridade e efetividade do processo, modifica-se o conteúdo do procedimento sumário, mantendo-se, porém, a sua nomenclatura usual, para dar lugar ao rito de imediata aplicação de penamínima ou reduzida, quando confessados os fatos e ajustada a sanção entre acusação e defesa. A sumariedade do rito deixa de se localizar no tipo de procedimento para passar a significar a solução final e célere do processo, respeitando-se a pena em perspectiva, balizada pelo seu mínimo, com a possibilidade de ser fixada abaixo dele.[5](grifo nosso). Contudo, o legislador ao redigir este artigo não foi muito atento ao disciplinar a matéria exaurindo suas peculiaridades. Diante disso surgiram diversas dúvidas quanto à sua aplicação, bem como críticas a serem indicadas sobre este novo instituto. Primeiramente, discute se este acordo seria um direito do acusado nos casos em que os requisitos legais estejam presentes. Para Vinicius Vasconcelos casoo imputado confesse e renuncie à produção de provas nos casos em que o delito cometido é punido com pena não superior a 8 anos haverá um direito do réu em realizar este acordo e consequentemente em ter uma redução na sua punição.[6] Questão também problemática foi o fato de o legislador não ter trazido mecanismos para a formalização do acordo, impossibilitando que coações vindaspor parte do órgão ministerial sejam evitadas, da forma como ocorre na plea bargainingamericana. Uma forma de solucionar este problema seria a utilização de recursos de gravação áudio visual trazida de forma inovadora pelo acordo de não persecução penal[7], desta forma a gravação da confissão do arguido evitaria eventual coação ou violação de direitos. Nesse sentido Vinicius Vasconcelos afirma: "A transparência, portanto, é premissa fundamental para a possibilidade de controle mínimo acerca da barganha na tentativa de evitar coações indevidas".[8] Ademais, o projeto de lei não trouxe requisitos de validade para a realização deste acordo penal. Contudo, os Estados Unidos acertadamente definem determinadas condiçõespara que o acordo seja considerado válido[9]. Questiona-se, também, os casos em que o acordo não é homologado, pois, considerando que o magistrado teve contato com a confissão do réu isso causaria um grande impacto em sua imparcialidade. Na realidade, poderia inclusive ser o caso da suspeição deste juiz. Assim, para a continuação da persecuçãopenal do réu, o julgamento deverá ser realizado por outro juiz. Ainda, a confissão deverá ser desentranhada dos autos, tornando-se ilícita.[10] Vasconcellos afirma, mesmo que o PLS n.o 156/2009 não tenha mencionado expressamente, deverá se utilizar da audiência para a formalização do acordo momento no qual se dará publicidade aos seus termose circunstâncias devendo, ainda, constar formalmente descrito nos autos (reduzido a termo), sendo necessária a presença do réu e de seu advogado.[11]É extremamente importante a presença do magistrado nessa fase, pois, ele terá contato direto com o acusado, podendo tomar providências caso entenda existir violação de direitos fundamentais ou qualquer forma de coação. Quanto o prazo final para a realização da barganha, o próprio caput do art. 283 afirma ser o início da instrução e da audiência, e, embora parte da doutrina entenda ser adequada está previsão, Vasconcellos afirma que a iniciativa do acordo deve ser autorizada até momento anterior à prolação da sentença de primeiro grau. O autor destaca, ainda, que a plea bargainingnorte americana pode ser realizada antes de instaurado o processo, durante, e, inclusive após findo o processo, ou seja, ela adota uma forma ainda mais ampla,[12]assimilando-se ao procedimento previsto da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro conforme dispõe a lei nº 12.850/13. Assim, observa-se que na colaboração premiada no Brasil a homologação dos acordos podem ocorrer em três fases, na investigação, pré processual, processual, e na execução. Deverão ser analisados o preenchimento dos requisitos nos acordos homologados para que posteriormente o Ministério Público possa valorar de acordo com a contribuição para a persecução, sobre os benefícios que serão concedidos aos colaboradores[13]. Já no referido projeto 156/2009 do Senado o acusado teria conhecimento da prova produzida até então podendodecidir qual será a melhor atitude processual a ser tomada para a sua situação específica, qual seja, permanecer ao processo e ter o direito ao contraditório e a ampla defesa garantidos constitucionalmente, ou, renunciar a tais direitos e realizar um acordo no qual irá confessar, e, em troca receberá certo benefício (aplicação da pena no mínimo legal ou redução de pena). É uma forma para o acusado conseguir construir sua estratégia de defesa no processo. Considerando que, o magistrado somente possui autonomia para analisar o cumprimento formal dos requisitos do acordo, fica, portanto, restrito a matéria puramenteprocessual. Todavia, a barganha deverá se adequar ao art. 197 do atual Código de Processo Penal no qual afirma que, o valor da confissão se aferirá com base nos demais elementos de prova, devendo ser confrontada com o restante das provas produzidas no processo, e, analisando se elas possuem compatibilidade.[14] Ou seja, o magistrado não poderá homologar o acordo enquanto a confissão for a única prova nos autos para a condenação do arguido. Ainda, a condenação do imputado sem qualquer lastro probatório além desta confissão, estaria indo contra toda a ideia da própriaplea bargaining, em razão do instituto ser aplicado nos casos em que há provas e evidências da materialidade e autoria do delito. Conforme o autor Gabriel Queirós, a intenção do legisladornão foi uma aproximação da plea bargainingestadunidense na justiça processual penal, pois, isso não seria possível no atual estágio de desenvolvimento do Ministério Público, tendo em vista que o nosso órgão ministerial não possui tamanha discricionariedadee detém apenas certa liberdade de ação dentro dos estritos termos da lei, ou seja, dentro dos ditames da legalidade.[15] Por outro lado, no que tange a homologação dos acordos de colaboração premiada conforme a lei 12.850/2013 aduz Marcelo Costenaro Cavali[16]: ‘’ A leitura feita por membros do Ministério Público Federal, porém, foi mais ousada. Diversos acordos firmados já estabeleceram sanções, inclusive regimes de cumprimento de pena não previstos em lei, a serem cumpridos pelos colaboradores, sem sequer a necessidade de condenação. Com isso, implementou-se, na prática, instituto próximo ao plea bargaining estadunidense, cuja introdução em nosso ordenamento jurídico foi proposta por alguns projetos de lei que se encontram em tramitação no Congresso Nacional’’. Dessa forma, o projeto de lei em tramitação demonstra problemas práticos para a aplicação deste instituto no ordenamento jurídico brasileiro por não trazer requisitos e limites essenciais como existe na plea bargainingestadunidense (que já sofre intensas críticas). O que restará para este novo instituto brasileiro que sequer foi criado e já possui inúmeras lacunas legislativas em sua redação. Devemos esperar insegurança jurídica e violação de direitos fundamentais? Sabemos que a justiça negocial criminal é uma tendência crescente em diversos países inclusive no Brasil, assim, se não podemos escapar dela deveríamos ao menos utiliza-la de forma a não mitigar direitos e garantias fundamentais. Paula Yurie Abiko Graduanda Centro Universitário Franciscano do Paraná – FAE Estagiária do Ministério Público Federal Membro do grupo de pesquisa O mal estar no Direito Modernas Tendências do Sistema Criminal Trial by Jury e Literatura Shakesperiana Membro do International Center for Criminal Studies e da Comissão de Criminologia Crítica do Canal Ciências Criminais Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM Izabel Coelho Matias Graduada em Direito – Centro Universitário Franciscano do Paraná – FAE Pós Graduanda em Especialização em Ministério Público – Estado Democrático de Direito – Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná (FEMPAR) Pós graduanda em Compliance e Governança Jurídica – FAE Business School REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAVALI, Marcelo Costenaro. Colaboração premiada. Autores Alexandre Wunderlitch, et al. Coordenação MOURA, Maria Thereza de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2017. CAMPOS, Gabriel Silveira de Queirós. Plea Bargaining e justiça criminal consensual: entre os ideais de funcionalidade e garantismo. Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, Custos Legis, v.4, p.20, 2012. Disponível em: <http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista/ 2012_Penal_Processo_Penal_Campos_Plea_Bargaining.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017. FILIPETTO, Rogério; ROCHA, Luísa Carolina Vasconcelos Chagas. Colaboração premiada, contornos segundo o sistema acusatório. Belo Horizonte, D’ plácido. 2017. VASCONCELOS, Vinicius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços e consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCRIM, 2015. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de lei n.o8.045, de 2010. Código de Processo Penal.Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1445630 &filename=EMC+5/2016+PL804510+%3D%3E+PL+8045/2010>. Acesso em: 15 out. 2017. COSTA, Rafael Paula Parreira. A barganha no projeto do novo Código de Processo Penal. Jus.com.br, nov. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25927/a-barganha-no-projeto-do-novo-codigo-de-processo-penal>. Acesso em: 15 out. 2017. [1] A redação do projeto foi realizada pela comissão nomeada pelo próprio Senado Federal: Hamilton Carvalhido (presidente), Eugênio Pacelli de Oliveira (relator), Antonio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Fabiano Augusto Martins Silveira, Felix Valois Coelho Júnior, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral. [2] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de lei n.o8.045, de 2010. Código de Processo Penal.Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1445630 &filename=EMC+5/2016+PL804510+%3D%3E+PL+8045/2010>. Acesso em: 15 out. 2017. Justificativa: "A falta de reparação do dano gera na vítima um sentimento de impunidade, além de perdas patrimoniais e morais. O restabelecimento da vítima, ou de seus familiares só ocorre com o cumprimento da justiça. E, para isso precisamos de leis que acabem com a impunidade." [3] Conforme dispõe o referido parágrafo § 8.o"Para todos os efeitos, a homologação do acordo é considerada sentença condenatória." [4] CAMPOS, Gabriel Silveira de Queirós. Plea Bargaining e justiça criminal consensual: entre os ideais de funcionalidade e garantismo. Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, Custos Legis, v.4, p.19, 2012. Disponível em: <http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista/ 2012_Penal_Processo_Penal_Campos_Plea_Bargaining.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017. [5] COSTA, Rafael Paula Parreira. A barganha no projeto do novo Código de Processo Penal. Jus.com.br, nov. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25927/a-barganha-no-projeto-do-novo-codigo-de-processo-penal>. Acesso em: 15 out. 2017. [6] VASCONCELOS, Vinicius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços e consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCRIM, 2015. p.135. [7] CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução n.o181, de 7 de agosto de 2017. Dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público. Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resolu% C3%A7%C3%A3o-181.pdf>. Acesso em: 02 out. 2017. [8] VASCONCELOS, Vinicius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços e consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCRIM, 2015. p.136. [9]Requisitos:quanto a capacidade(competence to stand trial)e voluntariedade do acusado(a fim de não sofrer uma coerção imprópria), informação/inteligência(compreensão do acordo, e, de seus direitos constitucionais), adequação/determinação da exatidão da declaração (magistrado deve analisar se há uma base fática para a imputação, se há uma correlação mínima entre as imputações assumidas pelo arguido e o fato realmente cometido). [10] VASCONCELOS, Vinicius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços e consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCRIM, 2015. p.139. [11] Ibid., p.136. [12] VASCONCELOS, Vinicius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços e consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCRIM, 2015. p.136. [13]FILIPETTO, Rogério; ROCHA, Luísa Carolina Vasconcelos Chagas. Colaboração premiada, contornos segundo o sistema acusatório. Belo Horizonte, D’ plácido. 2017. p. 165. [14] Ibid., p.141. [15] CAMPOS, Gabriel Silveira de Queirós. Plea Bargaining e justiça criminal consensual: entre os ideais de funcionalidade e garantismo. Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, Custos Legis, v.4, p.20, 2012. Disponível em: <http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista/ 2012_Penal_Processo_Penal_Campos_Plea_Bargaining.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017. [16] CAVALI, Marcelo Costenaro. Colaboração premiada. Autores Alexandre Wunderlitch, et al. Coordenação MOURA, Maria Thereza de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2017, p. 262. Comments are closed.
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