Considerações introdutórias se fazem necessárias, para passarmos ao que realmente interessa.
Primeiramente, cumpre-se mencionar que a teoria do Labeling Approach, ou conhecida como teoria do etiquetamento, pode ser divida em 03 fases, sendo elas a criminalização primária, a criminalização secundária, e criminalização terciária. No que concerne a criminalização primária, em síntese, pode-se dizer que tal criminalização se refere a produção de normas, ou seja, os elementos que levam a produzir determinada norma, e a sua respectiva criação. Por sua vez, a criminalização secundária é aquela onde será aplicada a norma, transitando da fase investigativa até a judicial, e ao final com o juiz aplicando a referida norma. A criminalização terciária, é a execução da pena, ou seja, o cárcere, e até mesmo as medidas de segurança.[1] Sendo assim, acerca da criminalização primária, este autor parte do pressuposto da em que a classe dominante, utiliza-se de sua apropriação legislativa, vez que a compõe em sua grande maioria, para enfim, legislar sobre matéria penal, e, consequentemente, consiga realizar uma neutralização dos dominados[2], ROUTER também segue no mesmo sentido, senão vejamos:
Falando ainda em criminalização primária, associando ao delito de tráfico de drogas, são esclarecedoras as palavras de CHRISTIE:
Seguindo este raciocínio, pode-se dizer que as normas incriminadoras no que tange o delito de entorpecentes, servem primeiramente para selecionar as condutas a serem consideradas desviantes, com base nas formas de desvios típicas da classe subalternas[5], não significando, contudo, ser uma prática exclusiva de tais classes. Na criminalização secundária, ocorre a seleção do público alvo do direito penal, valendo-se para esta seleção da análise do indivíduo e sua respectiva classe social, que em sua grande maioria são das classes mais baixas. Outrossim, os estudos da Escola Positiva, acerca do status de criminoso com base no autor, suas condições sociais, familiares, falta de qualificação profissional são utilizados pelos órgãos responsáveis pela criminalização secundária.[6] Assim, através da seletividade penal, as autoridades buscarão pinçar certos sujeitos dentro da sociedade com a características daquele estereótipo criminoso.[7] Neste ponto, faço uma pausa e abrimos diálogo com você caro leitor, quero que faça um exercício mental, e siga os passos a seguir: Feche os olhos e pense na figura de um traficante, faça um esforço mental para descrever as características dele. Em grande parte da população, a imagem que se vê é de um jovem, negro, pobre, portando um fuzil, e, muitas vezes utilizando entorpecente. Contudo, tal visão é completamente equivocada, tendo em vista que o traficante não possui rosto, ele poderá ser da classe mais alta da sociedade à mais baixa, poderá ser branco, amarelo, pardo, ou negro, o que ocorre é justamente a seletividade provocada pela influência midiática, bem como decorre desta criminalização secundária. A criminalização terciária, é o resultado das duas teorias anteriores, sendo que a norma incriminadora foi criada com base nos delitos cometidos em grande parte pelas classes dominadas, o indivíduo selecionado com base em suas condições sociais, familiares e econômicas, e agora, na criminalização terciária, levado ao cárcere, ou seja, neutralizado. Com tal seletividade penal através do delito de entorpecentes, ocorre a aplicação da teoria do etiquetamento com sucesso, tendo em vista que o indivíduo, antes tido como possível transgressor de normas, e agora egresso do sistema carcerário, recebe a etiqueta ou o rótulo de criminoso, retornando em círculo vicioso, não do crime, mas de perseguido pelo Estado, neste sentido HUSMAN com maestria menciona acerca do estigma:
Neste passo, em síntese, BECKER acerca da pessoa considerada como outsider (desviante), dentre outros conceitos, leciona que poderá ser considerado desviado aquele que não atende as expectativas e imposições de regras dos demais entes da sociedade. Outrossim, o não atendimento dos pressupostos e padrões estabelecidos pela sociedade, tornariam o sujeito como alguém que se desviou do caminho. [9] Importante destacar que como BECKER menciona, a rotulação do desviante somente se dará após o conhecimento dos demais pertencentes à sociedade, que este sujeito realizou a conduta considerada como errada, ilegal ou imoral. Mas este não deixa de ser um outsider pelo fato dos outros não o rotularem como tal.[10] Ainda, cumpre-se destacar as lições de BECKER sobre quem será considerado outsider:
Perceba que a criminalização em torno do delito de drogas, bem na verdade, se trata de um círculo vicioso, no qual o indivíduo a ser perseguido pelo Estado e, consequentemente, preso, já definido muito antes de passar pelas autoridades policiais, o início de sua criminalização já inicia na norma incriminadora. No mesmo norte, cabe salientar as experiências do cotidiano que demonstra ainda mais a seletividade e a segregação social. Em uma operação policial contra o tráfico de drogas, onde subirá o “caveirão”? Nos prédios no bairro nobre da cidade, ou nas favelas? Perceba que o tráfico de drogas, como já salientado em outros escritos, não é exclusividade das classes mais baixas, mas a criminalização secundária assim o faz. WACQUANT revela mais acerca do crescente encarceramento de pessoas pobres, jovens e negras:
Não se trata de algo abstrato e simplesmente teórico, pois quando avaliado a taxa de encarceramento e a população que dele faz parte, percebe-se a grande influência de uma seletividade penal realizada com sucesso, senão vejamos os dados divulgados pelo INFOPEN em 2014. Em 2014, haviam 662.202 pessoas presas no Brasil[13], sendo que em 2017 a população carcerária alcança os números de 915.930 presos. As pessoas condenadas pelo delito de tráfico de drogas em 2014 correspondiam 28% da população carcerária total[14], 55,07% dos presos possuem de 18 à 29 anos de toda a população carcerária[15], e 61,67% dos presos são negros/pretos e pardos[16], Pessoas analfabetas, alfabetizadas informalmente mais aquelas que têm até o ensino fundamental completo correspondem 75,08% da população carcerária, enquanto 24,92% possuem Ensino Médio Incompleto até Ensino Superior.[17] Isso demonstra de modo pleno a seletividade penal em prender jovens, negros, de classes mais baixas através da Política de Guerra às Drogas, como menciona WACQUANT:
E mais, além da seletividade demonstrada, a Política de Guerra às drogas também é uma reconstrução de um inimigo a ser combatido pelas forças do Estado, conforme BATISTA:
Importante salientar que a intenção do presente escrito não é justificar a prisão dos mais ricos porque existem pobres sendo presos, mas sim o raciocínio inverso, qual seja dotar os mais vulneráveis em nossa sociedade das mesmas garantias dispostas aos mais bem afortunados financeiramente. Diante todo o exposto, em uma análise sucinta, pode-se perceber que o Labeling Approach ainda funciona como uma metarregra orientadora para o encarceramento das pessoas jovens, negras, pobres e com baixa escolaridade, através da criminalização em torno dos entorpecentes. Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminalista Formado em Direito pela Universidade Positivo Pós-graduado em Direito Contemporâneo com Ênfase em Direito Público pelo Curso Jurídico Especialista em Direito Penal e Processo Penal Pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Mestrando em Direito pela Uninter Referências Bibliográficas BARATTA, Alessandro, Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal – Introdução à Sociologia do Direito Penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 6ª Ed. 2ª Reimpressão. Rio de Janeiro: Revan. 2014. BATISTA, Vera Malaguti. A juventude e a questão criminal no Brasil. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/02/1053773b21eb7cc6e5600f16cc0663e4.pdf> Acessado em: 21/01/17. BECKER, Howard S. Outsiders Estudos de Sociologia do Desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2008. HUSMAN, Louk. BRUNET, Amadeu Recasens i. SWAAININGEN, Rene Van. BERGALI, Roberto. ZAFFARONI, Eugenio Raul. CHRISTIE, Nils. YOUNG, Jock. Criminilogía Crítica Y Control Social. Juris. 1993. HUSMAN, Louk. CELIS, Jacqueline Bernart de. Penas Perididas. O Sistema Penal em Questão. Trad. Maria Lúcia Karam. Rio de Janeiro: Luam. KARAM, Maria Lúcia. De Crimes, Penas e Fantasias. Rio de Janeiro: Luam. 1991. RAUTER, Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan. 2003. RELATÓRIO INFOPEN. 2014. Dados do Sistema Penitenciário. 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf> WACQUANT, Loïc. As prisões da Miséria. Trad. André Telles. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar. 2011. WACQUANT, Loïc. Punir os pobres. A Nova Gestão da Miséria nos Estados Unidos. Trad. Eliana Aguiar. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Revan. 2003. [1] Cf. BARATTA: O direito penal não é considerado, nesta crítica, somente como sistema estático de normas, mas como sistema dinâmico de funções, no qual se podem distinguir três mecanismos analisáveis separadamente: o mecanismo da produção das normas (criminalização primária), o mecanismo da aplicação das normas, isto é, o processo penal, compreendendo a ação dos órgãos de investigação e culminando com o juízo (criminalização secundária) e, enfim, o mecanismo da exação da pena ou medidas de segurança. BARATTA, Alessandro, Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal – Introdução à Sociologia do Direito Penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 6ª Ed. 2ª Reimpressão. Rio de Janeiro: Revan. 2014. P. 161. [2] Cf. BARATTA: O sistema penal de controle do desvio revela, assim como todo o direito burguês, a contradição fundamental entre igualdade formal dos sujeitos de direito e desigualdade substancial dos indivíduos, que, nesse caso, se manifesta em relação às chances de serem definidos e controlados como desviantes. BARATTA, Alessandro, op. cit. P. 164. [3] RAUTER, Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan. 2003. P. 97. [4] HUSMAN, Louk. BRUNET, Amadeu Recasens i. SWAAININGEN, Rene Van. BERGALI, Roberto. ZAFFARONI, Eugenio Raul. CHRISTIE, Nils. YOUNG, Jock. Criminilogía Crítica Y Control Social. Juris. 1993. P. 157 e 160 [5] BARATTA, Alessandro. op. cit. P. 165. [6] Idem. [7] KARAM acerca do tema assim se posiciona: Atuando com a lógica e a razão do poder de classe do Estado capitalista, as agências do sistema penal vão selecionar, nestas classes subalternas, aqueles poucos autores de crimes, que, sendo presos, processados ou condenados, receberão o status de criminoso e, assim, se distinguirão dos demais indivíduos, cumpridores do papel de cidadãos respeitadores das leis, formando-se, a partir destes poucos selecionados, a imagem do criminoso. KARAM, Maria Lúcia. De Crimes, Penas e Fantasias. Rio de Janeiro: Luam. 1991. P. 57. [8] HUSMAN, Louk. CELIS, Jacqueline Bernart de. Penas Perididas. O Sistema Penal em Questão. Trad. Maria Lúcia Karam. Rio de Janeiro: Luam. P. 69. [9] BECKER, Howard S. Outsiders Estudos de Sociologia do Desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2008. P. 17 à 27. [10] Ibidem. P. 26 e 27. [11] Ibidem. P. 09. [12] WACQUANT, Loïc. Punir os pobres. A Nova Gestão da Miséria nos Estados Unidos. Trad. Eliana Aguiar. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Revan. 2003. P. 28 e 29. [13] RELATÓRIO INFOPEN. Dados do Sistema Penitenciário. 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf> 2014. P. 18. [14] RELATÓRIO INFOPEN. 2014. Op. Cit. P. 33. [15] RELATÓRIO INFOPEN. 2014. Op. Cit. P. 42. [16] RELATÓRIO INFOPEN. 2014. Op. Cit. P. 36. [17] RELATÓRIO INFOPEN. 2014. Op. Cit. P. 46. [18] WACQUANT, Loïc. As prisões da Miséria. Trad. André Telles. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar. 2011. P. 91 e 92. [19] BATISTA, Vera Malaguti. A juventude e a questão criminal no Brasil. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/02/1053773b21eb7cc6e5600f16cc0663e4.pdf> Acessado em: 21/01/17. Pág. 02. Comments are closed.
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