O instituto da reincidência é caracterizado quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado culpado (art. 63 CP). Conforme o art. 64 do CP, observa-se a existência do período de prova do agente, que, após decorridos 5 (cinco) anos do cumprimento da pena, volta a ser considerado primário, no entanto, portador de maus antecedentes. Este artigo não pretende versar sobre o que é a reincidência, mas sim, sobre a inconstitucionalidade desse instituto, porquanto é um tema em que há vasta divergência doutrinária. Parte da doutrina que evidencia a inconstitucionalidade da reincidência, afirma, inclusive, que a mesma deveria ser banida do nosso ordenamento, senão atenuar a pena sob as diretrizes dos Direitos Humanos, Princípios Constitucionais e Princípios do Direito Penal, ao invés de majorá-la. No sistema atual (posicionamento do STF - RE 453.000/RS – HC 94.403/RS) se aplica a reincidência sob a justificante de que deve ser mantida, eis que existente desde a época do império e se funda em uma maior necessidade de “apenação”, levando-se em conta o perfil do réu que voltou a delinquir, já que a condenação anterior não foi suficiente para evitar um novo crime, ou seja, uma maior reprovabilidade de sua conduta ao violar a lei penal de forma reiterada. Ainda de acordo com o STF e Armin Kaufmann, sustenta-se que a cada tipo penal ter-se-iam duas normas: uma específica (concreta), que tutela o bem jurídico de que se trata, e outra genérica (abstrata), referida à proibição de um futuro delito. Assim, cada tipo penal teria dois bens jurídicos e a reincidência estaria ofendendo a um bem jurídico diferente daquele afetado pelo segundo delito. Observa-se que esta justificativa teórica de fundamento da reincidência causa inconteste insegurança jurídica, já que teríamos um bem jurídico concreto e abstrato em cada norma. Desta forma, tem-se que o fundamento em nosso ordenamento da reincidência é na periculosidade da pessoa, ou seja, uma maior possibilidade de se cometer um novo delito, valendo-se da Teoria Psicológica da Culpabilidade, a qual sustenta que a reincidência demonstra uma decisão da vontade do autor dotada de permanência de delinquir, e na Teoria Normativa da Culpabilidade, a qual afirma que se a anterior condenação não foi suficiente, faz-se necessário reforçar a condenação pelo segundo delito[1] . Portanto, de forma simplificada, a reincidência é fundada no direito penal do autor e não no direito penal do fato, razão pela qual é manifestamente inconstitucional, eis que pune pelo mesmo fato mais de uma vez o réu, além de ser uma expressa declaração e reconhecimento da ineficácia do modelo de repressão penal atual. E, deste modo, o Estado translada sua culpa exclusiva de falha na ressocialização do sujeito, perante seu hediondo sistema carcerário, para outro delito do mesmo sujeito, basta analisar o índice atual de reincidência no Brasil. Nas palavras de Eugenio Raúl Zaffaroni[2]:
Ainda, afirma:
A seguir, uma breve contagem[3] de institutos penais em que a reincidência se faz presente negativamente:
Percebe-se, portanto, através da reincidência, que o Estado, ao invés de reconstruir/ressocializar o cidadão, emerge-o cada vez mais no sistema complexo da criminalidade. Imperioso ressaltar que o nosso sistema carcerário está entre os mais temerosos do mundo, razão pela qual, já tivemos pedido de extradição negado por possuirmos penitenciárias desumanas, eis que não preservam a integridade física e psíquica do preso, como exemplo pode-se citar o caso do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, que fugiu do Brasil para a Itália e depois de ser condenado no mensalão teve o pedido de extradição negado. Atualmente, o índice de reincidência no Brasil é de até 70%, e está entre as mais acentuadas da América Latina[4]. Sendo assim, questiona-se: Se a reincidência fosse sinceramente eficaz (finalidade de repelir a criminalidade), por que seu índice no Brasil é tão culminante? Cuja consequência, aguça tragicamente o encarceramento massivo. Importante mencionar que em relação ao Direito comparado, tem-se que houve a abolição da reincidência na Colômbia[5] desde 1980. Já na Espanha acolhe-se apenas a reincidência específica, ou seja, a reincidência será considerada circunstância agravante de pena, exclusivamente, para os delitos da mesma natureza. Acerca dos princípios norteadores do direito, no sistema jurídico brasileiro e no Direito Internacional Penal, tem-se a vedação do “bis in idem”, ou seja, não se admite que a mesma circunstância relativa ao fato (Direito Penal do Fato e não do Autor) possa ser considerada duas vezes sobre a pena individualizada. Extrai-se o referido princípio através do §1º e §2º do art. 5º da Carta Magna, o qual impõe a elaboração preliminar de um conceito material de direito fundamental consentâneo com a exata prolação dessa cláusula constitucional. Esse deve servir como paradigma que consinta proceder à verificação daquele princípio que possa ser efetivamente acolhido como um direito fundamental não expresso. Sendo assim, observa-se a inconstitucionalidade do instituto da reincidência, eis que permite a punição do indivíduo pela 2ª vez. Ainda, agravando a situação do apenado, nota-se diariamente que a reincidência consente à punição pela 1ª, 2ª e/ou 3ª vez pelo mesmo fato, ou seja, o crime que o réu já cumpriu a pena que lhe foi imposta pelo Estado emerge efeitos em novo delito, seja ele doloso ou culposo. Insta salientar, que curiosamente no art. 64 do CP, o legislador afastou os efeitos da reincidência para aqueles que cometerem crimes militares próprios e políticos. Elenca-se a título de exemplo, quando em crime posterior, o réu teve sua majoração de pena referente à agravante da reincidência na 2ª fase da dosimetria da pena, todavia, após o momento da dosimetria da pena, também terá como fundamento na reincidência a escolha do regime inicial da execução de pena que determina o regime mais gravoso nos termos do artigo 33 do Código Penal, sendo assim, punido pela 3ª vez. Portanto, foi deslembrado pelo legislador, que o réu, se reincidente, teve sua pena majorada devidamente em momento oportuno, ou seja, na 2ª fase da dosimetria da pena. Logo, demostra-se que se o agente já teve uma condenação por um processo, cumpriu sua pena devidamente e nos ditames da lei, a mesma vai estender seus efeitos a outro processo por uma, duas, três (...) vezes! Diante do exposto, tem-se que a reincidência fere diretamente o Princípio da Culpabilidade[6] (qualificação jurídica da ação e não de seu autor), o Princípio da Individualização das Penas (art. 5º, XLVI, CF) e o Princípio do “ne bis in idem” eis que fundada em uma fulgente manifestação do direito penal do autor, razões essas que são inadmissíveis e incompatíveis com um Estado Democrático de Direito. E, perante a extrema dificuldade de exclusão do instituto da reincidência, e do reconhecimento de seu ineficaz uso, esse instituto, no mínimo, carece de revisão em nosso ordenamento jurídico, pois sofre extenso repouso dogmático “desde a época do império”, ao passo que, a sociedade permanece em constante evolução. Carla Juliana Tortato Advogada Criminalista Pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal na Academia Brasileira de Direito Constitucional Referências: [1] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2015. Pg.746-747. [2] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2015. Pg.748-749. [3] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal. 2014. Pg. 542-543. [4]http://institutoavantebrasil.com.br/brasil-reincidencia-de-ate-70/ e http://www.estadao.com.br/ noticias/cidades,de-cada-10-assaltantes-7-voltam-a-roubar-no-estado-e-41-sao-menores,1123132,0.htm. Acessos em 28 de junho de 2016. [5] CARVALHO, Amilton Bueno de Carvalho Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. 2ª Ed. Lumen Juris, 2001, p. 77. [6] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. 2014. Pg. 459. Comments are closed.
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