A dignidade da pessoa humana é o valor intrínseco que distingue cada ser humano, fazendo-os dignos dos mesmos direitos, respeito e consideração por parte do Estado e da sociedade. A complexidade social, e, consequentemente, a execução do direito a saúde também, demanda-nos romper com a classificação de cidadãos de primeira e de segunda classe. Defende-se garantia dos direitos fundamentais ao ser humano, e o respeito à dignidade do cidadão, porém é necessário que o Direito seja interpretado à luz Constitucional, no sentido de atuar, não apenas para alguns, mas para todos. A análise enfocará a saúde no sistema prisional. Para isso, é condição de possibilidade analisar os condicionantes de saúde e os seus efeitos no panorama prisional-sanitário brasileiro, que se apresenta como uma tentativa concreta de romper com a negligência do Estado em relação aos integrantes do sistema prisional.
INTRODUÇÃO Muito se tem ouvido falar de Direito a Saúde. A imprensa, de um modo geral, expõe em tom de veemente crítica a falta de respeito que diariamente ocorre nos hospitais do Brasil, mas pouco, ou nunca se ouve falar a respeito dos Direitos que o nosso ordenamento jurídico tutela àqueles que estão encarcerados. Ao longo da história da humanidade, o relacionamento entre os apenados e suas penas passou por transformações diversas, mas pouco mudou do ponto de vista do ser humano que cumpre a pena, sendo muitas vezes observado com objeto que deve ser punido por seus atos sem a observância de uma ressocialização e uma preparação para o futuro deste. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS/WHO, 1946): “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”, sendo assim, é imprescindível o respeito aos direitos básicos da pessoa humana, seja ela quem for, pois tal respeito é sustentáculo da vida em sociedade, como prevê a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo primeiro: Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. A Ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia Antunes Rocha (2004, p. 13), ao comentar o Art. 1º da Declaração dos Direitos Humanos, afirma:
Na Carta Magna de 1988, conhecida também como Constituição Cidadã, desde seu preâmbulo, evidencia-se que o ser humano, independente de raça, nacionalidade, cor, sexo, ou qualquer outra distinção, é essencialmente valorizada pelo ordenamento pátrio:
Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 62), nobre jurista, assim conceitua dignidade:
A dignidade, no Estado Democrático de Direito, é alicerce e finalidade primordial, exercendo uma projeção máxima sobre a qual é edificada a sociedade. Sendo assim, o ser humano que se encontra encarcerado, que tem o dever de respeitar as leis e regras do estabelecimento que se encontra e da legislação vigente, também, como pessoa, devem ter da mesma forma, garantido todos os direitos fundamentais dos reclusos que não forem alcançados pela sentença ou pela lei, tais como acesso a saúde e um tratamento digno. A dignidade da pessoa humana deve nortear o Poder Público no trato com o cidadão, independentemente de mérito pessoal ou social, é um direito inseparável da pessoa, da vida, da saúde. O atendimento médico é direito fundamental de todo ser humano, porém, observa-se que a precária situação em que se encontram os detentos, retratada, dentre outros elementos, nas condutas violentas entre os presos, na debilidade das celas e na carência do atendimento a saúde, é uma realidade que não se pode negar. É certo que existem inúmeros tratados internacionais que normatizam e orientam para uma instalação melhor das unidades prisionais de todo o mundo, porém, verifica-se com clareza que estas não são observadas. Recalcitra então o Estado, ao não prestar à efetiva assistência a saúde do preso, conforme os parâmetros legais, infraconstitucionais e internacionais, isto porque o artigo 196 da Constituição Federal diz que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Desta feita, o ser humano é a finalidade da atividade estatal e nunca o meio pelo qual se realiza a atividade. Conforme previsão da LEP (Lei de Execução Penal) em seus artigos 12 e 14 o ou internado ou o preso, terá assistência material, em se tratando de higiene, a instalações higiênicas e acesso a atendimento médico, farmacêutico e odontológico. Mas a realidade hoje não é bem assim, sendo perceptível que inúmeros presos são submetidos a péssimas condições de higiene em muitos estabelecimentos penais, inexistindo em muitas delas a presença de médicos. As mulheres, como acontece ainda em nossa sociedade, sendo as mais prejudicadas pela falta de assistência médica, pois grande número dos presídios não possuem meios de transporte para as levar a hospitais, ou fornecer no próprio estabelecimento penal a assistência ginecológica e obstétrica, por exemplo. Também é evidente o problema da falta de acompanhamento psicossocial ao apenado, com políticas de prevenção para que doenças como a AIDS, Tuberculose, doenças mentais entre outras não seja disseminada e então ocorra uma adequada ressocialização. Medidas preventivas evitariam que as práticas sexuais aliadas a desinformação dos presos aumentasse a transmissão destas doenças, levando-os muitas vezes ao estado terminal, sem qualquer assistência por parte do estabelecimento penal que se encontram presos. Neste diapasão, Maria Thereza Rocha de Assis Moura (1999) conclui que “a falta de consideração pela dignidade dos presos é notória.”. Conforme Cezar Roberto Bitencourt (1999, pg. 91), a preocupação com a dignidade do recluso é antiga, anterior a Constituição de 1988, segundo defendeu Montesinos, a principal ideia do respeito ao Principio da Dignidade da Pessoa do apenado:
Ainda, conforme Newton Fernandes (2000. P. 210):
Nesse contexto, a punição deve limitar-se aos direitos civis, políticos e ainda sobre a liberdade de ir e vir, não cabendo, em hipótese alguma, o Poder Público ferir estes indivíduos com a retirada de outros direitos fundamentais, como a saúde. Michel Foucault, em Vigiar e Punir (1987. P.235) observou este entendimento expor que os apenados ao estarem expostos a sofrimentos que a lei não ordenou e nem a sentença fez menção, alimenta um sentimento de revolta e para tudo culpa a própria justiça. Neste mesmo entendimento, Scapini (2002) diz que “é preciso ter presente que as pessoas presas não foram condenadas a passar fome, frio, viverem aglomeradas, a virar pasto sexual, contrair AIDS e tuberculose, dentre outras doenças nos estabelecimentos penais”, mas, foram punidas a pena restritiva de liberdade, estando, portanto, sob a tutela do Estado, enquanto esta condenação durar, consolidando assim a efetivação dos direitos fundamentais deste preso que não foram atingidos pela pena. Sobre a efetivação dos direitos fundamentais ao cidadão, informa Bonavides (2007, p. 371):
Se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana fosse observado, problemas inerentes à saúde, a segurança e principalmente ao retorno do preso à sociedade seriam em grande parte solucionados, transformando a realidade que se vivencia nas estruturas carcerárias, hoje de completa defasagem, com celas lotadas, inobservando fatores como, por exemplo, a presença de doença contagiosa, ocasionando assim o rápido contagio, causando, ao invés da ressocialização desejada, o que com grande propriedade escreveu Ferreira (1997, P. 12):
CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, para curar a crise do sistema carcerário, faz-se necessário uma urgente criação de políticas públicas, com o intuito de efetivar o Princípio da Dignidade da pessoa Humana dentro dos presídios e cadeias do país. Pois com a atual conjuntura do sistema, devido ao progressivo número de reincidência, eminentemente, comprova que a ressocialização por meio da pena privativa de liberdade, nos critérios de hoje, é ineficaz, além de desumana e efetivamente, descumpridora de direitos fundamentais. O apenado se encontra hoje não só privado de sua liberdade, mas também de direitos fundamentais que a pena não atinge. Sendo assim, somente a partir do momento que o Estado colocar em prática soluções que ajudassem a atingir os objetivos da pena e procurar respeitar cada direito do ser humano, seja ele preso ou não, a fim que os presídios se tornem um lugar mais digno e salubre, haverá uma efetiva ressocialização e o concreto cumprimento de direitos fundamentais e a verdadeira efetivação do Principio da Dignidade da Pessoa Humana. Ozael Félix de Siqueira Graduando de Direito nas Faculdades Integradas de Patos/PB. REFERÊNCIAS BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2002. BITENCOURT, Roberto Cezar. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 2. Ed. [S. L]: Saraiva, 2001. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20. ed., São Paulo: Malheiros, 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988, São Paulo: Saraiva, 2015. CARVALHO, Salo. Crítica a execução penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro: Juris, 2002. Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) – 1946. http://www.direitoshumanos.usp.br, acesso em 03 de Janeiro de 2017. FERNANDES, Newton. A falência do sistema prisional brasileiro. [S. L]: Rg Editores, 2004. FERREIRA, Carlos Lélio Lauria. Subcultura carcerária. Boletim IBCCRIM. São Paulo, 1997. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: histórias da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1987. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes . São Paulo : Martin Claret. 2003. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2007. SCAPINI, Marco Antonio Bandeira. Execução Penal: controle da legalidade. In: ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O direito constitucional a Jurisdição. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). As Garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |