A coluna “Atualidades” desta semana tratará de um tema que novamente veio à tona com uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça: a quebra do sigilo de dados das conversas do famoso aplicativo WhatsApp. De quebra, aproveitaremos este espaço para tratar de situação semelhante, mas que, infelizmente, ainda não conta com um julgado (bom e) emblemático, que é a quebra do sigilo de dados das mensagens de texto enviadas (SMS). Inicialmente, é de destacar-se o disposto no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”. A primeira discussão que se faz é quanto à possibilidade de quebra do sigilo de dados. Na doutrina, há duas correntes divergentes. A primeira, capitaneada pelos professores José Afonso da Silva[1] e Vicente Greco Filho[2], e corroborada por este subscritor, entende que a Constituição possibilitou tão somente a quebra de sigilo das comunicações telefônicas (“no último caso”), não sendo possível a devassa quanto aos dados. Já a segunda, seguida pela jurisprudência e que é majoritária, liderada pelo Ministro Gilmar Mendes[3], assevera que nenhum direito fundamental é absoluto, tampouco é o sigilo de dados, onde a própria CF/88 teria possibilitado (“último caso” como sendo “em último caso”), devendo ser utilizada a proporcionalidade na análise jurisdicional da medida. Hodiernamente, o Marco Civil da Internet (Lei Federal n. 12.965/2014) entrou em vigência com a disposição (artigo 7º, incisos I, II e III, e artigo 22) de que o sigilo de dados é inviolável, como regra, sendo sua quebra exceção, e que ocorrerá única e exclusivamente quando houver decisão judicial para tanto. Assim, ultrapassada a questão da constitucionalidade e da colocação da legislação aplicável, insta salientar a ementa do julgado em que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que somente é possível a quebra do sigilo das conversas trocadas via aplicativo WhatsApp:
Os fatos que deram origem são simples mas corriqueiros. Agentes policiais prendem em flagrante um indivíduo pela suposta prática do crime de tráfico de drogas e, ato contínuo, apreendem seu celular e já abrem as mensagens de WhatsApp de texto (SMS) a fim de identificarem supostos compradores, vendedores e/ou integrantes de organizações criminosas. Isso quando não ficam com o celular em sua posse por dias/semanas, atendem o telefone passando-se pelo proprietário do bem móvel e visualizam as fotos contidas no aparelho. Por muito tempo, os Tribunais têm entendido que se a apreensão deu-se de modo legal, ou seja, se a prisão, a priori, ocorreu de modo lícito, não haveria sigilo dos dados constantes no interior do telefone celular. Veja-se, nesse sentido, julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
Os julgados que utilizam tal fundamentação baseiam-se no fato de que os dados constantes em aparelho telefônico seriam semelhantes a um “diário”, um “livro de anotações” ou uma “agenda”, ou seja, são anotações públicas e não seriam abrangida seja pelo sigilo telefônico, seja pelo sigilo de dados. A Suprema Corte dos Estados Unidos, no emblemático Riley vs California (2014), possui uma resposta à altura, em tradução livre: ”é como dizer que uma cavalgada é materialmente indistinta de uma viagem à lua, afinal, em ambos o objetivo é de ir do ponto A ao ponto B”. Parece-nos, assim como à Suprema Corte Americana, que todos os dados contidos em um telefone celular são protegidos pelo sigilo (como regra) insculpido na Constituição Federal e no Marco Civil da Internet, devendo sua quebra ser precedida pela autorização judicial competente. Inclusive, em casos urgentes, é possível que o pedido de quebra dê-se de forma verbal diretamente ao Juiz (art. 4º da Lei n. 9.296/96), o qual reduzirá a termo e analisará a necessidade de devassa no sigilo de dados telefônicos, o que pode ocorrer em menos de 1 (uma) hora, afastando qualquer argumentação no sentido de que tornaria inócua a busca. Conclui-se, assim, que tanto a quebra de sigilo das conversas, tanto via WhatsApp quanto através das mensagens de texto (SMS), não pode ocorrer pelo simples fato de que o indivíduo foi preso em flagrante por crime permanente, ou de que é possível a identificação de outros criminosos, ou mesmo para buscar prova contundente contra o preso. A resposta para a pergunta “o que fazer?” quando prende-se alguém, seja em flagrante ou não, e há necessidade de devassa no sigilo foi respondida pelo recente e emblemático julgado do Superior Tribunal de Justiça, que encontra a melhor definição no julgamento da Suprema Corte dos Estados Unidos anteriormente citado que, em tradução livre, afirmou: “Nossa resposta ao questionamento sobre o que a polícia deve fazer antes de sair em busca de informações de celular apreendido em razão de prisão é simples – consiga um mandado”. Rodolfo Macedo do Prado Advogado Bacharel em Direito pela UFSC Pós-graduando em nível de Especialização em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCrim, e em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus Professor Convidado nas disciplinas de Direito Constitucional e Processo Penal da UFSC Membro Associado da AACRIMESC e do IBCCrim Presidente da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB/SC (2010-2012). [1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.18ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 440. [2] GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal.9ª Ed – versão digital (.epub). São Paulo: Saraiva, 2012. p. 356. [3] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional.7ª Ed. - versão digital. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 502. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |