Dia desses encarava a tela do computador enquanto esperava para preencher mais uma vez o formulário de inscrição da advocacia dativa. Ocorreu-me (mais uma vez) a importância daquele momento, e dali surgiram algumas reflexões que julguei necessárias compartilhar.
Muitas pessoas torcem o nariz quando nos referimos à advocacia dativa. Instantaneamente precificam aquilo de modo a tornar apenas uma atividade comercial que não gera lucro, logo, descartável. São inúmeros casos em que fui abordado com perguntas de cunho monetário, algumas vindo inclusive de juízes e promotores, que demonstravam alguma descrença no fato de ver defensor dativo se deslocar para longe para realizar uma simples audiência. Aquelas perguntas também me surpreendem. Justamente porque boa parte delas partem de advogados que juram que realizaram milhares de atendimentos dativos e que perceberam que a atividade não recompensa quem nela labuta, por isso davam conselhos na vã esperança de desestimular aqueles que ainda batalham naquelas trincheiras. Óbvio que é inteligível a descrença de muitos em relação à atividade remuneratória da advocacia dativa. Recebem-se valores que após longo tempo processual passam a ser uma mera ajuda de custo, ou às vezes, ainda, mal recebem tais valores. Contudo sem entrar no mérito remuneratório, creio que aqueles que insistem em continuar na atividade tem me mente algo muito além da simples remuneração, fazendo a acolhida dos necessitados quase como um sacerdócio. Não venho dizer que deve-se abrir mão dos honorários devidos, longe disso, deve-se reconhecer a importância do defensor dativo e remunerá-lo à altura do labor desenvolvido. Em um país onde as defensorias estaduais são sucateadas e a necessidade de advogados dativos é alta, a má remuneração levou à própria descrença nos advogados dativos porque muitos deixaram de se empenhar observando tão somente o cunho remuneratório. Muitos advogados dativos são vistos (e de alguns são esperados que assim atuem) como um mero figurante processual que protocolam peças rasas apenas no intuito de dar marcha ao processo. É justamente contra essa parte que vem a insurgência. Como advogadas e advogados, temos a obrigação de entregar o melhor trabalho possível, independente de cliente constituído ou nomeado. Pode parecer absurdo quando se diz que devemos um tratamento igualitário entre um cliente e aquela pessoa pobre que não tem condição de arcar com um defensor, mas sim, a igualdade deve prevalecer. Ainda no preenchimento do formulário, outra questão veio. As possibilidades da advocacia dativa e a responsabilidade daquele que o nome ali inscreve. Sabe-se que a advocacia dativa é a porta de entrada para novos advogados. Estes tem a garra, a determinação e acima de tudo a vontade para trabalhar e acabam por se aventurar colocando seus nomes como advogados dativos, sendo que muitos advogados vêm com o pensamento de “treinar” suas habilidades profissionais. Isso é comum, mas ainda assim, preocupante. Aqui venho a falar de maneira ainda mais próxima quando me refiro à advocacia criminal. Em que pese o direito deva ser levado a sério em toda e qualquer área, na advocacia criminal (incluo aqui também a área de família) temos um problema um pouco mais acentuado. Digo isso porque na seara penal lidamos não com discussões sobre reparações patrimoniais, impostos e cunhos monetários. Se lida com um bem maior: a liberdade. A liberdade para àquele que não a tem é o objeto maior. Pouco importa o dinheiro e outras coisas mais. A liberdade para aquele que não a tem e ainda não possui recursos para contratar um advogado é uma utopia. Para o defensor dativo que milita na seara penal, a liberdade e o julgamento justo devem ser os objetivos perseguidos. Aí reside a igualdade exposta anteriormente. Não podemos tratar a liberdade de uma pessoa julgando ser melhor que a de outro porque um é seu cliente e outro não. A liberdade e a diligência processual correta serão sempre um objeto maior a ser desvelados. A preocupação é naqueles que acreditam que a advocacia dativa serve como um teste inicial e a tratam sempre assim. Sem conhecimento algum, se aventuram na defesa e por muitas vezes, acabam piorando a situação daquele desamparado que luta contra a força estatal em uma ação penal. Não há a necessidade de ser um especialista na área criminal para atuar como dativo (o que na verdade seria o ideal), mas de toda sorte, a dedicação e o estudo contínuo suprem essa lacuna com tranquilidade. Contudo, aquele que apenas se aventura no intuito de ter uma experiência processual ou receber um “trocado” ao final do processo, saiba, este é um desserviço para toda a comunidade. Coloca-se em risco não apenas o processo. O mau serviço coloca na guilhotina vidas que dependem justamente da única pessoa que ali está para lutar pela liberdade, o advogado. Ao fim, terminando de preencher os dados necessários para mais uma vez estar como advogado dativo, sinto-me orgulhoso da atitude de milhares de advogados que continuarão ombreando tal tarefa. Observo os nomes das cidades escolhidas por mim, algumas longínquas (e assim o prefiro) e juntamente com amigos e demais colegas que assim também o fazem, sorrio para esta nova etapa que continuamente se mostra a todos nós. Sei que muitos, assim como eu, aguardam silenciosamente felizes para pegar a estrada e espantar funcionários da justiça demonstrando que advogados dativos também percorrem longos caminhos para se fazer justiça. Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Empresarial Comments are closed.
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