Quatro estações traz a compilação de quatro contos, dos quais passo a destacar “A redenção de Shawshank”. Neste, o escritor Stephen King explora os meandros da mente do encarcerado, o que o faz através do carismático personagem Andy Dufresne, condenado a pena perpetua por um crime passional. Apenas lendo o livro para descobrir se realmente o cometeu. Andy, como é chamado pelos mais próximos, é preso em 1948, aos 30 anos de idade, e cumpre sua pena sistemática e silenciosamente até idos de 1975, quando finalmente foge da penitenciária de segurança máxima de Shawshank. A moral é que, após tantos anos cumprindo pena em regime de reclusão, seu amigo Red, detido em 1938 e liberto dois anos após a fuga de Dufresne, passa a ter dúvidas quanto a vida em liberdade, “porque o cara fica doutrinado”, acresce. São as chamadas, na psicologia, “reações carcerárias”, decorrentes de efeitos psicológicos negativos que se manifestam em razão de ocorrer profundas mudanças estruturais na psique do indivíduo ao longo do cumprimento da pena, o que se dá em função da abrupta mudança de ambiente e introdução coercitiva de rotinas e valores novos. A efeito, segundo estudos criminógenos, perde-se a identidade social após certo tempo de exposição carcerária. Torna-se alienado. É o que ocorre quando Red tem declarada sua liberdade condicional. Simplesmente não reage. Perdeu o arbítrio. “Agora, sou o que eles chamam de um homem institucionalizado”, diz a Dufresne. As coisas mudaram depois de decorridos quase 40 anos de cárcere. O mundo lá fora se tornou maior e mais assustador, as regras assimiladas no microcosmo da prisão não se aplicam ao mundo extramuros. É certo que a mesma reação pode se esperar de um animal. Quando mais jovem, realizei um inocente experimento em uma ave, quando então dirigi-me até a casa de um velho amigo, onde ficava confinado em uma gaiola um canário, e, para o meu espanto, após manter a portinhola de sua gaiola inteiramente aberta, e mesmo podendo voar, como afiançado por meu amigo, a ave não só não ousou alçar voo, como manteve-se garrida a declamar cânticos. Red narra que chegou a pensar em roubar alguma coisa, para voltar para a cela onde era calmo e onde se sabia tudo o que ia acontecer durante o dia. Isso por que, sob condições de confinamento, os condenados tendem a sofrer sérios traumas psicológicos, de quando em vezes irreversíveis, tornando-os inapto a viver sob condições de liberdade. Booksie, o bibliotecário, a exemplo, ganhou liberdade condicional em 1952. Tinha 68 anos, sofria de artrite e chorava quando deixou Shawshank. Lá era o seu mundo. “O que ficava além de seus muros era tão terrível quanto os mares ocidentais para os marinheiros supersticiosos do século XV”. Sabe-se que Booksie morreu num asilo a caminho de Freeport em 1953. Provavelmente depressão. Quiçá, suicídio. Evidentemente, o tempo em que sujeitado ao ambiente carcerário é determinante para o aprofundamento de uma miríade de distúrbios psicossomáticos e quadros depressivos. Há uma grave queda dos aparelhos de defesa da psique do indivíduo exposto longamente a tais condições. Há, outrossim, um paradoxo que aproxima o encarcerado do experimento com a ave. O primeiro sinal disso é a renúncia do livre arbítrio. Assim, devolvê-lo ao convívio social, inabilitado, por vezes, poderá leva-lo, como ficou evidenciado na obra de King, a ideias de autoextermínio. O mais instigante talvez é que quando estavam presos, Andy, por ser réu primário, tornou-se aluno do velho Red, o qual lhe ensinara tudo sobre sobrevivência no ambiente carcerário (suas regras, seus reveses), ao passo que, uma vez libertos, ao se reencontrarem, os papeis se inverteram, e Andy, antes aluno, passou a ministrar lições de vida a Red, e este, a seu tempo, reencontrou assim o significado da vida, e, diferentemente de Booksie, que ela valia muito ser vivida. Marcos Fernando Oliveira Bacharel em Direito pela FPU Especialista em Ciências Penais Analista de Promotoria do Ministério Público de São Paulo Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |