Prosseguindo com aquilo que sucintamente foi exposto na semana passada (ver aqui), tem-se que ainda há muito o que se dizer a respeito dos crimes literários. As possibilidades de abordagens são diversas – tamanhas tanto quanto as obras que versam sobre o gênero. Os livros de mistério corroem o leitor com aquela curiosidade que pode ser caracterizada também das mais variadas formas: quem é o autor do crime? De que forma o crime foi praticado? A vítima possuía alguma relação com o criminoso? Qual foi a motivação para o ocorrido? Essas e tantas outras possíveis perguntas estão dentre aquelas que mais afligem o espírito do leitor. O que há por trás desse chamariz que promove a literatura de mistério? O próprio mistério e a ideia de ser possível solucioná-lo, sim. Mas haveria ainda algo inerente à condição existencial humana que se faz presente na literatura do tipo? Algo do tipo o próprio leitor, em algum nível, vendo-se ali, descrito na obra? Sobre tal ponto, Graciela Ravetti aponta que:
A narrativa dá vida a todos esses fatores presentes nas histórias. Pela forma com a qual se articula um relato, é possível estabelecer desde o início de uma obra quem é o vilão e quem é o mocinho – sem aqui considerar eventuais surpresas que história venha a ter. É claro que muitos autores vão para além dessa dicotomia. Nas séries televisivas, por exemplo, muitas daquelas que se sobressaem e arrebatam a atenção do público se utilizam de um panorama diverso daquela clássica luta do bem contra o mal. O protagonista se destaca justamente diante da exposição explícita de suas falhas – muitas vezes superiores ao seu “lado bom”. Mas ainda quando isso ocorre, nada muda o fato de que é pela narrativa que o convencimento do leitor/espectador ocorre. Quisesse o autor que Dexter, personagem de Jeff Lindsay que ganhou uma famosa adaptação para uma série de televisão, fosse visto pelos leitores com o mesmo repúdio com o qual são vistos os outros criminosos julgados e sentenciados por esse famoso serial killer que aparecem nas mesmas obras, bastaria colocá-lo na condição de inimigo, e não de protagonista. Note-se que a perspectiva com a qual o autor escolhe apresentar determinada personagem é justamente aquela que será adotada pelo leitor. Vale lembrar que Dexter é um assassino (desconsiderando aqui quaisquer condições psicológicas da personagem) tanto quanto aqueles a quem persegue, mas diante da peculiar humanização desse exposta na narrativa, o leitor é convidado e convencido a vê-lo (a si e suas ações) com outros olhos. De igual modo (ou ao menos de forma parecida) pode se dizer da figura do acusado no processo penal, com a diferença de que no campo processual vários são os autores (vítima, testemunhas, delegado, promotor, advogado...) que constroem a personagem, ansiando – intencionalmente ou não – convencer o leitor (juiz) de que a sua perspectiva seja aquela que prevaleça quando da análise e interpretação do protagonista (acusado). De fato, a literatura de crimes tem muito a ensinar ao direito. Paulo Silas Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Mestrando em Direito pela UNINTER Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR [1] Ravetti, Graciela. As vísceras da literatura: Roberto Bolaño. In: JEHA, Julio; JUÁREZ, Laura; NASCIMENTO, Lyslei (orgs.). Crime e Transgressão na Literatura e nas Artes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015. p. 50-51 Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |