Não é de hoje que notamos que muitas crianças, dentro de um sistema familiar, acabam sendo usadas, consciente ou inconscientemente pelos demais membros, como moeda de troca ou bode expiatório. Mesmo estes sendo termos “fortes”, podemos entende-los de uma forma mais lúdica e saudável, quando a família não apresenta constantes conflitos.
Os irmãos mais velhos que colocam a culpa no caçula ou os pais que fazem aquela leve chantagem emocional para que o filho não volte tarde para casa são exemplos comuns que estão bastante presentes na dinâmica familiar e que não oferecem riscos graves ao desenvolvimento psicológico infantil, a priori. Mas, e se tais práticas forem levadas a um nível mais profundo, tendo como origem divergências pessoais que não tem relação direta com a criança, mas que a colocam estrategicamente como o lenço preso no meio da corda em um cabo de guerra psicológico? Em alguns casos de divórcio ou até mesmo de violência doméstica contra a mulher, é possível acabar escutando falas que remetem à alienação parental. Por sua vez, detectando uma série de comportamentos característicos, Richard Gardner foi o primeiro a introduzir em pauta, na década de 1980, a Síndrome da Alienação Parental (SOUZA, 2014). Segundo ele, haveria um dos genitores que seria o alienador (normalmente aquele que detém a guarda), sendo este que, por motivos de vingança e demais sentimentos decorrentes da separação, acaba por induzir o filho a rejeitar e até mesmo odiar o (ex) cônjuge, resultando numa série de comportamentos inadequados numa criança. Dias (2010), também já propõe que essa prática pode acontecer ainda com o casal vivendo junto. Além disso, a autora descreve ser um jogo de manipulações, visto que as mais diversas armas são utilizadas, em especial a alegação de abuso sexual, algo que é dito com frequência e que dificulta ainda mais a decisão do juiz, visto que a identificação e comprovação do fato não são feitas facilmente. Por sua vez, o reflexo na criança é extremamente prejudicial, pois, nestes cenários, comprometerá seu desenvolvimento e poderá fazer com que sentimentos de baixa autoestima e depreciação, por exemplo, sejam recorrentes durante a vida desde filho. Com isso, vemos o quanto um processo litigioso tem influência não apenas para as partes envolvidas, mas principalmente para a família como um todo, assim como para as pessoas que convivem com elas: no trabalho, na escola,... afinal, estamos tratando de um sistema, em que todas as partes são responsáveis por formar o conjunto. Dessa forma, com o intuito de resguardar a criança, muitas vezes ela passa por um longo e cansativo processo de avaliações, entrevistas e testes, que podem acabar sequer sendo conclusivas sobre o que, de fato, acontece nessa dinâmica familiar (DIAS, 2010) e se pode vir a ser prejudicial ou não. Sendo algo que interfere num processo judicial, é de se imaginar que algum guia foi criado para pautar certos procedimentos. Assim, a lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, dispõe sobre a alienação parental e como ela deve ser considerada no país. Ademais, propõe algumas penas que podem ser aplicadas no autor do fato, que vão desde uma simples advertência até a alteração do regime de guarda, multa, ou a suspensão da autoridade parental, sendo esta última a penalidade mais extrema (LIMA FILHO, 2012). Visto a globalidade das esferas que podem sofrer com estas determinações, é importante citar Nóbrega (2014), que menciona que “a exata utilização e a compreensão da interdisciplinaridade de sua aplicação definirão sua plena eficácia”, expondo, então, que somente com uma ação conjunta de diferentes áreas será possível aplicar a lei de forma efetiva. Em suma, a medida define o que é a condição, considerando-a como uma interferência no desenvolvimento psicológico tanto de crianças quanto de adolescentes, estimulada por um dos genitores, pelos avós ou quaisquer pessoas que estejam com a guarda do infante, causando repúdio ou prejuízo na manutenção do vínculo do outro genitor (BRASIL, 2010). Sendo o menor de idade o sujeito que mais precisaria de proteção, visto que a esfera familiar não está em condições de prover isso, o estado, mais uma vez, deve impor-se para garantir alguma contenção de danos, para que a alienação sofrida não acabe progredindo para a síndrome de mesmo nome, que englobaria efeitos que podem perdurar para o resto da vida. Sabendo disso, percebemos que a finalidade primordial da lei 12.318 é garantir os direitos fundamentais da criança e do adolescente, tendo em vista que a alienação parental fere diretamente o direito da convivência familiar, constituindo, desse modo, abuso moral e descumprimento dos deveres parentais admitidos com a tutela ou guarda (LIMA FILHO, 2012). Portanto, não podemos deixar de notar a importância desta lei, que veio para resguardar os filhos, menores de idade, tendo como intuito prevenir a instauração da alienação e suas possíveis consequências que poderiam permanecer até a vida adulta. Conforme menciona Lima Filho (2012), ela vem para preencher a falta encontrada na proteção psicológica no menor, coibindo a prática mencionada, tão prejudicial na formação de um sujeito. Consequentemente, essa batalha deve ser travada junto com a Psicologia e demais saberes que sustentam as equipes técnicas que atuam na área jurídica, esta, em especial, sendo uma das mais difíceis de se trabalhar: a familiar. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 26 ago. 2010. DIAS, Maria B. Alienação parental: uma nova lei para um velho problema! 2010. Disponível em: <http://mariaberenice.com.br/uploads/aliena%E7%E3o_parental_-_uma_nova_lei_para_um_velho_problema.pdf> Acesso em: 27 jan. 2018. LIMA FILHO, Joaquim A. Alienação parental segundo a lei 12.318/2010. 2012. Disponível em: < https://dp-pa.jusbrasil.com.br/noticias/2957478/artigo-alienacao-parental-segundo-a-lei-12318-2010>. Acesso em: 27 jan. 2018. NÓBREGA, Monique M. da S. As soluções trazidas pela lei 12.318/2010 para a alienação parental no Brasil. Universidade Estadual da Paraíba, Centro de Ciências Jurídicas, 2014. Disponível em < http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/8432/1/PDF%20-%20Monique%20Mitz%20da%20Silva%20N%c3%b3brega.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2018. SOUZA, Analicia M. Síndrome da alienação parental: um novo tema para os juízos de família. Cortez Editora: São Paulo, 2014. Comments are closed.
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