E assim prevê o § 4º do artigo 227 da Constituição Federal de nosso país: “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. Assim como em muitos outros aspectos, as leis brasileiras são muito bem elaboradas, mas pecam na prática. Pode-se perceber que esse trecho da Constituição parece ser algo óbvio, mas isso não significa que todos aqueles que abusaram, violentaram e/ou exploraram uma criança ou adolescente estão sendo ou já foram punidos.
Um dos fatores que explicam essa situação é a grande quantidade de conteúdo pornográfico disponível na internet, já que é um meio de comunicação de difícil controle. Esse fato pode ser comprovado de acordo com Castro e Bulawski (2011), que dizem que o problema do crescimento da pedofilia é justamente este, a utilização da internet como um dos principais veículos principais da conduta pedofílica e da pornografia infantil. Os autores também diferenciam termos, informando que a pedofilia é tratada como uma psicopatologia, sendo um desvio no desenvolvimento sexual, que tem como característica a atração sexual compulsiva e obsessiva por crianças e adolescentes; já a pornografia infantil é descrita no Estatuto da Criança e do Adolescente pela simples exposição de cenas de nudez contendo crianças ou adolescentes, desde que possuam conotação pornográfica (CASTRO; BULAWSKI, 2011). Dessa forma, é possível perceber que a atmosfera virtual acaba permitindo que haja uma certa incerteza quanto a quem expõe, assim quanto a quem acessa tais conteúdos, o que, em partes, protege esses dois lados, gerando um anonimato do crime. Essa afirmativa demonstra o quanto é difícil combater esse tipo de pornografia, pois, além de ser de fácil disseminação, não tem rosto ou identidade. Voltando o olhar crítico para o Brasil (mas longe de querer passar a ideia de que isso ocorre apenas em nosso país), Veronese (2012) coloca a internet – assim como a televisão – como um meio de comunicação social reprodutor tanto direta quanto indiretamente de uma cultura “coisificadora” da infância e da juventude brasileira. Além disso, a autora também atenta ao fato de que tal meio lança e comercializa modismos, concepções e comportamentos, fazendo com que o público tenha uma atitude passiva perante ele, obscurecendo a capacidade crítico-reflexiva. Tão grave é o fato que, em 2008, o art. 241-B foi incorporado ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem como objetivo criminalizar a aquisição e a posse de qualquer material de conteúdo relacionado à pornografia infantil (VERONESE, 2012). Antes disso, Felipe (2006) já tratava com a mesma seriedade este advento da internet, que gera a disponibilização de novas práticas e interesses, e, consequentemente, no campo da sexualidade, com novas modalidades do exercício do prazer e de experimentação do desejo através do mundo virtual. Pesquisas apontam que o Brasil está em quarto lugar no ranking de material pornográfico, com cerca de 1210 endereços na internet (FELIPE, 2006); soma-se a essa estatística o fator que um dos nichos de tal material diz respeito à pornografia infantil, que alimenta, assim, o mercado da pedofilia, mercado este que é um dos mais rentáveis. Este fato, por si só, já chama a atenção do poder público, mas como já mencionado anteriormente, não é de fácil controle, mas que deve ser encarado sob diferentes ângulos, dado a contemporaneidade do advento da internet. Desse modo, pode-se perceber que o primeiro “inimigo” a quem se deve combater é justamente a atitude passiva da população, que acaba permitindo certas irregularidades. Atualmente, vivemos numa sociedade onde exige-se que as coisas aconteçam muito rápido, e, aparentemente, isso também ajuda para que uma posição reflexiva frente aquilo que é considerado errado não exista, pois simplesmente não há tempo para pensar e agir sobre assuntos que não estejam incomodando diretamente as pessoas. Mais uma vez, torna-se necessária uma posição ativa e um pensamento crítico que vá além da percepção apenas do outro, mas sim uma reflexão acerca do que cada um de nós, enquanto indivíduos inseridos numa sociedade, estamos fazendo para manter o que é indesejado e o que podemos fazer para erradicar. E, para isso, outras facetas do problema também devem ser consideradas. Ao ver a criança e o adolescente como um sujeito de direitos, significa que deve-se tratá-los como sujeitos cujas autonomias estão em desenvolvimento, ou seja, eles já são autores de sua própria história (VERONESE, 2012). Por essa perspectiva, é necessário garantir que a criança e/ou o adolescente tenham um ambiente que permita esse desenvolvimento físico, mental, moral, psicológico e social de maneira plena e em condições de liberdade e dignidade (VERONESE, 2012). Não se pode ir completamente contra às tecnologias que avançam a cada dia, mas deve-se ficar atento ao fato que qualquer tipo de ferramenta será utilizada tanto para o bem quanto para o mal, dependendo de quem a usa. É inútil fechar os olhos para este novo fenômeno de uso extremo da internet, pois é uma realidade a qual não se pode mais fugir. Assim, nessa dicotomia entre o real e o virtual que a internet representa, o espaço e o tempo são configurados a partir das interações do sujeito no ambiente da rede, onde cria-se a vivência de uma construção social partilhada (MOREIRA, ROMÃO, 2012). Aí, está sendo criado também um novo indivíduo, num novo espaço. Para que seja possível um combate um pouco mais efetivo à pedofilia na internet, ou, pelo menos, fazer uma tentativa de deixar o ambiente virtual mais seguro, deve-se inicialmente considerar esse novo conceito de indivíduo, que tem seu desenvolvimento psicológico, moral, social, físico e mental tanto real quanto virtual. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 24 jul. 2017. CASTRO, Joelíria V de.; BULAWSKI, Cláudio M. O perfil do pedófilo: uma abordagem da realidade brasileira. In. Revista Liberdades. nº 6, jan-abr. 2011. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/revistaLiberdades/_pdf/06/integra.pdf#page=52> Acesso em: 22 out. 2013. FELIPE, Jane. Afinal, quem é mesmo pedófilo?. Cad. Pagu, Campinas , n. 26, jun. 2006 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332006000100009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 07 nov. 2013. MOREIRA, V., ROMÃO, L.. Discursos em Movimento: Considerações Sobre a Pedofilia e Pornografia Infantil na Rede. Psico, Porto Alegre, 43, dez. 2012. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/10003/8505. Acesso em: 07 Nov. 2013. VERONESE, Josiane R. P. Violência e exploração sexual infanto-juvenil: uma análise conceitual. In. Psic. Clin. vol 24, N. 1. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pc/v24n1/09.pdf> Acesso em: 07 nov. 2013. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |