O livro, obra postumamente sistematizada e publicada por Max Brod, amigo de Kafka, em 1925, trata da história de Josef K., que ao acordar um dia na pensão que residia, tem seu quarto invadido por dois homens que recusam informar sequer seus nomes, obstam seu desembaraço, impedindo-o de deixa-lo, e após insistentes questionamentos seus, informam-no: – Não – disse o homem próximo da janela, atirando o livro para cima de uma mesa e levantando-se. – O senhor não tem o direito de ir-se embora, porque está detido. – Tem todo o ar disso – retorquiu K. – Mas então porquê? – perguntou em seguida. – Não fomos encarregados de lho dizer. Vá para o seu quarto e espere. O processo judicial acaba de ser instaurado, e saberá tudo na altura oportuna. Ultrapasso a minha missão ao falar-lhe tão amistosamente. Mas espero que ninguém, excepto Franz, me ouça, e aliás também ele o trata simpaticamente, à revelia do regulamento. Se continuar a ter tanta sorte como para a designação dos seus guardas, pode ficar sossegado.[1] Imaginando ter sido caluniado, sem entender bem por quem ou porquê, percebe-se detido. Após inúmeros questionamentos seus a respeito de porque estaria preso (sem respostas); insistindo em ver o mandado, o que não lhe é permitido (se é que havia um!) e sem saber quem o manda prender, pede que o levem ao Superior deles, ao que é lhe respondido apenas, que somente quando for chamado, por enquanto não. Num primeiro momento, acredita inclusive tratar-se de uma brincadeira do restante dos moradores da pensão, mas logo percebe que a situação é verídica, e indo encontrar o inspetor (sob escolta), homem estranho, que apesar de afirmar nada poder dizer-lhe, faz questão de asseverar que sua situação é por demais preocupante e aconselha-o a tratar a situação com a máxima seriedade. Confessando-lhe inclusive, que não deve preocupar-se com ele, ou com os guardas, mas, com os Superiores; o faz em contrapartida acreditar que não se faz necessário telefonar a um procurador seu amigo (Sr. Hasterer), e após, aconselha-o a ir ao banco trabalhar, já que se encontra detido mas não obstado de executar suas tarefas, e nem o deve deixar de faze-las, instrução a que Josef K. segue, apesar de ter a necessidade de escolta, sem a qual não poderia ir. Toca o telefone e Josef K. é informado de que seu interrogatório se realizaria no domingo próximo, o primeiro de vários, alocados no domingo para não prejudicar seu trabalho no banco. Os interrogatórios apesar de frequentes eram curtos, aos quais deveria comparecer sempre. Foi, apesar de contar que seria o primeiro e também o último. Ao chegar numa vizinhança digna de O Cortiço, de Aluísio de Azevedo; teve que passar por diversas escadarias, lojas, pátios, um corredor miúdo, de teto baixo, cheio de gente. Em uma sala, numa grande algazarra, eis que o rapaz que o orientava, depois de muito procurar aponta para um senhor que estava sentado ao alto e que parecia não ter muito controle sobre algazarra que acontecia. Chegou atrasado... pois não queria de fato perguntar ali quem quer que fosse onde era o interrogatório. No outro lado da sala onde o conduziram, lá estava colocada de viés, num estrado muito baixo igualmente repleto, uma mesinha por detrás da qual, muito próximo da borda estava sentado um homem baixinho, gordo, com a respiração ofegante, que conversava soltando as gargalhadas com os indivíduos de pé atrás dele, cotovelos apoiados nas costas da cadeira e as pernas cruzadas. Bom ― disse o juiz de instrução, folheando o livro e dirigindo-se a K. num tom peremptório ―, o senhor é pintor da construção civil? ― Não ― replicou K. ―, sou gerente dum importante banco. A parte direita da sala sublinhou esta resposta com uma gargalhada tão espontânea que K. foi obrigado a rir-se também. As pessoas, com as mãos apoiadas nos joelhos, pareciam sacudidas por um impiedoso ataque de tosse, Mesmo na galeria houve risos isolados. O juiz a quem a cena irritara imenso, não podendo, provavelmente, fazer nada contra o público da sala, levantou-se dum pulo e, ameaçando a gente da galeria, procurou descarregar sobre esta a sua cólera.[2] Ocorre que apesar de indignado, mesmo com a balbúrdia que encontra, resolve defender-se proferindo um discurso vociferante contra a justiça, contra aqueles que o prenderam sem direito a nada, que pediram suborno, comeram seu café da manhã, nada lhe contaram pelo contrário só aumentaram... Eis que percebe que tratam-se, todos ali nessa pequena assembleia, de funcionários e que seu discurso somente o irá atrapalhar. O juiz de instrução então lhe informa que acabara de abrir mão de seu interrogatório. ― Só queria chamar-lhe a atenção para o facto ― disse o juiz de instrução ― de que o senhor hoje desperdiçou a vantagem que um interrogatório, em todo o caso, representa para um acusado.[3] Não acreditando nas palavras do juiz de instrução, segue aguardando que passe a semana. No domingo seguinte, volta ao local da assembleia na esperança de novamente ser interrogado, espantado descobre que nada mais há naquele local. Neste momento ele toma conhecimento por intermédio da mulher do oficial de diligências de todo um esquema que existe para tentar influenciar os efeitos do julgamento. Deste momento em diante, vai se tornando crescente a angustia de Josef K., que nem mesmo a contratação de um advogado com ajuda de seu tio, faz abrandar. O sofrimento psicológico, os problemas que passa a enfrentar no trabalho, a menina Bürstner (a quase chance de amor) perdida, o advogado doente e desidioso... Josef K., se nega a admitir-se culpado (já que sequer lhe é dado saber porque é acusado), o que lhe impede de ser absolvido, pois imprescindível ao perdão é a redenção do pecado através da confissão e do arrependimento, características próprias do processo canônico, que apesar de não ser citado diretamente no livro, tem estas mesmas características muito evidentes. Como pleitear a inocência, se para isso é necessário admitir-se culpado de um crime que sequer se sabe qual é; e confessando, como dizer-se inocente? A inquirição, na qual não é dado saber quem o acusa (o julgador sem rosto), dando excessivo poder aos funcionários que orbitam em torno do judiciário e aqueles que o podem influenciar, seja por relações de foro pessoal, de interesse econômico ou até mesmo o pintor de quadros oficiais... A soma de tudo isso, dá o tom a esta obra fantástica que infelizmente culmina com um resultado muito conhecido por nós, já que àquele a quem não é dada a defesa, não resta outro fim. Myrna Alves de Britto Graduanda de Direito - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ membro do Grupo de Pesquisa em Ciências Criminais (UFRRJ) e do Grupo de Pesquisa em Recursos Hídricos (UFRRJ) REFERÊNCIAS: http://www.nesua.uac.pt/uploads/uac_documento_plugin/ficheiro/27ca9b82a164bc2cd68f5a71be15f96fbad08e90.pdf Acesso em 29/06/2016. [1] Página 5 [2] Página 31 [3] Página 36 Comments are closed.
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