Artigo da Colunista Paula Yurie Abiko, refletindo sobre a ilegalidade dos contêineres no sistema penal. ''Fundamental, portanto, que as recomendações sejam seguidas, com o intuito de evitar a rápida proliferação no sistema prisional brasileiro, que já possui inúmeros casos contabilizados, sem contar os casos subnotificados, pois não há testes suficientes para todos''. Por Paula Yurie Abiko Com alegria retornando as publicações na coluna do Sala de Aula Criminal, ao lado de amigos e Professores que possuo grande admiração, trago uma reflexão atual sobre a ilegalidade dos contêineres no sistema penal, citando no título a grande frase de Dante Alighieri.
No Paraná, os denominados contêineres são chamados de Shelters, locais completamente inapropriados para convívio humano, sem banheiro e local apropriado para higiene pessoal, não havendo sequer colchões suficientes para todos os apenados, tornando-se um local insalubre em condições de calor ou frio, e propício a propagação de doenças. O uso de contêineres para apenados doentes, observado a rápida expansão da pandemia global do COVID 19 no país, fora uma recomendação do ex Ministro da Justiça, com o intuito de isolar esses indivíduos privados de liberdade[1]. Infelizmente, a falta de sensibilidade e humanidade é recorrente em demasiados casos no âmbito penal, sendo esse apenas um deles. É completamente ilegal a colocação de pessoas aglomeradas, em local inapropriado, sem ventilação, alimentação adequada e local para dormir, em meio a uma pandemia global (que já ultrapassou 250.000 óbitos no mundo), conforme a Organização Mundial da Saúde afirmou no último estudo realizado[2]. Importante ressaltar decisão do Superior Tribunal de Justiça em 2010, que declarou o uso de contêineres ou recipientes de cargas para prisões ilegal e inconstitucional. Retroceder essa decisão em um momento de pandemia global seria no mínimo irracional e desumano, além de ser uma afronta direta aos direitos fundamentais desses indivíduos privados de liberdade[3]. A recomendação do ex Ministro de Justiça não observou os princípios basilares, da Carta Magna, os tratados internacionais no qual o Brasil é signatário, não observou as diretrizes do protocolo facultativo à Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, nos termos do Decreto nº: 6.085/2007, no qual ressalta o artigo 17:
Não observou o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o estado de coisas inconstitucional, na ADPF 347, e o impacto dessa recomendação na vida de milhares de cidadãos, ignorando todos os fundamentos constitucionais expostos. Ademais, a referida recomendação feita pelo ex Ministro da Justiça, contrapõe a Recomendação nº: 62 do Conselho Nacional de Justiça, na qual prevê pontos extremamente importantes a serem adotados pelos Tribunais nos casos concretos, observado a necessidade de cautela no momento atual. Conforme ressaltou o Magistrado atuante na Vara de Execuções Penais João Marcos Buch: ‘’ Por que o Ministério da Justiça ignora que a proposta de contêineres para prender seres humanos viola a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1984) e o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas (ONU) contra a Tortura (2002)?’’[4]. No tocante a apenados em grupo de risco, acometidos de patologias e doenças graves, ressalta a referida recomendação nº 62 do CNJ:
É fundamental pensar que a pena aplicada aos apenados deve cumprir sua função, e não tornar-se uma fonte de vingança no sistema prisional. Nesse sentido, ressalta (VANZOLINI, 2019, p. 78):
Um exemplo claro é o recrudescimento da legislação na Lei de Execução Penal e lei de crimes hediondos com o denominado pacote anticrime, não observando todas as discussões feitas anteriormente no Congresso e Senado, elaboradas por especialistas na área como os Professores Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Alexandre Morais da Rosa e Professor Eugênio Pacelli, para reforma do Código de Processo Penal. Ao contrário, foram incluídos no rol de crimes hediondos o roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima, nos termos do artigo 152, §2°, V, o roubo com emprego de arma de fogo, conforme artigo 152, §2° A, inciso I, ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito, fora incluído no rol dos crimes hediondos o furto qualificado com a utilização de explosivos ou de artefato análogo que cause perigo comum, nos termos do artigo 155, §4° – A, bem como realizadas outras severas alterações na progressão de regime e concessão do livramento condicional no âmbito da execução penal, apenas para citar alguns exemplos. Em um momento delicado como o da atual pandemia global, é injustificável a adoção de medidas que possam ceifar milhares de vidas, devendo ser adotadas as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde e Recomendação nº: 62 do Conselho Nacional de Justiça. A mídia em demasiados casos tem prestado um desfavor ao divulgar casos de novos delitos por apenados que tiveram concedidas as prisões domiciliares por exemplo, fato é, conforme os dados do Banco Nacional de Monitoramento de dados do CNJ e INFOPEN[5], mais de 50% dos indivíduos privados de liberdade hoje no país, estão presos por delitos patrimoniais e tráfico de drogas, ressaltando que delitos como furtos e tráfico, em regra, são cometidos sem qualquer violência ou grave ameaça. Portanto, a reflexão torna-se ainda mais fundamental, observado que 40% dos indivíduos privados de liberdade hoje no país sequer possuem condenação, podendo consequentemente serem absolvidos posteriormente. Portanto, como operadores do direito, não podemos nunca deixar de nos indignar com situações de injustiça, sendo de suma importância a luta pela garantia dos direitos fundamentais dos apenados privados de liberdade. Ressalta assim o Defensor Público, (NEWTON, 2019, p. 22):
Diante da triste situação exposta e esquecimento dos direitos e garantias fundamentais de inúmeros apenados privados de liberdade, que não nos falte a força para lutar contra as arbitrariedades, em um mundo no qual os indivíduos ‘’sem valor de uso’’ na economia neoliberal, parafraseando o Professor e Magistrado Rubens Casara na obra Estado Pós Democrático de Direito, são apenas esquecidos pela sociedade no sistema prisional. Nosso dever é resistir contra o autoritarismo e a desumanidade do caos exposto. Paula Yurie Abiko Pós graduanda em direito penal e processual penal - ABDCONST. Graduada em direito - Centro Universitário Franciscano do Paraná (FAE). Membro do Grupo de Pesquisa: Modernas Tendências do Sistema Criminal. Membro do grupo de pesquisas: Trial By Jury e Literatura Shakesperiana. Membro do GEA - grupo de estudos avançados - teoria do delito, (IBCCRIM). Integrante da comissão de criminologia crítica do canal ciências criminais. Integrante da comissão de Direito & literatura do Canal ciências criminais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: VANZOLINI, Patricia, Teoria da pena: sacrifício, vingança e direito penal [livro eletrônico], 1ª edição, SãoPaulo: Tirant lo Blanch, 2019. NEWTON, Eduardo Januário, A defesa intransitiva de direitos: ácidos inconformismos de um defensor público [livro eletrônico], 1ª edição, São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019. NOTAS: [1]<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/04/com-mortes-por-coronavirus-ministerio-da-justica-quer-vagas-para-presos-doentes-e-idosos-em-conteineres.shtml>, acesso em 08 de maio de 2020. [2]<https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875>, acesso em 08 de maio de 2020. Conforme informações da Organização Mundial da Saúde: ‘’ A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. Foram confirmados no mundo 3.759.967 casos de COVID-19 (87.729 novos em relação ao dia anterior) e 259.474 mortes (5.429 novas em relação ao dia anterior) até 8 de maio de 2020’’. [3] <https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/cadastro-nacional-de-presos-bnmp-2-0/>, acesso em 09 de maio de 2020. [4] <https://noticias.r7.com/brasil/em-conteiner-presos-podem-morrer-sem-ar-de-calor-ou-por-covid-19-06052020>, acesso em 09 de maio de 2020, ressaltou Bruno Shimizu, Defensor Público e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. "É um retrocesso de mais de dez anos e o perigo é que essa medida se alastre para além da pandemia". [5] BUCH, João Marcos. O Ministério da Justiça deve explicações sobre ‘’Contêineres para Presos’’. <http://www.justificando.com/2020/05/04/o-ministerio-da-justica-deve-explicacoes-sobre-conteineres-para-presos/>, acesso em 09 de maio de 2020.
2 Comments
Leomar Rippel
5/11/2020 02:19:50 pm
Ótima análise, principalmente em uma quadra histórica de retrocesso dos direitos humanos e da visão punitivista (que é muito expressiva na sociedade brasileira), mas agora ganha força junto com a ignorância social. Parabéns para a autora.
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sidenei jose matias leite
5/20/2020 02:07:28 pm
Brilhante este artigo. No Rio Grande do Sul , presos ficam algemados em carros da Brigada Militar, em caixa de lixo fixado na frente das delegacias , por falta de espaço. Um absurdo e desumano.
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