O homem como ser social que é, necessita a todo o momento estar em contato e intercâmbio com os indivíduos que o cercam e é por meio da linguagem que ocorre essa interação. A linguagem surge com a consciência da sua incompletude (MARX, ENGELS, 2004, p. 56-57).
A sociedade exerce grande influência sobre o indivíduo, tanto na forma de pensar, como em sua maneira de agir e, para que tenha uma efetiva participação no meio social em que vive precisa ter o conhecimento a respeito das múltiplas e divergentes opiniões existentes ao seu redor, é mediante a informação que ele o obtém. Nesse momento, a mídia exerce seu papel principal, que é propagar as informações, as notícias e toda forma de expressão do pensamento. Importante salientar a diferença entre liberdade de expressão e informação. Para Luis Gustavo Grandinetti, a divulgação de um pensamento, uma ideia, uma opinião, é necessariamente parcial, enquanto a divulgação dos fatos, dados objetivamente apurados – característica da informação -, deve ser despida de qualquer apreciaçaõ pessoal, “em um jornal escrito, tanto pode haver informação ou expressão, mas, quando tratar-se da primeira, impõe-se, necessariamente, transparência” (1999, p. 25). A mídia é um meio de comunição por excelência e, no sentido mais estrito, refere-se aos meios de comunicação de massa, especialmente aos meios de transmissão de notícias e informação, tais como, jornais, rádio, revistas e televisão[1] (SANTAELLA apud PRADO, p.44), sendo a última, especificamente, o objeto da presente análise. Tem-se por massa, o agrupamento de indivíduos heterogêneos e anônimos, desconhecidos do distribuidor da mensagem:
Com a globalização e o avanço tecnológico, as informações circulam cada vez mais rápido, a sociedade [pós] moderna tem acesso a notícias de tudo o que acontece no mundo, em tempo real, permitindo que emitam suas opiniões a respeito dos fatos enquanto eles ocorrem. Como bem explicou Barbosa Lima Sobrinho (apud VIEIRA, 2003, p. 31):
Essa carência do homem em exteriorizar seu pensamento e manifestar-se diante dos acontecimentos diários para, assim, cumprir seu papel de cidadão, na medida em que atua nos ambientes em que se encontra [trabalho, família etc.], é que fez com que a informação passasse a ter grande relevância jurídica. A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 5º, inciso XIV, protege o direito à informação, em todos os seus aspectos, sem impedimentos de qualquer natureza, salvo quando for necessário ao exercício profissional que seja resguardado o sigilo da fonte e, assim como, assegura a todos o acesso à informação, garante também a ampla liberdade de informar, sob qualquer forma, processo ou veículo não havendo qualquer restrição ou censura. Contudo, toda esta liberdade pressupõe limites e responsabilidades, sob o risco de se tornar libertinagem e, em vez de somente informar, passe a influenciar de maneira arbitrária todos seus receptores, partindo-se de juízos de valores pré-definidos. Bourdieu (1997, p. 21) afirma que a televisão é o instrumento que, teoricamente, atinge todo mundo e, o acesso a ela é censurado, pois, há uma perda de autonomia, a partir do momento em que os assuntos abordados são impostos pelas pessoas que a possuem, pelos anunciantes que pagam as publicidades e pelo Estado que dá subvenções, sendo, por isso, a ferramenta de manutenção da ordem simbólica. Para ele, a televisão exerce uma “espécie de monopólio do fato sobre a formação das cabeças de uma parcela muito importante da população” (p. 23). As contradições da vida dos indivíduos e da sociedade tratadas pela mídia nesse espaço simbólico fez com que a dimensão pública de justiça se tornasse objeto de natural interesse dos meios de comunicação de massa. O crime e o criminoso sempre fascinaram as civilizações, os noticiários delitivos das páginas vermelhas de sangue, ao mesmo tempo em que possuíam toda uma substância dramática, criavam estereótipos diferenciando o homem bom do homem mau. Não era à toa que no período medieval a aplicação das penas tinha um ritual público, para que todo mundo visse e para que todo mundo aprendesse com o erro do outro, estabelecia a política do medo. E, assim, desde o princípio, dominada pelo terror e pelo medo, a sociedade não argumentava quem era o homem bom ou mau, apenas aceitava o que presenciava e lia, manifestando sua intolerância para com o ser humano cuja conduta, segundo Shecaira (1995, p. 135), “não se compreende com perfeição e que escapa aos domínios do homem”. Contrariamente à pena que era pública, o processo era secreto, não só para o povo, mas para o próprio acusado. Inquisitorial, o processo corria mediante a sua completa ignorância a respeito das acusações que lhe eram imputadas, quem havia lhe denunciado e, utilizando-se de torturas, tentava-se ao máximo a sua confissão. Ayrault (apud Foucault, 2014, p. 38) supunha que tal procedimento, no século XVI, “tinha por origem o medo dos tumultos, das gritarias e aclamações que o povo normalmente faz, o medo de que houvesse desordem, violência e impetuosidade contra as partes, talvez até mesmo contra os juízes”. Mostrava-se, assim, o poder absoluto e exclusivo do rei e dos juízes, “o suplício judiciário deve ser compreendido também como um ritual político. Faz parte, mesmo num modo menor, das cerimônias pelas quais se manifesta o poder” (FOUCAULT, 2014, p. 49). O suplício tinha uma função jurídico-política. Se antes, as execuções das penas ganhavam publicidade nas praças e espaços públicos, hoje, quem dá publicidade aos processos, decisões judiciais, sentenças, provas e penas, é a mídia. Seu papel nas sociedades democráticas é tão forte e tão dominante que chega a exercer o chamado “quarto poder”, atuando como mediadora de seus interesses frente às instituições, cada vez mais ocupa o centro da cena nacional. O judiciário e a mídia sempre tiveram, entre si, características diametralmente opostas. Enquanto acreditava-se que o primeiro só poderia alcançar a boa justiça demandando um tempo consideravelmente razoável, à segunda, exigia-se o menor tempo possível, para se processar uma ou mais notícias, de forma a mostrar-se ágil e eficaz; enquanto o primeiro sempre esteve a uma distância razoável da sociedade e das partes do processo, para que assim pudesse manter-se imparcial e equidistante, a segunda permanecia em meio à sociedade, com ela, muitas vezes, se confundindo; enquanto o primeiro utilizava-se de linguagem e vocabulário próprio [rebuscado], a segunda preocupava-se em facilitar a compreensão e tornar amplamente acessível às massas as informações veiculadas, por fim, enquanto o judiciário tinha como função típica julgar, a mídia tinha como função social, informar. Todavia, de alguns anos para cá, mais precisamente, a partir dos anos 2005/2006, com o caso “Mensalão”, a relação entre a mídia e o judiciário passou por constantes transformações e adaptações. Para melhor explicar o atual arranjo, recorre-se a uma relação biológica, estudada na botânica, a simbiose:
Observa-se hoje, que ambos retroalimentam-se:
Ou seja, percebe-se claramente que, desde o “Mensalão”, mas principalmente, agora, com o, também, polêmico caso “Lava-Jato”, há uma troca incessante de informações, provas, ajudas, benefícios etc. Há uma intromissão recíproca e, consequentemente, uma confusão dos papéis legais e sociais exercidos pela mídia e judiciário. Se antes havia uma disputa por legitimidade e conquista da confiança da sociedade, hoje, um supre a falha e a necessidade do outro, uma hipótese para se explicar essa união de forças, pode estar ligada às pesquisas abaixo. A Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), constantemente realiza pesquisas para se medir o Índice de Confiança do Judiciário (ICJ), em sua segunda edição, de 2009, indicou:
Essa mesma pesquisa, realizada pela mesma instituição, em outubro de 2016, apontou que o Poder Judiciário tinha apenas 29% da confiança da população, ficando atrás das Forças Armadas, que liderava o ranking com 59% da confiança, da Igreja Católica (57%), imprensa escrita (37%), Ministério Público (36%), grandes empresas (34%) e emissoras de TV (33%)[3]. Já, os dados divulgados em agosto desse ano (2017), mostram que o índice de confiança no judiciário (ICJ)[4] caiu para 24%. Após a proibição constitucional de estrangeiros serem proprietários de jornais, radiodifusão e canais de televisão (artigo 222, da CF/88), tornando o setor genuinamente nacional e em poder de poucas famílias, a atividade passou a intervir diretamente na estrutura de poderes, dentre eles o Poder Judiciário. Assim, com o intuito de se manterem no poder, afinal:
Optou-se, portanto, à união de esforços, por isso, é cada vez mais perceptível que a mídia reitera exaustivamente algumas notícias até que elas se tornem tão verossímeis quanto possível, perante a opinião pública. Hoje, nota-se facilmente que os veículos de informação visam, tão somente, ao lucro, esquecendo-se de sua função social, utilizam-se de notícias sensacionalistas e fragmentadas, passando a mostrar não o que é real, mas sim o que é conveniente, sobrepondo-se a qualquer outro direito constitucionalmente assegurado, destruindo valores éticos e ferindo dignidades alheias, sem qualquer compromisso com o bem informar. Notícias essas, em sua grande maioria, advindas dos atos e decisões judiciais da operação Lava-Jato, seja para validá-las, seja para rechaçá-las, em total violação a direitos constitucionalmente assegurados como: intimidade, privacidade, honra, imagem, presunção de inocência, imparcialidade e juiz natural. Àqueles que acreditam que o processo penal serve apenas como ato de punição, deve-se aclarar que este serve, também, como garantia de inocência e liberdade do réu, diante da pretensão punitiva estatal. Já àqueles que invocam o princípio da publicidade processual deve-se inferir que este possui duas vertentes; uma se refere às partes e possibilita o contraditório e o exercício da ampla defesa do cidadão (art.5°, inciso LV, CF/88), a outra é a publicidade perante terceiros, que tem por finalidade controlar publicamente a justiça e a atuação dos juízes, cobrando-lhes a correta aplicação das leis. Parece ilusório clamar pela responsabilização da mídia num cenário em que esta já sedimentou a sua atuação frente à sociedade brasileira, enquanto que o judiciário passa por um crescente descrédito na sociedade, mas é preciso encontrar um equilíbrio para a sua atuação, tendo em vista que a vida privada, a intimidade e a honra da pessoa humana tornam-se cada vez mais vulneráveis conforme a tecnologia se desenvolve. Luana Aristimunho Vargas Paes Leme Graduada em Direito pelas Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu - Unifoz Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera - Uniderp Pós-Graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Fundação Assis Gurgacz - FAG Advogada [2] Judiciário, Editorial, Opinião, Caderno a3. Jornal A Gazeta do Iguaçu, Foz do Iguaçu-PR, 23 de outubro de 2009. [3] Confiança no Judiciário é de apenas 29% da população, diz FGV. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/confianca-no-judiciario-e-de-apenas-29-da-populacao-diz-fgv/>. Acesso em: 03 nov. 2017. [4] Em 2017, confiança da população na Justiça e no MP diminuiu, diz estudo da FGV. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-ago-25/2017-confianca-judiciario-mp-diminuiu-estudo>. Acesso em: 03 nov. 2017. REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Trad. Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetii Castanho de. Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. DIMENSTEIN, Gilberto. As armadilhas do poder: bastidores de imprensa. São Paulo: Summus Editorial, 1990. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 42. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2014. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: Feuerbach – A Contraposição ente as Cosmovisões Materialista e Idealista. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004. PRADO, José Luiz Aidar (Org.). Crítica das práticas midiáticas: da sociedade de massa às ciberculturas. São Paulo: Hacker, 2002. SHECAIRA, Sérgio Salomão. A criminalidade e os meios de comunicação de massa. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 3, n.10, Abr-Jun., 1995. VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. Comments are closed.
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