O direito está inserido na e pela linguagem, tal qual a literatura. As palavras dizem coisas. As coisas são ditas pelas palavras. Daí que no e pelo artificio da linguagem a compreensão e interpretação do mundo se faz possível. Inclusive quando da descrição de um fenômeno. A hermenêutica, a filosofia da linguagem, a linguística, tratam de tais questões, a saber, o debate acerca da linguagem e das coisas (inserindo-se aqui o próprio direito), discussão esta que resulta numa verdadeira angústia, esta que, nos dizeres de Lenio Streck, “assalta o homem desde a autora da civilização e que atravessa mais de dois milênios”. O cenário jurídico necessita de uma maior intersecção com a literatura. Direito e literatura estão interligados ao se considerar o fator estruturante destes como sendo a linguagem. As coisas, para que sejam compreendidas e interpretadas, necessitam de um aparato para tanto. Eis o papel da linguagem. Na sua forma escrita, transmite ao leitor uma exposição articulada, concatenada, lógica - pelo menos quando o autor pretende que o seu texto seja digerido. No direito não é diferente. Na literatura, a construção narrativa é facilmente perceptível, afinal, o autor, ao contar uma história pela escrita, num romance, por exemplo, necessita que o texto seja coerente: deve ter um início, um meio e um fim. A lógica literária necessita que determinadas regras sejam observadas para que o escrito seja coerente. A consequência disso é o arrebatar da atenção do leitor. Histórias são assim construídas. O texto, quando coerente, tal qual num romance, faz com a leitura flua. O recado dado é de fato transmitido ao ser absorvido pelo leitor. No direito, entretanto, há certa carência de tal tipo de narrativa. Daí que seu estudo em conjunto com a literatura se faz salutar. Lenio Streck evidencia muito bem isso:
Deste modo, pode se dizer que é justamente esse contato mais afetivo, mais próximo, mais dinâmico, mais empático, enfim, com mais afinidade à linguagem que faz falta no direito. Sendo mais pragmático, é preciso que se saiba contar histórias ao redigir um texto jurídico. As informações presentes numa peça processual, por exemplo, devem ser coesas, harmônicas, cativantes. De que vale fazer aquele velho e ultrapassado (em vários vieses) silogismo jurídico (premissa maior que se interliga com a premissa menor, concluindo pela aplicação de determinada norma, visto que preenchidos os “requisitos” para tanto)? Entulhar uma peça processual com inúmeros julgados (jurisprudência), os quais muitas vezes sequer o autor da peça os lê integralmente, é realmente necessário? Note-se que a observação aqui feita não possui o intuito de estabelecer diretrizes impeditivas ou sugestivas do que se deve ou não colocar no texto jurídico. Meramente se trata de uma convocação à reflexão acerca da falta que a narrativa faz ao direito. Alexandre Morais da Rosa assim evidencia o ponto aqui tratado:
Conclusão que se faz é que a questão da narrativa deve estar inserida no direito. Sejam aqueles que já possuem o dom da boa escrita (nos termos aqui suscitados), sejam os que necessitam de exercício constante para que o convencimento se faça presente no texto, o treino deve se fazer sempre presente, e isto se faz mediante (muita) leitura e (muita) escrita. Narremos, para além de escrever, portanto. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. 3ª Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. STRECK, Lenio Luiz. TRINDADE, André Karam. (Organizadores). Direito e Literatura: da Realidade da Ficção à Ficção da Realidade. São Paulo: Atlas, 2013. Comments are closed.
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