Dentre os diversos transtornos psiquiátricos já categorizados, é inegável que os da personalidade são os que mais nos intrigam. Em específico, podemos falar que o Transtorno da Personalidade Antissocial tem um espaço considerável na mente dos que se sentem atraídos pelo assunto. Por definição, o TPAS “é uma inclinação natural e persistente de desrespeito e violação aos direitos dos outros, iniciando-se na infância ou começo da adolescência e continuando indefinidamente na idade adulta” (BALLONE & MENEGUETTE, 2009).
Muitos autores incluem nesse espectro a psicopatia, a sociopatia e a personalidade dissocial como sinônimos também. Sabendo que a incidência pode chegar a 3% da população masculina e 1% da feminina, é de se pensar que há mais pessoas com este transtorno do que imaginamos. É preciso desmistificar o fato de que todas elas cometem crimes. Afinal, nem sempre são Dexters Morgan ou Eds Gein. Mas as histórias, tanto fictícias quanto reais, acabam por despertar um interessante fascínio. De acordo com Ballone e Meneguette (2009), algumas características que podem ser encontradas são: • Manipulação e sedução: aparentando boa educação e carisma, normalmente utilizam-se de certo encanto pessoal para conquistar os demais, apenas para fins de interesse próprio. • Mentiras sistemáticas e comportamento fantasioso: a mentira acaba por se tornar a principal ferramenta, pois permite criar fantasias com o intuito de envolver outras pessoas em suas histórias. • Ausência de sentimentos afetuosos: desde muito cedo, é manifestada a falta de sentimentos. Não há apego e nem sensibilidade, sendo a indiferença um aspecto predominante. Entretanto, fingir emoções, para adequar-se socialmente, também é uma característica comumente encontrada. • Amoralidade: há um déficit de senso de moral e ética, assim como o desprezo pelas regras sociais. • Impulsividade e incorrigibilidade: a amoralidade, juntamente com a falta de sentimentos éticos, pode fazer com que os indivíduos com TPAS cometam alguns atos brutais e cruéis, também por serem impulsivos, não pensando duas vezes em suas ações. • Falta de adaptação social: manifestações de atividades delituosas são encontradas desde a infância, como maltrato aos animais e às pessoas mais novas, fugas e mentiras constantes. Como o próprio nome do transtorno sugere, um caráter que foge às regras sociais é típico. E esse conjunto de fatores, combinados em um único indivíduo, é o que nos fascina, as “pessoas normais”. Querer entender as causas e os comportamentos e imaginar o que se passa na mente de psicopatas é um interesse antigo. Já mencionado anteriormente, tomemos como exemplo a história de Ed Gein. Nascido em 1906, esse homem serviu de inspiração para diversos personagens conhecidos, como Norman Bates, de “Psicose”, Buffalo Bill, de “Silêncio dos inocentes”, e Leatherface, de “O massacre da serra elétrica”. Como alguém pode reunir tantos aspectos estranhos a nossa sociedade de uma vez só? Voltemos a atenção para sua história e tudo o que pôde ser descoberto sobre sua vida. Era filho de George e Augusta, que não tinham uma relação saudável, e tinha um irmão mais velho chamado Henry (RINCÓN, 2016). Foi uma pessoa sempre quieta e introvertida; entretanto, criado por uma mãe extremamente dominadora (GORENDER, 2010). Ele e o irmão, educados pelos ideais religiosos de Augusta, cresceram ouvindo que o mundo exterior pertencia ao diabo, e todas as mulheres (com exceção dela) eram prostitutas (RINCÓN, 2016). Após o falecimento do pai e, alguns anos depois, do irmão, Ed Gein passou a ser mais devoto ainda à mãe, o que fez com que estivesse totalmente despreparado mentalmente para a morte dela, também alguns anos em sequência de Henry (RINCÓN, 2016). Ninguém está, de fato, preparado para este tipo de situação, sendo um ente próximo. Entretanto, a estrutura da personalidade de Gein, construída naquele misto de aprisionamento e dependência, pode ter sofrido uma ruptura diante da morte de sua mãe, sendo ela a própria figura que o aprisionava e o mantinha cativo. A partir desse fato, ele começou a desenvolver o comportamento de rondar cemitérios e desenterrar corpos de mulheres, levando-os para sua casa, onde dissecava, desmembrava e, com isso, criava diversos objetos para uso cotidiano, como talheres de ossos, e vestimentas feitas de peles, como luvas e máscaras (RINCÓN, 2016). Havia considerado uma operação de mudança de sexo, mas abandonou a ideia visto suas limitações e a vivência em uma cidade pequenas; mas, encontrou um certo alívio para suas angústias vestindo-se com a pele de mulheres (GORENDER, 2010). Quando descoberto, a partir do desaparecimento de uma mulher, admitiu exumar apenas cadáveres de meia idade, que tinham semelhança com sua mãe. Mas confessou como eram feitas suas “artes” (RINCÓN, 2016). Em 1957, foi considerado mentalmente incapaz de responder por seus crimes, mas três anos depois, uma equipe médica assegurou que Ed Gein podia perfeitamente ser responsabilizado por seus atos e, assim, foi acusado de assassinato; contudo, foi “jogado” de um hospital psiquiátrico a outro, até vir a falecer, um 1984, por um câncer no pulmão (RINCÓN, 2016). O que determinaria que ele poderia ser acusado ou não? Visivelmente, não há nenhuma consideração pelas regras sociais e os estranhos hábitos, motivados por causas mais estranhas ainda, o denunciam como um homem que não está em seu perfeito juízo. Mas, conhecendo seu histórico e seu padrão de comportamento, será que um dia esteve? Ou um dia poderia ser “corrigido” a ponto de voltar à sociedade e ter uma vida “comum”? É muito provável que a resposta para ambas as perguntas seja “não”. Uma das características do transtorno é a falta de prognóstico positivo. Além disso, a identificação é muito difícil e muitos não chegam a cometer nenhum tipo de crime. Isso colabora por aumentar o suspense ao redor do tema, afinal quem assistiu “Silêncio dos inocentes” e não ficou com vontade de estar no lugar de Clarice só para discutir o caso de Buffalo Bill com Hannibal Lecter? Vemos muito mais psicopatas em filmes ou em livros do que na vida real. Ou, pelo menos, achamos que sim. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS: BALLONE G. J., MENEGUETTE J. P. Transtornos da Personalidade. Disponível em <www.psiqweb.med.br>. Acesso em 30 abr. 2017. GORENDER, Miriam E. Serial Killer: o novo herói da pós-modernidade. In. Estudos da Psicanálise. nº38. 2010. Aracaju. Disponível em <http://www.cbp.org.br/serialkillernovoheroi.pdf>. Acesso em 30 abr. 2017. RINCÓN, Maria L. Ed Gein: o assassino que inspirou a criação de vários personagens sinistros. Disponível em <http://www.megacurioso.com.br/serial-killers-e-psicopatas/100172-ed-gain-o-assassino-que-inspirou-a-criacao-de-varios-personagens-sinistros.htm Comments are closed.
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