Em setembro de 2017 o Conselho Nacional do Ministério Público trouxe algumas modificações para a disciplina do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público por meio da Resolução n.o 181. Uma dessas mudanças é a possibilidade que o órgão ministerial passou a ter para celebrar acordos de não-persecução penal. Contudo, a resolução passou por uma intensa alteração pelo próprio conselho dando uma resposta as imensas críticas ao referido instituto.
Aqui não se intenta discutir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do instituto trazido por meio de resolução, mas, analisa-lo brevemente, pois, abriu ainda mais as portas para a justiça negocial no Brasil, seguindo a tendência que cada vez mais se amplia em diversos países como, por exemplo, os Estados Unidos, Itália, Alemanha, Espanha, Portugal e Chile[1]. A própria resolução afirma que essa mudança é uma forma de solução alternativa ao processo penal a fim de que seja possível proporcionar uma celeridade na resolução de crimes que possuem um menor potencial ofensivo, com a efetiva priorização dos recursos financeiros e humanos do Ministério Público e do Poder Judiciário para o processamento e julgamento dos casos mais complexos que demandam uma análise mais cautelosa e aprofundada, reduzindo os efeitos sociais considerados prejudiciais pela aplicação da pena, bem como é uma medida para desafogar os estabelecimentos prisionais.[2] O artigo 18 traz o polêmico acordo de não-persecução penal, instituto amplamente debatido logo após seu surgimento, e, por conta disso sofreu tantas alterações. Ele ocorre em uma fase pré-processual onde o Ministério Público poderá oferta-lo somente quando os delitos forem cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. Incluiu-se um novo requisito, a pena mínima cominada deve ser inferior a 4 anos, ou seja, a persecução penal fica resguardada a crimes mais graves. Outrossim, o investigado deverá confessar formal e circunstanciadamente a prática do delito por ele praticado. E, não termina por aí para realizar o acordo deverá, também, cumprir mais alguns requisitos elencados nos incisos deste artigo:
A proposta não será admitida nos casos em que: for cabível a transação penal; o dano causado pelo agente for superior a vinte salários mínimos, ou, por outro parâmetro estabelecido; nos casos em que o investigado incorrer nas causas contidas no art. 76, § 2.oda Lei n.o 9.099/1995[4]; se o aguardo para o cumprimento do acordo acarrete na prescrição da pretensão punitiva; se o delito for hediondo ou equiparado, e, caso o acordo não atenda o necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.[5]
Mas, caso o acordo seja descumprido ou qualquer de suas condições o membro do Ministério Público deverá imediatamente oferecer denúncia. Ainda, poderá utilizar o descumprimento como justificativa para eventual não oferecimento da suspensão condicional do processo como forma de punição. Contudo, caso o acordo seja integralmente cumprido o Ministério Público irá realizar o arquivamento, e, estando em acordo com a Lei vinculará toda a instituição. Grande parte das alterações trazidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público vieram como resposta as imensas críticas movidas contra o instituto, por exemplo, a Ordem dos Advogados moveu uma Ação de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra esta resolução, pois, entendeu que o texto original violava diversos princípios como a indisponibilidade da ação penal, ampla defesa, contraditório, além de usurpar a competência privativa da União e o poder regulamentar conferido ao Conselho Nacional do Ministério Público.[6] Ainda, utilizaram de precedentes do Supremo Tribunal Federal afirmando que, haveria um direito subjetivo do imputado em receber o benefício na medida em que ele cumpre com as condições. Destacamos outra crítica apontada pela ADI, a inconstitucionalidade na imposição de sanções de restrição de liberdade sem o devido processo legal.[7] Nesse contexto, podemos dizer que há uma nítida tendência de ampliação da justiça consensual no Processo Penal Brasileiro, tendo em vista que, nos deparamos com um sistema contencioso custoso e saturado, que se encontra em crise. Podemos dizer, ainda, que a lentidão dos processos gera uma sensação de impunidade, a justiça não chega a todos muito menos a tempo. Assim, o próprio sistema anseia por soluções que tragam uma eficiência e celeridade para o processo a fim de garantir uma análise justa aos casos, de forma tempestiva e adequada, protegendo os princípios constitucionais. Inclusive, no embalo dessa tendência de expansão da justiça negocial, o ordenamento jurídico brasileiro passa a incluir cada vez mais formas de utilização da colaboração premiada conforme dispõe as leis nº 9.034/95, revogada posteriormente pela Lei nº 12.850/2013 (Lei do Crime Organizado), Lei nº 9.080/1995 referente aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, crimes contra ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, Lei nº 9.613/1998 referente aos crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, direitos e valores, Lei nº 9.807/99 referente a proteção de vítimas e testemunhas que tenham colaborado com o processo penal, Lei nº 10.149/2000, no que tange a infrações contra ordem econômica e Lei nº 11.343/2006, relativa a Lei de drogas[8]. No tocante a colaboração premiada, ressalta-se a importância de dois tratados internacionais na aplicação do instituto, as Convenções de Palermo e Mérida, tratados que embasam e dão fortalecimento normativo nos tribunais brasileiros e na homologação de acordos de colaboração premiada atualmente. Um dos exemplos é o acordo firmado no âmbito da Operação Lava Jato, no qual a fundamentação está embasada nos artigos 129, inciso I da Constituição Federal, artigos 13 e 15 da Lei nº 9.807/99, artigo 1º, §5º da Lei nº 9.613/1998, no artigo 26 da Convenção de Palermo, no artigo 37 da Convenção de Mérida, e nos artigos 4º a 8º da Lei nº 12.850/2013, conforme acordos de nº 5.210 do Supremo Tribunal Federal, Acordo nº 5.244 STF, acordo nº 5.952 STF[9], acordo nº 6.138 STF e 7.003 STF[10]. A Convenção de Palermo, recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro por meio de Decreto nº 5.015/2004, aborda medidas para aprimorar e intensificar a cooperação dos acusados com as autoridades na aplicação da lei, possuindo diversas previsões de colaborações conforme dispõe o artigo 26, §1º[11]. A Convenção de Mérida, recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 5.687/2006 aborda igualmente diversas formas de colaborações processuais, conforme dispõe o artigo 37[12]. A aplicação da colaboração premiada e outras formas de negociação no âmbito penal é alvo de severas críticas por boa parte da Doutrina, primordialmente quando analisa-se questões referentes a direitos e garantias fundamentais e a preocupação com a expansão da justiça negocial e da barganha processual em sua totalidade. Observa-se o questionamento sobre a efetiva compatibilidade com o modelo processual penal brasileiro, e a compatibilidade constitucional bem como do modelo processual penal acusatório. No que tange a abrangência hermenêutica criticada por muitos Doutrinadores na Lei nº 12.850/2013 e embora tenha apresentado alguns avanços, remanescem diversas lacunas legislativas enfatizando o destaque da identificação dos beneficiários nos acordos de colaboração bem como a extensa gama de benefícios que podem ser concedidos aos Delatores[13]. Referente a barganha e a negociação, cada vez mais presentes nas legislações brasileiras, aduz Alexandre Morais da Rosa:
Portanto, vislumbra-se que a expansão da justiça criminal negocial nos acordos de colaboração premiada, bem como nos demais institutos e previsões legislativas, necessitam de amplo debate sobre a aplicação e limitações no direito processual penal, evitando medidas arbitrárias e que não se coadunem com os princípios basilares de um Estado Democrático de Direito. Se por um lado, parcela majoritária da Doutrina encontra-se resistente a aplicação dos referidos modelos negociais, por outro há a necessidade de uma análise para a aplicação efetiva observando a minimização de danos na persecução penal, tendo em vista a previsão legislativa no ordenamento jurídico brasileiro, nos tratados internacionais bem como sua aplicação amplamente aceita nos tribunais como nos acordos de homologação nas colaborações premiadas efetivadas pelo Supremo Tribunal Federal. Paula Yurie Abiko Graduanda Centro Universitário Franciscano do Paraná – FAE Estagiária do Ministério Público Federal Membro dos grupos de pesquisa: O mal estar no Direito; Modernas Tendências do Sistema Criminal; Trial by Jury e Literatura Shakesperiana; Membro do International Center for Criminal Studies e da Comissão de Criminologia Crítica do Canal Ciências Criminais Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM Izabel Coelho Matias Graduada em Direito – Centro Universitário Franciscano do Paraná – FAE Pós Graduanda em Especialização em Ministério Público – Estado Democrático de Direito – Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná (FEMPAR) Pós graduanda em Compliance e Governança Jurídica – FAE Business School REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CRUZ, Flávio Antônio da. Plea Bargaining e delação premiada: algumas perplexidades. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB PR. 2ª edição, dezembro de 2016, http://revistajuridica.esa.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2016/12/2-8-plea.pdf, acesso em 01 de maio de 2018. ROSA, Alexandre Morais. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 4ª edição revista, atualizada e ampliada. Empório do Direito. Florianópolis, 2017. VASCONCELLOS, Vinicius Gomes. Colaboração premiada no Processo Penal. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2017. CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução n.o181, de 7 de agosto de 2017. Dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público. p.2. Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resolu%C3% A7%C3%A3o-181.pdf>. Acesso em: 02 out. 2017. OAB vai ao Supremo contra norma do Ministério Público que perdoa quem confessa crime. Jornal Jurid, 17 out. 2017. Disponível em: <http://www.jornaljurid.com.br/print/noticias/oab-vai-ao-supremo-contra-norma-do-ministerio-publico-que-perdoa-quem-confessa-crime>. Acesso em: 22 out. 2017. CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira.O acordo de não-persecução penal criado pela nova Resolução do CNMP. Consultor Jurídico, 18 set. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-set-18/rodrigo-cabral-acordo-nao-persecucao-penal-criado-cnmp>. Acesso em: 02 out. [1]La Conformidadespanhola, il patteggiamentoitaliano e o absprachenalemão. (NEVES, J. F. Moreira das. Acordos sobre a sentença penal: o futuro aqui já. Revista do Ministério Público de Lisboa, Lisboa, v.34, n.135, p.39, jul./set. 2013). [2] CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução n.o181, de 7 de agosto de 2017. Dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público. p.2. Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resolu%C3% A7%C3%A3o-181.pdf>. [3] Conselho Nacional do Ministério Público Relatório da alteração da Resolução n° 181 realizada em 10 de outubro de 2017. Disponível em: file:///D:/Donwloads/PARECER%20RESOLU%C3%87%C3%83O%20181.pdf. Página 23. [4]Ter sido o autor da infração condenado pela prática de crime punida com pena privativa de liberdade, ter sido o agente beneficiado anteriormente pelo instituto, no prazo de cinco anos, se não for suficiente à medida por conta dos antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos e as circunstâncias do crime. [5] Conselho Nacional do Ministério Público Relatório da alteração da Resolução n° 181 realizada em 10 de outubro de 2017. Disponível em: file:///D:/Donwloads/PARECER%20RESOLU%C3%87%C3%83O%20181.pdf. Página 23. [6] OAB vai ao Supremo contra norma do Ministério Público que perdoa quem confessa crime. Jornal Jurid, 17 out. 2017. Disponível em: <http://www.jornaljurid.com.br/print/noticias/oab-vai-ao-supremo-contra-norma-do-ministerio-publico-que-perdoa-quem-confessa-crime>. Acesso em: 22 out. 2017. [7] OAB vai ao Supremo contra norma do Ministério Público que perdoa quem confessa crime. Jornal Jurid, 17 out. 2017. Disponível em: <http://www.jornaljurid.com.br/print/noticias/oab-vai-ao-supremo-contra-norma-do-ministerio-publico-que-perdoa-quem-confessa-crime>. Acesso em: 22 out. 2017. [8] BRITO, Michelle. Delação premiada e decisão penal. Da eficiência à integridade. D’ plácido. 2ª edição. Belo Horizonte. 2017. p. 90. [9] (..) ‘’Destacou que “tal acordo foi firmado com a finalidade de obtenção de elementos de provas para o desvelamento dos agentes e partícipes responsáveis, estrutura hierárquica, divisão de tarefas e crimes praticados pelas organizações criminosas no âmbito do Palácio do Planalto, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, do Ministério de Minas e Energia e da companhia Petróleo Brasileiro S/A entres outras”, file:///C:/Users/Andreia/Downloads/acordo%20de%20colabora%C3%A7%C3%A3o%20premiada%205.952%20STF.pdf, acesso em 01 de maio de 2018. [10] VASCONCELLOS, Vinicius Gomes. Colaboração premiada no Processo Penal. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2017. p. 35. [11] Artigo 26 da Convenção de Palermo: ‘’1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as pessoas que participem ou tenham participado em grupos criminosos organizados: a) A fornecerem informações úteis às autoridades competentes para efeitos de investigação e produção de provas, nomeadamente, i) A identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos criminosos organizados; ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos organizados; iii) As infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou poderão vir a praticar’’. [12] Artigo 37, Convenção de Mérida: ‘’ 1.Cada Estado Parte adotará as medidas apropriadas para restabelecer as pessoas que participem ou que tenham participado na prática dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção que proporcionem às autoridades competentes informação útil com fins investigativos e probatórios e as que lhes prestem ajuda efetiva e concreta que possa contribuir a privar os criminosos do produto do delito, assim como recuperar esse produto. 2.Cada Estado Parte considerará a possibilidade de prever, em casos apropriados, a mitigação de pena de toda pessoa acusada que preste cooperação substancial à investigação ou ao indiciamento dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 3. Cada Estado parte considerará a possibilidade de prever, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, a concessão de imunidade judicial a toda pessoa que preste cooperação substancial na investigação ou no indiciamento dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 4.A proteção dessas pessoas será, mutatis mutandis, a prevista no Artigo 32 da presente Convenção. 5.Quando as pessoas mencionadas no parágrafo 1 do presente Artigo se encontrem em um Estado Parte e possam prestar cooperação substancial às autoridades competentes de outro Estado Parte, os Estados Partes interessados poderão considerar a possibilidade de celebrar acordos ou tratados, em conformidade com sua legislação interna, a respeito da eventual concessão, por esse Estrado Parte, do trato previsto nos parágrafos 2 e 3 do presente Artigo’’. [13] CRUZ, Flávio Antônio da. Plea Bargaining e delação premiada: algumas perplexidades. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB PR. 2ª edição, dezembro de 2016, http://revistajuridica.esa.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2016/12/2-8-plea.pdf, acesso em 01 de maio de 2018, p. 63. [14] ROSA, Alexandre Morais. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 4ª edição revista, atualizada e ampliada. Empório do Direito. Florianópolis, 2017. p. 527. Comments are closed.
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