Laranja Mecânica é um clássico horrorshow. O romance de Anthony Burgess é ambientalizado num futuro distópico, contando a história de Alex e o seu modo de levar a vida no período da adolescência. A violência predomina no mundo da obra, ultrapassando todo e qualquer limite daquilo que poderia ser minimamente suportado pela sociedade. Consequentemente, tal violência exacerbada acaba acarretando em reflexos de variados tipos naqueles que vivenciam uma rotina diária de tal modo.
Alex, o protagonista narrador, conta a sua história abordando os períodos de quando jovem inconsequente (no qual contribui para a propagação da violência), as consequências de tais atos - um resultado que vai para além do esperado (quando uma vítima de sua violência acaba por falecer) - e o modo ultrajante com o qual recebe a sua punição. “Laranja Mecânica” foi escrito de um modo que pretendeu confundir o leitor (até se situar e compreender minimamente a linguagem da obra se vão algumas boas páginas). Para tanto, o autor utilizou um dialeto inventado especificamente para o livro. A “gíria” utilizada pelos personagens (na maioria, adolescentes violentos) é usada e abusada na obra, até mesmo pelo fato de contar com Alex como o narrador. Muita violência e inconsequência são retratadas na obra. O perigo ronda a cada esquina. Pior, o Estado passa a se utilizar destes mesmos meios para conter a violência combatida (membros de gangues, por exemplo, são contratados pela polícia - a violência, outrora ilícita, passa agora a ser "legítima"). Não obstante, há um novo método propagado pelo Estado para a contenção da violência, o qual consiste em uma experiência pavloviana na qual o protagonista é cobaia: sessões de tortura que condicionam a violência (praticar, pensar, querer) ao mal-estar. Assim, a ideia vendida é que de tal modo o Estado estaria contendo a violência e resolvendo tal problema. Entretanto, abre-se pauta para o grande debate cerne da história: e a livre escolha do indivíduo, como fica? Pode o Estado combater a violência com o mesmo tipo de violência? Qual é a melhor e mais escorreita forma de se lidar com a violência? Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, ao analisar a obra pelo viés da interlocução direito-psicanálise, assim pontuou:
Vale ainda mencionar a leitura da obra em questão feita por André Karam Trindade ao abordar a temática da remição pela leitura, quando situou “Laranja Mecânica” como um fantasma que se situa envolto ao tema, já que a problemática diz respeito aos “limites da intervenção estatal na (re)formatação do apenado”. Afinal, de que modo deve se dar a intervenção do Estado para concretizar (mesmo que de modo aparente) a dita recuperação daquele que recebe a reprimenda estatal? A luta contra a violência pode ser feita tal como num dueloarmado – a própria violência como a regra da disputa? Quais são os limites? E mais: e quando essa violência se encontra velada sob uma dita moral pragmática que resulta concretamente no objeto que vende? Tal proceder seria válido? Vale lembrar a fala de Alex: “A nova visão diz que transformemos o mau em bom”. Mas, afinal, bom para quem? O livro serve como um alerta para o "ferir com ferro quem com ferro fere". Um aviso de cuidado e atenção para a pseudolegitimação de práticas repletas de boas intenções (ou não). O livro diverte e ensina. Encerro citando novamente Jacinto: “Quando tudo é relativo (como querem alguns), o resultado é o que se vive hoje, meio sem saber para onde se vai, uns querendo impor aos outros o seu padrão, não raro desvirtuado por um falso moralizador”. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BURGESS, Anthony. Laranja Mecânica. São Paulo: Aleph, 2014. p. 95 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Direito e Psicanálise: interlocuções a partir da literatura.1ª Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p.160-161 / 168 ROSA, Alexandre Morais da. TRINDADE, André Karam. Precisamos Falar Sobre Direito, Literatura e Psicanálise. 1ª Ed. Florianópolis: Letras e Conceitos, Lda & Empório do Direito, 2015. p. 104
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