O Brasil possui a maior floresta tropical do Planeta, fator que gera maior responsabilidade e cuidados específicos no que tange a proteção do Meio Ambiente, cabendo à legislação pátria o incentivo do uso sustentável dos recursos naturais, bem como coibir as ações que degradam o Meio Ambiente.
Não obstante uma significativa parcela desta floresta esteja em território brasileiro, o dever de proteção, especialmente para fins de cumprimento aos objetivos – inclusive éticos – da Sustentabilidade não se encerra nos limites da Soberania. O Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas, em seu artigo 3o, “g” e “h”, estabelece a necessidade de se criar mecanismos conjuntos para se proteger a biodiversidade – como é o caso da Floresta Amazônica – e superar as assimetrias que impedem a integração regional. Nesse caso, é improvável que a legislação brasileira cumpra sua função de proteger os ecossistemas abrigados na Amazônia sem que compreenda a Soberania de forma compartilhada ou responsável[1]. Outro ponto a ser destacado como dificuldade ao se proteger a teia da vida é a insistência de uma racionalidade antropocêntrica, ou, como no caso brasileiro, uma racionalidade antropocêntrica alargada. Essa afirmação pode ser constatada no pensamento de Silva[2]: “O problema da tutela jurídica do meio ambiente manifesta-se a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade da vida humana, se não a própria sobrevivência do ser humano”. Nessa linha de pensamento – e ao contrário do que pensam alguns autores, como se depreende da Justiça Ecológica em Bosselmann[3] - não é possível que a linguagem de um Direito Ambiental seja incapaz de visualizar a Natureza como “ser próprio” e ponha em risco o único legado que se pode deixar para uma vida digna às futuras gerações viverem o seu momento presente: a integralidade ecológica de todas as vidas. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, assegurou como Direito Fundamental que o Meio Ambiente deve ser preservado por todos e para todos. Nessa primeira parte, verifica-se a congruência do texto constitucional ao tutelar a importância não apenas do Direito à Vida, mas, também, à Existência. No entanto, ao final desse artigo, a imposição de cumprimento deste dever não se coaduna com uma Soberania compartilhada ou responsável, pois essa tarefa pertence ao Poder Público e à Coletividade, ou seja, apenas o Cidadão brasileiro tem essa incumbência, revelando uma perspectiva de autossuficiência na gestão de um Bem Comum. Sob igual argumento, o parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição Federal impõe que “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Decorrente do parágrafo supramencionado, o entendimento doutrinário se posicionou no sentido de que esse dispositivo é um mandamento constitucional de criminalização, no qual originou a Lei de Crimes Ambientais – Lei 9605/98 – que, por meio da repressão estatal, busca tutelar o Meio Ambiente, visando a sua preservação, erigindo-o na qualidade de objeto jurídico-penal. Novamente: o Meio Ambiente, na linguagem infraconstitucional, é um “objeto” e não um “sujeito de direito”, como ocorre, por exemplo, por designação do artigo 71 da Constituição do Equador de 2008. A prática dos ilícitos penais – e seus desdobramentos civis e/ ou administrativos – pune os seres humanos e cria medidas de compensação monetária aos seres humanos. A integralidade ecológica da vida se torna invisível dentro da lógica de um Direito cujos destinatários são apenas os seres humanos. A Justiça não pertence ao Mundo Natural porque a Humanidade somente se relaciona com seus iguais, gerando direitos e deveres. Essa ingenuidade ou hipocrisia afeta diretamente as relações ecológicas de todos os seres que estão na cadeia da vida. Nas palavras de Freitas e Freitas[4]:
Eis o ponto chave: a compensação financeira não alcança o propósito desejado de preservação dos ciclos regenerativos da Natureza e seus ecossistemas. A profunda degradação causada na cidade de Mariana ou a irreversibilidade de regeneração das águas do Rio Doce, ambos do Estado de Minas Gerais – não serão “compensados” monetariamente, tampouco trará uma resposta adequada com a prisão dos culpados ou com sanções econômicas e administrativas impostas para a(s) pessoa(s) jurídica(s). Se esse for o caso, a legislação ambiental já prevê essa necessidade de restauração e regeneração. Houve efetividade? Não, porque a existência da lei e seu cumprimento dependem de como os seres humanos entendem a importância das diferentes vidas. Veja-se, por exemplo, que a Lei 9605/98, além de abarcar os crimes cometidos contra o meio ambiente, também trata dos crimes cometidos contra o patrimônio público e contra a administração pública, desde que sejam concernentes as questões ambientais. Para tanto, o artigo 3º da referida lei anuncia que:
Previsão legal de atitudes que degradam o Meio Ambiente existe, mas a sua efetividade depende de uma sólida Consciência Jurídica acerca do que é a teia da vida. Muito embora o Direito Penal seja considerado como ultima ratio, detentor do Princípio da Intervenção Mínima, este é um instrumento indispensável no que tange a tutela jurídica do Meio Ambiente, incorrendo-se por meio das tipificações de crimes ambientais, contudo, a sua efetividade não se concentra nos limites soberanos de um Estado-nação. Por esse motivo, após esgotados todos os meios intimidatórios de outros ramos do Direito, recorre-se ao Direito Penal como forma se tornar eficaz a proteção da tutela ambiental, desde que a sua atuação esteja em conformidade com os Tratados e Convenções Internacionais, tornando possível uma genuína força de cooperação na preservação de todas as vidas. Nesse sentido, o direito criminal ambiental possui duas espécies de penalizações, sendo a primeira a contravenção penal, que é correlata as penas mais brandas aos casos menos gravosos; e segunda espécie que trata das condutas delituosas mais graves, nas quais a penalização é mais severa por ser referente a danos ambientais de maior proporção. Na Pós-Modernidade[5] vivenciada, reflete-se muito acerca dos acordos e Termos de Ajustamento de Conduta, tanto na esfera processual penal, como na ambiental, considerando que se torna absurdamente inviável transformar o Meio Ambiente como moeda de troca para interesses político-partidários. Essa seria uma forma de banalização do Processo Penal, negociando os indícios de prova em busca da (in) verdade (ir)real. Pode-se afirmar que se vislumbra um perigoso “Estado Pós-Democrático”[6], já que, como se tem propagado uma visão sistêmica de solução de conflitos, também pode-se notar uma sistemática degradação da Constituição, cujos efeitos não serão “salvos” pelos princípios da precaução e prevenção, por um lado, ou pelas medidas de restauração e regeneração, de outro. Atualmente, existe até magistrado no qual afirma que a Lava Jato deve ser eterna – doa quem doer[7]. Bingo: mais uma ferida para a Constituição, pois agora, sob o ângulo teocêntrico, surge o princípio da duração eterna do processo. De acordo com Machado e Vaz[8]:
Aicha de Andrade Quintero Eroud Graduanda em Direito pela Faculdade de Foz do Iguaçu - Fafig Estagiária do escritório de advocacia Battisti & Maraninchi Maykon Fagundes Machado Graduando em Direito (6º Período) pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Pesquisador-Bolsista (PROBIC-UNIVALI), na linha de pesquisa em Direito Ambiental e Sustentabilidade Sergio Ricardo Fernandes de Aquino Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professor Permanente do Mestrado em Direito (PPGD) da Faculdade Meridional – IMED. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Ética, Cidadania e Sustentabilidade”. [1] “A proposta de implementação estrutura-se em três pilares básicos, sublinhando o valor da prevenção e não da intervenção. Os pilares devem ser entendidos como tendo igual importância e peso, e, apesar de sua numeração, não são para serem vistos linear ou sequencialmente, mas em conjunto [...]. O primeiro pilar é o da responsabilidade dos Estados pela proteção contra genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e limpeza étnica de sua própria população e demais pessoas que estiverem em seu território. É um corolário da soberania, e não surge com o conceito em-si, e, uma vez que tais condutas são condenadas por todos os Estados, deve ser considerado um conceito universal e incondicionável [...]. O segundo pilar é centrado no comprometimento da comunidade internacional em assistir aos demais Estados-membros a atingir esses objetivos, através do suporte de organizações regionais e sub-regionais, da sociedade civil e do setor privado, além da própria ONU, para que sejam criados procedimentos, políticas e práticas a serem consistentemente aplicadas. Por meio do primeiro e segundo pilar tem-se a prevenção como elemento central para o sucesso da responsabilidade de proteger. Por fim, o terceiro pilar é a responsabilidade dos Estado-membros em responder coletivamente de forma e no tempo necessário quando um Estado manifestamente falhar em assegurar proteção. Nesse caso, devem-se seguir os princípios da Carta da ONU, atuar com autorização do Conselho de Segurança, e de forma casuística, estudando as necessidades próprias de cada situação [...]”. BAMBIRRA, Felipe Magalhães; FERREIRA, Fernanda Busanello. Fundação e definição da competência do Tribunal Internacional Constitucional nos marcos da “soberania como responsabilidade”: um diálogo com Paulo Ferreira da Cunha. Revista de Direito Mackenzie, São Paulo, 2017, v. 11, n.1, p. 86. Disponível em: <http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/rmd/article/view/10681/6633> Acesso em: 22 de nov. 2017. [2] SILVA, Afonso José da. Direito Ambiental Constitucional. 4. ed. rev., atual.São Paulo: Malheiros, 2002,p. 28 [3] “Da perspectiva centrada na sustentabilidade, os direitos precisam ser complementados por obrigações. A mera defesa dos direitos ambientais não altera o conceito antropocêntrico dos direitos humanos. Se, por exemplo, os direitos de propriedade continuam sendo compreendidos de maneira isolada e separada as limitações ecológicas, eles reforçarão o antropocentrismo e incentivarão comportamento abusivo”. BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução de Phillip Gil França. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 145. [4] FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza: (de acordo com a lei 9.605/98). – 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 32. [5] “A pós modernidade é, por isso, como um movimento intelectual, a critica da modernidade, a consciência da necessidade de emergência de uma outra visão de mundo, a consciência do fim das filosofias da historia e da quebra de grandes metanarrativas, demandando novos arranjos que sejam capazes de ir além dos horizontes fixados pelos discursos da modernidade” BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade: reflexões frankfurtianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 146. [6] “Por ‘Pós-Democrático’, na ausência de um termo melhor, entende-se um Estado sem limites rígidos ao exercício do poder, isso em um momento em que o poder econômico e o poder político se aproximam, e quase voltam a se identificar, sem pudor. No Estado Pós-Democrático a democracia permanece, não mais com um conteúdo substancial e vinculante, mas como mero simulacro, um elemento discursivo apaziguador”. CASARA, Rubens. R. R. Estado pós-democrático: neoobscurantismo e gestão dos indesejáveis [Versão Kindle]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017, pos. 192-195. [7] EL PAIS. Marcelo Bretas: “A Lava Jato é eterna. Doa a quem doer”. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/19/politica/1511112426_744688.html. Acesso em 20 nov. 2017. [8] MACHADO, Maykon Fagundes. VAZ, Sergio Madureira. Sustentabilidade Corporativa: a essencialidade da relação entre a empresa e o meio ambiente. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/sustentabilidade-corporativa-a-essencialidade-da-relacao entre-a-empresa-e-o-meio-ambiente. Acesso em: 20 nov. 2017. Referências: BAMBIRRA, Felipe Magalhães; FERREIRA, Fernanda Busanello. Fundação e definição da competência do Tribunal Internacional Constitucional nos marcos da “soberania como responsabilidade”: um diálogo com Paulo Ferreira da Cunha. Revista de Direito Mackenzie, São Paulo, 2017, v. 11, n.1, p. 73-91. Disponível em: <http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/rmd/article/view/10681/6633> Acesso em: 22 de nov. 2017. BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade: reflexões frankfurtianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução de Phillip Gil França. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. BRASIL. Constituição Federal http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm BRASIL. Código Civil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm CASARA, Rubens. R. R. Estado pós-democrático: neoobscurantismo e gestão dos indesejáveis [Versão Kindle]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza: (de acordo com a lei 9.605/98). – 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. MACHADO, Maykon Fagundes. VAZ, Sergio Madureira. Sustentabilidade Corporativa: a essencialidade da relação entre a empresa e o meio ambiente. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/sustentabilidade-corporativa-a-essencialidade-da-relacao entre-a-empresa-e-o-meio-ambiente. SILVA, Afonso José da. Direito Ambiental Constitucional. 4. ed. rev., atual.São Paulo: Malheiros, 2002. Comments are closed.
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