Na semana do dia 15 do mês de maio, a chamada ação controlada teve seu momento de fama na imprensa brasileira. A Polícia Federal, na conhecida operação lava jato, se utilizou desse meio de obtenção de prova para monitorar conversas e entregas de dinheiro em “parceria” com o empresário Joesley Batista - dono do frigorífico JBS, em negociação de delação premiada.
Creio que todos tomaram conhecimento dessa operação da PF e do desdobramento das investigações. Entretanto, não é da operação da Polícia Federal que vamos tratar neste artigo, mas apenas da distinção doutrinária existente entre ação controlada e flagrante preparado, já que é nítida a confusão que estão fazendo entre os institutos. Vejamos. A ação controlada, chamada também de flagrante esperado, retardado, diferido ou prorrogado[1], está prevista no art. 8º da nova lei de organização criminosa (lei nº 12.850/2013)[2] e admite que, ao invés de agir de pronto, o agente policial aguarde o momento mais oportuno para atuar, a fim de obter, com esse retardamento, um resultado mais eficaz na realização da diligência, seja prendendo maior número de criminosos, seja alcançando maior número de provas. A finalidade desta diligência, é agir no momento mais vantajoso, a fim de possibilitar a prisão de um número maior de criminosos ou a obtenção de provas mais robustas. Seu objetivo principal é prender não apenas os integrantes menos importantes da associação criminosa, mas sim e também os controladores da organização, isto é, os superiores hierárquicos da organização criminosa. E isso tudo se dará pela monitoração dos integrantes da organização, controlando suas ações, retardando-se a prisão em flagrante dos suspeitos ou a colheita de provas naquele momento, para o fazer em momento posterior, quando mais oportuno à consecução dos objetivos da investigação. Registra-se, então, que na ação controla o agente policial, responsável pela diligência, limita-se a acompanhar a ação criminosa, aguardando o melhor momento para efetuar a prisão em flagrante ou colher os elementos probatórios necessários ao esclarecimento dos fatos. O melhor exemplo desta diligência, considerada legítima pela doutrina e jurisprudência, é a “campana” realizada por policiais a espera dos fatos[3]. Da mesma forma, Renato Brasileiro de Lima, entende que ação controlada (ou entrega vigiada) “consiste no retardamento da intervenção policial, que deve ocorrer no momento mais oportuno do ponto de vista da investigação criminal ou da colheita de provas”.[4] Por sua vez, o flagrante preparado, chamado também de flagrante provocado ou crime de ensaio, considerado espécie de crime impossível, segundo a súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal[5], é instituto completamente diferente da ação controlada. Enquanto o flagrante esperado é considerado flagrante real, o flagrante preparado é considerado ilícito, pois que a preparação do flagrante torna impossível a prática do crime, segundo o STF. Isto é, enquanto na ação controlada não há qualquer atividade de induzimento ou provocação, valendo-se o agente policial apenas de investigação anterior à ação, no flagrante preparado o flagranteado é induzido a praticar o crime e, então, preso em flagrante logo o pratique. Retira-se da inércia, mediante provocação, aquele que não estava agindo ilicitamente, fazendo com que venha a praticar comportamento contrário à norma, com o fim de se preparar e, em seguida, efetuar sua prisão em flagrante. Por isso, esta modalidade de prisão, ou de colheita de provas, é considerada ilícita e tudo que dela derivar também o será[6], pois que impossível a realização do crime quando aquele que realizou a prisão, ou as provas produziu, havia preparado o flagrante ou a produção das provas. Segundo a doutrina majoritária, nessa hipótese de flagrante (ou colheita de provas) o suposto autor do delito não passa de um protagonista inconsciente de uma comédia, cooperando para a ardilosa averiguação da autoria de crimes já consumado, ou da simulação da exterioridade de um crime de impossível consumação. Tudo é feito de forma insidiosa, por isso, ilícita. No âmbito da dogmática penal, o flagrante preparado é espécie de crime impossível (art. 17 do CP), em razão da ausência de vontade livre e espontânea dos autores, tornando, por isso, o fato atípico, por ausência de conduta. Conclusão, tratando-se da colheita de provas, quando induzida sua produção, a situação torna-se idêntica ao flagrante preparado e idêntica deve ser sua consequência jurídica. Tal elemento probatório será considerado ilícito e ilícito também tudo que dele derivar, em razão da provocação da sua produção. É inadmissível, num Estado de Direito, representantes do Estado, detentores de todo o aparato investigatório, se utilizarem de procedimento ilegal para a colheita de elementos de informação da existência de suposta infração penal, quando, em verdade, deveria o Estado ser o último defensor das garantias constitucionais do investigado. Jeffrey Chiquini Advogado criminalista, Professor de Direito Penal da Faculdade Opet, Professor de Processo Penal da ESMAFE/PR e sócio-proprietário do Curso preparatório para concursos CAPRE.tv. [1]Para mim há diferença entre flagrante esperado e flagrante prorrogado, mas não há consenso na doutrina a qual destas duas espécies de flagrante enquadra-se a ação controlada. [2]Art. 8o Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações. [3]STJ, 5ª Turma, HC 40.436/PR, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 02/05/2006 p. 343. [4]Manual de Processo Penal. 5ª ed. Editora Jus Podivm, 2017. pag. 937. [5]“Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. [6]Segundo a teoria Norte Americana dos frutos da árvore envenenada, tudo que derivar da prova originariamente ilícita, será considerado ilícito por derivação. Comments are closed.
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