Artigo do colunista Eduardo Newton no sala de aula criminal, vale a leitura! ''A gripezinha não poupa ninguém, nem mesmo quem possui histórico de atleta se viu imune a essa peste pós-moderna. Um sofrimento profundo marca o atual quadro histórico, que se encontra marcado pela pandemia do novo coronavírus. Em um momento de dor, a esperança se mostra necessária para continuar a jornada existencial. Este texto visa a examinar se existe razão para uma crença de algo melhor a ser constatado no meio jurídico''. Por Eduardo Newton A gripezinha não poupa ninguém, nem mesmo quem possui histórico de atleta se viu imune a essa peste pós-moderna. Um sofrimento profundo marca o atual quadro histórico, que se encontra marcado pela pandemia do novo coronavírus. Em um momento de dor, a esperança se mostra necessária para continuar a jornada existencial. Este texto visa a examinar se existe razão para uma crença de algo melhor a ser constatado no meio jurídico. Diante do quadro de isolamento social, as redes sociais viabilizaram proveitosos diálogos que foram disponibilizados nas diversas plataformas. Diante da participação na transmissão ao vivo, foi percebida uma uniformidade em falas de renomados juristas, no sentido de que a esperança atende atualmente pelo nome da Defensoria Pública. Afora uma variedade de temas tratados que foram pautados pelos prismas próprios das pesquisas desenvolvidas ou inquietações suportadas, os discursos de Jacinto Nelson Miranda Coutinho, Ana Cláudia Bastos de Pinho, Roberto Tardelli, Rubens Casara, Cristiana Cordeiro e Marcelo Semer indicaram uma clara aposta na Defensoria Pública, ainda mais em um cenário jurídico que se mostra tão alheio a realidade, sequestrado pela lógica empresarial e indiferente aos dramas vivenciados pela grande maioria da sociedade brasileira. Dessa forma, nesse primeiro momento se visa a compreensão do porquê dessa aposta. Ainda mais quando as demais instituições públicas do sistema de injustiça criminal fracassaram no cumprimento de suas missões constitucionais. Sem que exista uma pretensão de esgotar o tema, inicia-se uma proposta de estruturar esses discursos entusiasmados pela Defensoria Pública, o que justifica a apresentação de três linhas argumentativas. Muito embora a instituição fluminense já tenha alcançado a sua maturidade, é de suma importância destacar que, em termos constitucionais, a Defensoria Pública surgiu somente em 05 de outubro de 1988 e somente com o advento da Emenda Constitucional nº 45/04 é que ela ganhou um fôlego. Trata-se, portanto, de uma instituição pública jovem que, para se firmar, necessita continuamente enfrentar o paradigma vigente, já que foi estabelecido antes de sua existência. Um exemplo dessa forma de atuar é aferido no âmbito da tutela coletiva, quando instrumentos processuais são utilizados para alcançar o maior número possível de vulnerabilizados[i]. Sobre essa juventude institucional, que é necessária para a consolidação institucional, é relevante trazer o pensamento de Antonio Gramsci voltado para os jovens italianos em 1917: “O futuro é dos jovens. A história é dos jovens. Mas dos jovens que pensam a tarefa que a vida impõem a cada um, que se preocupam em se armar adequadamente para resolvê-la de maneira que melhor convém às suas convicções íntimas, que se preocupam em criar para si aquele ambiente no qual sua energia, inteligência e atividade encontrem o máximo desenvolvimento, a mais perfeita e frutífera afirmação”[ii] (destaquei) A confiança se dá pela juventude e por saber que essa jovem instituição tem a possibilidade de se afirmar e cumprir com sua missão; logo, para esses juristas, a história jurídica poderá ser assumida pela Defensoria Pública. Em um país que a política pública do grande encarceramento avança de forma galopante, essa jovem instituição pública atua de forma contínua em prol dos vulnerabilizados em sede processual penal, sendo certo que prova disso são os números de casos levados aos Tribunais Superiores. Ainda que não se encontre minimamente estruturada, é a Defensoria Pública a grande demandante em matéria penal no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Ao ser considerada a proximidade do integrante da Defensoria Pública com o vulnerabilizado – e o Defensor(a) Público (a) que não sofre em seu cotidiano necessita reconhecer que passou pelo processo de involução, tornando-se um burocrata – é possível realizar comparação do seu trabalho com de um literato estadunidense que soube retratar a vida dos pobres da dita “América”: Charles Bukowski. Quase sempre, a dor, o sofrimento e a miséria necessitam ser trazidos pela Defensoria Pública e juntados nos assépticos autos virtuais que decidem vidas. É claro que isso incomoda, não sendo estranha a situação vivenciada pelo escritor diante de seus vizinhos: “O som de Bukowski criando todos aqueles poemas em sua máquina de escrever manual continuou irritando os vizinhos, até quando ele tentava trabalhar nas horas aprovadas pela proprietária, e a velha do andar de baixo com a vassoura novamente.”[iii] Ainda que aborrecido, “Hank” não desistiu de sua paixão pela escrita. A Defensoria Pública, ainda que incomode, não poderá largar de mão a pulsão incontrolável pela defesa dos vulnerabilizados. Ainda com base na juventude institucional, é relevante frisar que a Defensoria Pública justamente por não se encontrar consolidada se mostra mais fácil para mudanças estruturais. Considerando que o sistema de injustiça vai além do Poder Judiciário, a aposta na Defensoria Pública representa escolher por aquele que possui mais chance de permitir a construção de uma justiça cidadã. Ademais, não é de estranhar a relação estabelecida entre justiça cidadã e Defensoria Pública por Boaventura de Sousa Santos: “(...) é evidente que, do ponto de vista de uma revolução democrática da justiça, não basta rapidez. É necessária acima de tudo uma justiça cidadã. Essa busca por justiça cidadã, conduz-me necessariamente a avaliar o processo de reforma do judiciário brasileiro como um processo em curso, cujos objetivos e resultados ainda estão por definir. A reforma do judiciário brasileiro, em curso, que tem seu marco institucional inaugural, no final de 2004, com a aprovação da Emenda Constitucional n º 45, emerge de um conjunto de propósitos diferenciados, que vão desde a contribuição de um judiciário mais acessível, garantindo, por exemplo, autonomia das defensorias públicas (...)”[iv] E prossegue o autor lusitano: “A revolução democrática da justiça exige a criação de uma outra cultura de consulta jurídica e de assistência e patrocínio judiciário, em que as defensorias públicas terão certamente um papel muito relevante (...) Defendo que as defensorias públicas devem ser estimuladas.”[v] Assim, depara-se que a esperança que a Defensoria Pública traz consigo vai além do meio jurídico, sendo estimulada por reconhecido sociólogo. Porém, essas apostas não podem ser compreendidas de maneira irresponsável pela instituição, sua chefia e integrantes. Ainda que se viva um momento de grave crise, é fundamental não perder de mente as missões constitucionais. O seu foco não pode ser voltado para agradar os demais atores jurídicos. A assistência prestada é ao vulnerabilizado, e não aos poderes constituídos. Encastelar-se e virar as costas para os problemas nacionais constitui uma segunda possibilidade de frustrar legítimas expectativas sobre o agir da Defensoria Pública. Essa instituição necessita, dessa forma, ser democrática, feminista, combater o racismo e qualquer outra violência. Não há como pensar, então, em uma atuação que não tenha como alvo a crítica ao modo de produção capitalista. A Defensoria Pública precisa ser coerente. Aquilo que é exigido do Poder Público, deverá internamente ser cumprido de maneira voluntária. Direitos e garantias não podem valer de seus pórticos para fora. Em suma, não há espaço para o dito popular: casa de ferreiro, espeto de pau. Sim, a Defensoria Pública é a grande, se não a última, aposta em uma instituição pública integrante do sistema de injustiça. Não é dado aos seus integrantes esquecerem de suas responsabilidades. O erro é inerente ao ser humano, mas isso não permite que se mimetize processos de sabotagem constitucional. Ai de ti, Defensoria Pública! Eduardo Newton Mestre em Direito Defensor Público REFERÊNCIAS E NOTAS: [i] Sobre o conceito de vulnerabilizado: “E a palavra exacta é vulnerabilizados e não vulneráveis. Efectivamente só existem grupos vulneráveis porque há outros grupos desmesuradamente mais poderosos que eles que são invulneráveis. Ou seja, ninguém é inatamente vulnerável; é vulnerabilizado pelas relações desiguais de poder que caracterizam a sociedade. Estes grupos vulnerabilizados são os que mais precisam de ver seus direitos efectivamente realizados uma vez que carecem dos privilégios de que gozam os ‘invulneráveis’, os que têm acesso directo (por vezes à margem da lei) à ordem e à segurança sociais, enfim, à proteção social que é negada às grandes maiorias.” (SANTOS, Boaventura de Sousa. Prefácio. In: SIMÕES, Lucas Diz; MORAIS Flávia Marcelle T. F. & FRANCISQUINI, Diego Escobar (organizadores). Defensoria Pública e a tutela estratégica dos coletivamente vulnerabilizados. Belo Horizonte: D´Plácido, 2019. p. 20. [ii] GRAMSCI, Antonio. Odeio os indiferentes: escritos de 1917. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 19. [iii] SOUNES, HOWARD. Bukokski: vida e loucuras de um velho safado. São Paulo: Veneta, 2016. p. 91; [iv] SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008. pp. 24-25. [v] SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008. pp. 46-47.
2 Comments
Cauê Freire
7/24/2020 09:49:25 pm
Excelente artigo! A Defensoria Pública, por ser expressão e instrumento do regime democrático, quando fortalecida, se está a fortalecer também a DEMOCRACIA. Curti muito a parte que o Dr. Eduardo aponta que essa democracia deve existir também dentro da instituição, devendo as Defensoria Públicas sempre estarem repletas de diversidade na carreira, sobretudo com mulheres como Defensoras Públicas Gerais.
Reply
Leave a Reply. |
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |