Advogar é uma tarefa árdua que carrega ares de suplicas constantes. Não raras vezes, as imagens dos advogados são maculadas e confundem-se com os próprios réus que defendem.
Contudo os processos criminais carregam suas nuances de drama e peculiaridades que fogem ao resto dos outros campos. E isso faz com que cada vez mais percebamos que definitivamente “há algo de podre no Reino da Dinamarca". Digo isso pois afora a legislação processual penal em vigor, vemos cada vez mais a espetacularização do processo e a transformação do jogo processual em puro jogo (em que o Processo é apenas figurante) que já não tem mais haver com o réu, se culpado ou inocente. Cada vez mais se preocupa apenas com o perder e ganhar. Trago um pequeno exemplo a titulo de ilustração - e creio que aqueles que advogam na seara criminal há mais tempo tem maiores e melhores exemplos- (que se repetem todos os dias em todo o Brasil) Há uma pequena comarca do interior do Paraná onde tramita mais um dentre tantos processos criminais. Há por obvio um réu e assim como inúmeros outros, este também se encontra encarcerado esperando um deslinde favorável a sua causa. Nesta pequena Comarca, desde o inicio da investigação (se é que se pode chamar assim o que houve) as prescrições legais foram (digamos) inobservadas. Criou-se após a dita investigação uma acusação formal que possuía um belo fundamento e o Parquet certo de que seria uma simples e certeira condenação. Ao estabelecer o jogo processual (e o réu necessitado, contando nesse caso com defensor dativo) viu-se a necessidade de se equilibrar os polos e consequentemente assim foi feito pela defesa. No decorrer do processo, uma a uma as paredes acusatórias começaram a ruir e a consequência num jogo processual democrático seria o reconhecimento de que aquele processo não era “lá aquelas coisas” bem fundamentado, e a liberdade e absolvição seriam a lógica esperada. Entretanto, quando trabalha-se apenas com o ego, deixa-se o Processo Penal democrático de lado e joga-se apenas um jogo em que o objetivo é sagrar-se vencedor, mesmo que isso custe a liberdade, a honra e a vida de um injusto acusado. Prefere-se deixar uma pessoa encarcerada, mesmo sabendo que contra ela não há provas, do que reconhecer o erro do Estado até aquele ponto e dar o processo por encerrado. Descrevo tais condutas que rotineiramente acontecem nos tribunais do Brasil afora para exemplificar e ilustrar a nova obra de John Grisham, intitulada de “O Advogado Rebelde”. O Autor, talvez o mais aclamado na área de thrillers jurídicos, presenteia o leitor com mais uma obra eletrizante, onde escancara verdades acerca do Universo do direito. Ao ler as páginas iniciais, não pude deixar de notar que não apenas na ficção acontecem tais incongruências, aliás, a ficção espelha-se numa realidade que não é apenas local (EUA) e sim, nitidamente algo que atinge quase todos os lugares deste nosso pequeno globo terrestre. De inicio, o Autor nos apresenta o advogado Sebastian Rudd, um advogado criminal experiente que em sua visão e seus modos tenta consertar os desvios injustos da justiça para equilibrar os polos entre acusação e defesa. Nos capítulos iniciais, Rudd defende um réu acusado de duplo homicídio, em uma cidade do interior onde todos os outros advogados se recusaram a atender a causa. Assim, Sebastian Rudd é nomeado para realizar a defesa do acusado e ai se inicia o penoso caminho do réu e de seu advogado. Durante a narrativa de Grisham, ele escancara uma verdade que sempre é mascarada: a de que para algumas pessoas, o que importa é vencer. No livro, Sebastian Rudd enfrenta um promotor que montou uma acusação mesmo sabendo da inocência do réu, angariou testemunhas falsas e se recusou a recuar para não demonstrar seu erro. As testemunhas de acusação, mesmo prestando falsos testemunhos, jamais são postas em xeque, já que o Estado jamais mentiria para seus cidadãos de bem. Já as testemunhas de defesa, pessoas marginalizadas, são tratadas sempre de modo hostil e desconfiado. Cada linha parece ser escrita e direcionada para aqueles que enfrentam, enfrentaram ou enfrentarão a mesma situação aqui nas terras brasileiras, com um encaixe perfeito, sem fazer faltar uma vírgula sequer. Apresento um trecho que fez-me avaliar a importância daquela ficção no que constatamos atualmente na nossa realidade:
Observo estarrecido que vivemos a mesma ficção cotidianamente. Contos de um terror judiciário em que a Constituição e as leis pouco valem quando se está jogando de verdade. Em um mundo em que desacreditamos e relevamos a presunção da inocência, nada mais resta nos alicerces da sociedade. Estaremos todos fadados a sermos ridicularizados quando bradarmos inocência de uma pessoa aos seus pares? Ser combativo e defender aqueles que são acusados (justa ou injustamente) se torna cada dia mais difícil e penoso, já que a ideia de defesa de acusados se mistura a imagem do advogado como se ele fosse o criminoso. Revistas e artigos se empenham em rotular advogados criminalistas como monstros, como o próprio advogado do Diabo, onde receber qualquer quantia de um cliente passa a ser um crime. Talvez para estas revistas, os advogados precisem trabalhar de graça...(e talvez não devessem se empenhar tanto em defender seus clientes). A história de Sebastian Rudd acontece, todos os dias, em todos os cantos do nosso Brasil. Não só lá no interior distante, do Paraná ou Amazonas. Acontece nas grandes metrópoles, nos grandes tribunais e nas cortes inalcançáveis onde as becas esvoaçam a todo vapor. Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira Advogado Especialista em Ciências Criminais Especialista em Direito Empresarial [1] GRISHAM, John. O advogado rebelde. 1. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2016.p. 74. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |