Coluna de Caio César Domingues de Almeida e Fabiani Rodrigues do Amaral da Silva no sala de aula criminal! Vale a leitura. ''As repercussões desta abordagem são evidenciadas pelos dados fornecidos pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Brasília, 2023), que apontam uma população carcerária no Brasil superior a 857 mil indivíduos, predominantemente de baixa escolaridade e não-brancos, com o tráfico de drogas figurando como principal causa de encarceramento''. Por Caio César Domingues de Almeida e Fabiani Rodrigues do Amaral da Silva Sob o pretexto de prevenção e combate ao abuso de drogas para a preservação da saúde dos brasileiros, da proteção à família e do enfraquecimento do tráfico, o senador Rodrigo Pacheco propôs a Emenda à Constituição n.º 45, de 2023. A referida emenda foi aprovada pelo Senado Federal na última terça-feira, dia 16, e propõe a alteração do Art. 5º da Constituição Federal, com a inclusão do seguinte inciso: ''LXXX – a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar''.
A proposta recebeu 53 votos favoráveis e 9 contrários no primeiro turno e 52 votos favoráveis e 9 contrários no segundo turno, ganhando força depois da repercussão do julgamento do Recurso Extraordinário 635.659 no Supremo Tribunal Federal, no qual se discute não só a inconstitucionalidade (especificamente em relação ao uso da maconha) do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), mas a fixação de parâmetros objetivos (quantitativos) para diferenciar usuários de traficantes. A tramitação da PEC parece constituir uma tentativa de contornar ou neutralizar uma possível decisão adversa por parte do Supremo Tribunal Federal. Essa interpretação decorre das declarações do Senador Eduardo Girão (Novo-CE), que, durante sessão plenária, defendeu a criação da emenda como um meio de prevenir a usurpação de competências por parte do Supremo Tribunal Federal, argumento que se alinha à exposição feita pelo Senador Pacheco, apontando o julgamento como um desafio à compreensão das implicações da dupla criminalização. Diante deste contexto, surge a indagação: a quem beneficia a PEC 45/2023? Para adentrar nesta discussão, sugerimos uma reflexão sobre o processo de criminalização nos Estados Unidos, berço da guerra às drogas, cujas políticas influenciaram práticas internacionais, moldando a atual política brasileira de combate às drogas. A compreensão deste fenômeno exige uma reflexão sobre, pelo menos, dois aspectos cruciais: a Revolução Industrial e o crescimento do consumo de substâncias psicoativas na década de 1960. Como ensina Zaccone (2007, p.79), a partir da Revolução Industrial, o uso de substâncias entorpecentes tornou-se indesejável devido aos efeitos negativos sobre a produtividade dos trabalhadores, estabelecendo-se, assim, como um obstáculo econômico significativo. Este ponto sublinha a criminalização como um instrumento de controle e exploração da mão de obra. Contudo, se a política inicial de restrição ao uso de drogas, focada no ópio, estava associada a grupos marginalizados, como negros, hispânicos, chineses e irlandeses, o aumento no uso de substâncias psicoativas por parte das classes média e alta brancas, na década de 1960, instigou uma diferenciação entre traficantes e usuários. Esta distinção foi marcada por um discurso moralizador, que relegou aos marginalizados a imagem de traficantes, enquanto os mais abastados eram tratados como enfermos, consolidando o discurso médico-jurídico adotado posteriormente no Brasil. A Lei de Drogas atualmente estabelece diferentes penalidades nos artigos 28 e 33, distinguindo o tratamento entre usuário e traficante. As sanções para consumo pessoal incluem advertências sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medidas educativas, como o comparecimento a programas ou cursos educativos. Entretanto, a lei não define critérios objetivos para discernir entre o porte para consumo pessoal e o tráfico de drogas, deixando uma margem de subjetividade, expressamente admitida pelo parágrafo 2º do artigo 28, que determina que o juiz atentará (para fins de distinção) “ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. As repercussões desta abordagem são evidenciadas pelos dados fornecidos pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Brasília, 2023), que apontam uma população carcerária no Brasil superior a 857 mil indivíduos, predominantemente de baixa escolaridade e não-brancos, com o tráfico de drogas figurando como principal causa de encarceramento. É imperativo destacar que a população carcerária brasileira cresceu 44% na última década. Para além do exponencial crescimento populacional (e, como visto, seletivo), ainda é possível encontrar situações absolutamente bizarras, como no Habeas Corpus 127573/SP, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em que houve concessão da ordem para absolver paciente condenada a 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão por estar na posse de 1 grama de maconha. Diante desses fatos, a pergunta persiste: a quem serve a aprovação da PEC 45/2023? Certamente não aos que reconhecem o insucesso da guerra contra as drogas e estão engajados na luta pela saúde pública de toda (frisa-se) a população, pelo fim do encarceramento em massa, pelo combate ao racismo institucional e pela redução da violência. Referências bibliográficas: ZACCONE, Orlando. Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas. Rio de janeiro: Revan, v. 2, 2007. 140 p. BRASÍLIA. Sistema Nacional de Informações Penais. Secretaria Nacional de Políticas Penais. Dados estatísticos do Sistema Penitenciário. 2023. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMDY2ODEzOTgtYmJlMy00ZmVkLWIwMTEtMTJjZDQwZWRlYjdhIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em: 17 abr. 2024. Fabiani Rodrigues do Amaral da Silva Advogada. Bacharel em Direito - AMF. Pós-graduada em Direito Processual Penal - CEI. Mestranda em Ciências Sociais - UFSM. E-mail: [email protected]. Caio César Domingues de Almeida Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal e Criminologia, CEI. Professor de Lei de Drogas e Habeas Corpus, CEI. E-mail: [email protected]
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