Muitos já devem ter ouvido falar da história retratada no filme Monster: desejo assassino, estrelado por Charlize Theron. O que nem todos podem saber é que Aileen Wuornos, a pessoa que inspirou a personagem principal, é considerada, por alguns autores, como a primeira serial killer mulher dos Estados Unidos.
Sua vida, com acontecimentos semelhantes ao de boa parte dos psicopatas, foi pontuada por uma série de experiências traumáticas. Seus pais ainda eram adolescentes quando ela nasceu, e já haviam se separado. O pai foi preso, condenado por abusar sexualmente de crianças e a mãe, cansada dos filhos, a abandonou junto com o irmão. Dessa forma, os dois cresceram com os avós maternos. Ela engravidou cedo, sendo que a identidade do pai não foi confirmada, mas especula-se que seja seu próprio irmão. Assim, saiu de casa e passou a morar em um abrigo para mães solteiras, mas acabou entregando o filho para a adoção, logo após o nascimento. Sua casa passou a ser, então, as ruas. Abandonou a escola e começou a se prostituir e a usar drogas. Mudou-se para a Flórida, onde casou com um homem mais velho, o qual logo pediu a anulação do casamento, ao saber que sua esposa havia agredido um homem. Após alguns casos de roubos, falsificação, porte ilegal de armas de fogo e embriaguez, aos 30 anos, ela conhece Tyria Moore, com que acaba tendo um relacionamento amoroso, vivendo de forma inseparável. Mas isso não significa que seus crimes pararam de ser cometidos, afinal, a namorada não se opunha em ser “sustentada” através do dinheiro e das coisas que Aileen trazia. Alguns assassinatos também foram somados as suas transgressões. Não somente em sua lista de crimes, mas em sua lista de decepções, esse caso foi incluído. Tyria Moore concordou com a polícia em gravar as ligações e manipular Aileen para que ela confessasse os assassinatos, enquanto as conversas eram gravadas. A partir daí, foi-se revelado que pelo menos sete homens foram mortos entre 1989 e 1990, entre eles, Richard Mallory, pelo qual Wuornos foi conduzida à julgamento, em janeiro de 1992. Entretanto, pelo que é divulgado em entrevistas e filmagens, em todo o momento ela se mostra confiante, quase à vontade com as perguntas que lhe são feitas, sempre querendo contar o seu lado da história. Como todos os homens que foram mortos por ela eram clientes que a abordavam nas ruas, foi tentado insinuar um comportamento de defesa, alegando que tais indivíduos haviam tentado estupra-la. Isso foi acatado por muitas pessoas de fora, visto que houve uma moção popular durante o processo que a apoiava fortemente. Verdade ou não, a alegação acabou caindo frente à “serialidade” de homicídios praticados por ela. A violência sexual e a consequente defesa manifestada através do assassinato terem se repetido por mais seis vezes não foi bem aceito pelo júri. A pena de morte, por fim, não representou nenhum elemento surpresa em seu julgamento. E aí, então, é preciso olhar de forma analítica a questão: a quem ou o quê “Monster” se refere? Já de início, não se deve tratar Wuornos como uma vítima da sociedade. De início também, é preciso tirar do pensamento essa linearidade de vítimas e culpados, assim como também a simples movimentação de causa e consequência. O mundo e as relações humanas são muito mais complexos que isso. Desde cedo, Aileen não teve uma vida tradicional, talvez o mais longe disso possível. Pode-se listar uma série de abandonos que permearam seu desenvolvimento: parental, ao pensar em seu pai e sua mãe; escolar, por parte dela; institucional, ao mudar-se para o abrigo de mães solteiras, mas nunca ter sido acolhida de fato (posteriormente, o abandono do próprio filho); conjugal, com o primeiro marido e, depois, ao se colocar disponível para uma pessoa que acabou a traindo; e, quem sabe, possa-se incluir também um abandono por parte do Estado, já que não há indícios de um acompanhamento social nem na infância, devido às condições do lar, nem na adolescência, ao largar o colégio e nem na vida adulta. Se não há nenhum tipo suficiente de suporte, não há como um indivíduo desenvolver apropriadamente sentimentos de empatia, por exemplo, entre outras habilidades interpessoais, essenciais para um convívio social considerado normal. Além disso, alguns especialistas consideraram-na com o transtorno de personalidade borderline, em que a pessoa pode sofrer episódios de insegurança, impulsividade, instabilidade emocional e comportamentos antissociais. Isso tudo é fruto da construção da identidade que Wuornos adota, influenciado também pelas relações as quais passa, as características que a civilização exige de um sujeito atualmente, entre diversos outros fatores. A eterna busca por um lugar o qual se encaixe, que resultariam nos sentimentos de felicidade e pertencimento também são experienciados por ela, assim como com qualquer ser humano contemporâneo. Através do filme, é possível identificar que “a personagem tenta se construir a partir de um modelo de felicidade que, contrário a sua condição social (prostituta, lésbica, pobre, revoltada, etc) nunca se realizará.” (LANGE, 2008). Não há como tomar como verdade a perspectiva apresentada na obra “Monster”, já que se trata de uma história propositalmente dramática, mas é viável basear-se nela para tentar entender o que aconteceu com Aileen Wuornos para que viesse a comportar-se de tal forma. É uma jornada de vida sem esperança que, por mais que deva-se fugir da ideia de causa e consequência, é impossível não pensar na responsabilidade dos diversos fatores sociais que ajudaram a produzir sua personalidade, a qual, pelo menos hoje, é tida como criminosa. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Bernardo de. SAIBRO, Henrique. Aileen Wuornos, a dama da morte. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/aileen-wuornos-a-dama-da-morte/> Acesso em 17 set. 2017. BELGE, Kathy. Tyria Jolene Moore. Disponível em: < https://www.liveabout.com/tyria-jolene-moore-2172095>. Acesso em 17 set. 2017. LANGE, Fernanda. Monstro. Disponível em: < http://www.bocc.ubi.pt/pag/lange-fernanda-monstro.pdf> . Acesso em 17 set. 2017. MACLEOD, Marlee. Aileen Wuornos: Killer Who Preyed on Truck Drivers. Disponível em: <http://members.chello.nl/w.kuijpers3/literature/Wuornos.pdf>. Acesso em 17 set. 2017. Os comentários estão fechados.
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