O presente artigo tem como objetivo abordar alguns aspectos relacionados a lavagem de dinheiro, tendo em vista que atualmente o combate a esses delitos econômicos mostra-se uma das formas mais eficazes de conter o crime organizado. A ocultação do capital financia uma extensa gama de estruturas delitivas, permitindo a ampliação da corrupção como um todo.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE AS CARACTERÍSTICAS E FASES DA LAVAGEM DE DINHEIRO A primeira lei promulgada que trata da lavagem de dinheiro, foi sancionada em 1998, ([P1] Lei nº 9.613/1998, e posteriormente foi aprimorada pela redação da Lei nº 12.683/2012)[1], possuindo recomendações normativas internacionais. Nesse sentido, nota-se na referida lei o fortalecimento da regulação administrativa de diversos setores, aprimorando o controle e fiscalização desses delitos. Segundo preceitua Pierpaolo Cruz Bottini,
Lavagem de dinheiro é um termo utilizado por autoridades norte americanas para descrever o método utilizado pela máfia na década de 30, com o intuito de justificar os bens de origem ilícita[3]. Na época, o nome foi originado tendo em vista a exploração de máquinas de lavar roupas automáticas, sendo a expressão utilizada pela primeira vez em um processo nos Estados Unidos no ano de 1982. A lavagem de dinheiro ganhou notoriedade pelas autoridades internacionais no final do século XX, quando foi constatado a capacidade de alguns setores e do crime organizado na prática de crimes, primordialmente no que se refere ao tráfico de drogas. O desenvolvimento desses grupos criminosos impôs uma necessidade de mudança na perspectiva de política criminal. Constatou-se na organização empresarial, tendo em vista a estrutura e hierarquia nas empresas, a facilidade cada vez maior para a proliferação desses ilícitos[4]. A maior parte do capital é ocultada em atividades ilícitas diversas, e em decorrência disso, surgiram unidades de inteligência financeira para efetuar o armazenamento e tratamento de informações capazes de identificar o dinheiro ilícito, proveniente de atividades criminosas. Inúmeros tratados internacionais e convenções foram assinados, para prevenir e combater os crimes de lavagem de dinheiro, como a Convenção de Viena (1988), de Palermo (2000) e Mérida (2003). O Brasil é signatário de diversos tratados e convenções de combate à lavagem de dinheiro, sendo aprovada em 1998 a lei que prevê a criminalização dessas atividades[5]. A primeira lei de lavagem de dinheiro no país, é a Lei nº 9.613/1998, na qual tipificou as condutas de ocultação em diversos dispositivos, estabelecendo regras e obrigações administrativas para aqueles que possuem atividades em setores mais propensos as práticas da lavagem de dinheiro, posteriormente sendo criada o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). A Lei nº 12.683/2012 trouxe alterações importantes, como a ampliação da abrangência típica e inclusão de novas obrigações administrativas aplicadas a um rol de entidades e pessoas[6]. No que tange as características e fases da lavagem de dinheiro, analisa-se que o processo de lavagem de dinheiro possui como antecedente uma infração penal, momento que se encontra o capital ilícito, posteriormente ocultando-se esses valores concebidos ilicitamente. O processo de lavagem de dinheiro é portanto, composto por três fases: ocultação, dissimulação e integração dos bens à economia formal[7]. A primeira fase da lavagem de dinheiro é a ocultação (placement/ colocação/ conversão). É o momento inicial para distanciar o valor da origem ilícita, com a alteração dos bens e afastamento do local de infração. Exemplos da denominada ocultação são os depósitos e movimentações dos recursos obtidos em pequenas quantias, propriamente para não chamar atenção de autoridades na fiscalização, bem como a conversão dos bens ilícitos em moeda estrangeira, ou o depósito em contas de terceiros (laranjas) para que ocorra a transferência do capital ilícito para outros países[8]. A segunda etapa é a da dissimulação de capital (layering), oriunda de transações comerciais ou financeiras posteriores a fase de ocultação dos bens, que contribuem para afastar os valores da origem ilícita. Exemplos dessas operações são as realizadas por instituições financeiras como bancos e imobiliárias, em países diversos, vários deles caracterizados pelos chamados paraísos fiscais, dificultando o rastreamento desses bens[9]. A terceira fase é a denominada integração caracterizada pelo ato final da lavagem de dinheiro, nessa fase ocorre a introdução dos bens ilícitos na economia como se lícitos fossem. Nessa fase os ativos de origem ilícita são integrados a valores obtidos em atividades lícitas, como transações de importação e exportação com preços subfaturados[10]. 2. TRATADOS, CONVENÇÕES INTERNACIONAIS E POLÍTICAS DE COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO[P2] Analisando-se o aumento exponencial da criminalidade, foi vislumbrado pelas autoridades mecanismos e aprovação de tratados, convenções internacionais e acordos para o combate a prática de lavagem de dinheiro. Diversos documentos internacionais foram produzidos e assinados para o combate aos crimes de lavagem de dinheiro, destacando-se a Convenção de Viena, a Convenção de Palermo, e a Convenção de Mérida. A Convenção de Viena, promulgada em 20 de dezembro de 1988 e incorporada no ordenamento jurídico brasileiro em 1991, por meio do Decreto 154, objetiva primeiramente o combate ao tráfico de drogas. Entre essas estratégias, foi abordado a importância de ‘’privar as pessoas dedicadas ao tráfico ilícito do produto de suas atividades e eliminar, assim, o principal incentivo a essa atividade’’[11]. A Convenção de Palermo indica diversos crimes além dos crimes de tráfico de drogas. O texto da referida Convenção aduz que a lavagem decorre da ‘’mais ampla gama possível de infrações principais’’, prevendo medidas de regulação e controle de bancos e demais instituições que ensejam suscetíveis as práticas dos crimes de lavagem de dinheiro, tendo por dever conhecer os usuários e operações suspeitas que possam ser praticadas[12][13]. A Convenção de Mérida, sancionada no Brasil em 31 de janeiro de 2006, possui por objetivo principal o combate à corrupção. No artigo 14 estão dispostos pontos sobre a lavagem de dinheiro, enfatizando a importância do controle administrativo e financeiro por parte dos Estados, em consonância com o disposto nos demais tratados e Convenções internacionais. 3. BEM JURÍDICO TUTELADO NOS CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO O direito penal possui como função a proteção de bens jurídicos. Essa determinação dos bens jurídicos passíveis de tutela pelo direito penal não é algo simples, tendo em vista a dinâmica da organização social e sua constante mutação[14]. Segundo preceitua Claus Roxin:
Para analisar a questão conceitual, é necessário analisar o diploma que estrutura a organização político e social escolhido pela sociedade, a Constituição Federal. A Constituição prevê a organização política/ social e jurídica, no artigo 1º, e vislumbra o respeito à dignidade humana e ao pluralismo como valores fundamentais para a estrutura da sociedade em sua totalidade, enfatizando que os bens jurídicos possíveis de proteção penal são aqueles essenciais à proteção e à preservação da liberdade e determinação do ser humano[16]. No que tange as primeiras iniciativas no âmbito internacional para analisar o bem jurídico lesado na lavagem de dinheiro, nota-se que estavam relacionados ao combate de tráfico de drogas, e, em um primeiro momento, o bem jurídico tutelado pelo direito penal seria a saúde pública como crime antecedente. Posteriormente, com a ampliação das normas da lavagem de dinheiro, além do tráfico de drogas outras infrações foram caracterizadas nos bens oriundos da lavagem, vislumbrando-se que a tutela normativa não se resumia apenas a saúde pública, mas englobava bens jurídicos de crimes anteriores à lavagem como o patrimônio, a administração pública entre outros[17]. 4. DOS TIPOS PENAIS, OCULTAÇÃO E DISSIMULAÇÃO. No que tange aos elementos objetivos, é necessário uma breve análise sobre a ocultação e dissimulação. O Artigo 1º aduz:
É necessário para a consumação da primeira (ocultar) ou da segunda (dissimular) a etapa da lavagem de dinheiro, que se encerra com a reinserção do capital na economia como se fosse lícito[18]. Ocultar é esconder, tirar de circulação subtrair de vista. A consumação ocorre com o encobrimento, através de qualquer meio, conjuntamente com a intenção de converter o bem posteriormente em ativo licito. Alguns exemplos de ocultação são a divisão dos valores obtidos, o depósito de capital em conta de terceiros, conversão em moeda estrangeira, bem como compra de imóveis em nome de laranjas[19]. A dissimulação é o conjunto de atos posterior à ocultação. Dissimular seria o distanciamento do bem da origem ilícita, com o intuito de dificultar o rastreamento dos valores. Exemplos são transações em contas correntes no país ou no exterior, movimentação de moeda via cabo, compra e venda de imóveis por valores irrisórios, efetuação de empréstimos simulados no qual o tomador é o verdadeiro titular e obteve por meios ilícitos. Nesse sentido, destaca-se que o tipo penal do Artigo 1º da Lei é comissivo, ou seja, exige o comportamento de ocultar ou dissimular os valores, bens ou produtos, oriundos de uma infração penal antecedente.[20] 5. DA AUTORIA E DA PARTICIPAÇÃO No que tange a autoria, a mesma pode ser direta, mediata e em coautoria. Autor é o precursor do delito, aquele sobre o cai recai a responsabilidade principal pela prática do ilícito na ação penal. O autor do crime de lavagem de dinheiro é o executor direto[21]. Na participação o partícipe é aquele que colabora ou auxilia na prática criminosa sem a titularidade do delito, sem executar diretamente a conduta tipificada, não possuindo domínio dos fatos na organização delitiva[22]. Após breve explanação sobre aspectos conceituais da lavagem de dinheiro, vislumbramos que a corrupção é um fenômeno da globalização, sendo fundamental mecanismos de controle para conter esses ilícitos. A função do Direito Penal é proteger a coexistência social e harmônica. Nesta incessante busca, a normal penal visa, através de suas sanções, reprimir graves ataques, aptos a lesionar as condições elementares mínimas de convivência pacífica de uma comunidade[23]. Segundo dados do Transparency Internacional, o Brasil ocupa o 79º lugar entre 179 países mais corruptos do mundo[24], isso reflete os problemas sociais e de desigualdade que possuímos no nosso país[25]. Uma frase citada por José Ugaz, Presidente eleito da Junta Diretiva no portal do Transparency Internacional aduz: ‘’ In too many countries, people are deprived of their most basic needs and go to bed hungry every night because of corruption, while the powerful and corrupt enjoy lavish lifestyles with impunity.”. Por fim, observa-se que a criação de mecanismos para conter esses fenômenos delitivos é fundamental para a construção de um ambiente mais justo, pois com o aumento exacerbado da corrupção, torna-se cada vez mais difícil a garantia de um país desenvolvido e digno a todos. Paula Yurie Abiko Acadêmica de Direito do Centro Universitário Franciscano FAE, 9º período Estagiária do Ministério Público Federal Membro do Grupo de Pesquisa Modernas Tendências do Sistema Criminal Membro do grupo de Pesquisa O mal estar no Direito Membro do grupo de Pesquisa Trial By Jury e literatura Shakesperiana [1] Em 2012, a Lei nº 9.613, de 1998, foi alterada pela Lei nº 12.683, de 2012, trazendo algumas alterações nos crimes de lavagem de dinheiro, sendo elas: a extinção do rol taxativo de crimes antecedentes, admitindo-se agora como crime antecedente da lavagem de dinheiro qualquer infração penal, a inclusão das hipóteses de alienação antecipada e outras medidas assecuratórias que garantam que os bens não sofram desvalorização ou deterioração, inclusão de novos sujeitos obrigados tais como cartórios, profissionais que exerçam atividades de assessoria ou consultoria financeira, representantes de atletas e artistas, feiras, dentre outros,aumento do valor máximo da multa para R$ 20 milhões, http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/pld-ft/sobre-a-lavagem-de-dinheiro. [2] BOTTINI, Pierpaolo Cruz, BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de Dinheiro: Aspectos penais e processuais penais, comentários à lei nº 9.613/1998 com as alterações da Lei nº 12.683/2012, 2ª edição, revista dos tribunais, p. 23. [3] BOTINNI, Pierpaolo Cruz. Ibidem, p. 23. [4] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Ibidem, p. 24. [5] BOTTINI, Pierapolo Cruz. Ibidem. p. 25. [6] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Ibidem. p. 25. [7] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Ibidem. p. 26. [8] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Ibidem. p. 26. [9] Ibidem. p. 27. [10] Ibidem . p. 27. [11] Ibdem. [12] Ibdem. [13] Artigo 7, Decreto 5015, Convenção das Nações Unidas. Medidas para combater a lavagem de dinheiro 1. Cada Estado Parte: a) Instituirá um regime interno completo de regulamentação e controle dos bancos e instituições financeiras não bancárias e, quando se justifique, de outros organismos especialmente susceptíveis de ser utilizados para a lavagem de dinheiro, dentro dos limites da sua competência, a fim de prevenir e detectar qualquer forma de lavagem de dinheiro, sendo nesse regime enfatizados os requisitos relativos à identificação do cliente, ao registro das operações e à denúncia de operações suspeitas; b) Garantirá, sem prejuízo da aplicação dos Artigos 18 e 27 da presente Convenção, que as autoridades responsáveis pela administração, regulamentação, detecção e repressão e outras autoridades responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro (incluindo, quando tal esteja previsto no seu direito interno, as autoridades judiciais), tenham a capacidade de cooperar e trocar informações em âmbito nacional e internacional, em conformidade com as condições prescritas no direito interno, e, para esse fim, considerará a possibilidade de criar um serviço de informação financeira que funcione como centro nacional de coleta, análise e difusão de informação relativa a eventuais atividades de lavagem de dinheiro. 2. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de aplicar medidas viáveis para detectar e vigiar o movimento transfronteiriço de numerário e de títulos negociáveis, no respeito pelas garantias relativas à legítima utilização da informação e sem, por qualquer forma, restringir a circulação de capitais lícitos. Estas medidas poderão incluir a exigência de que os particulares e as entidades comerciais notifiquem as transferências transfronteiriças de quantias elevadas em numerário e títulos negociáveis. 3. Ao instituírem, nos termos do presente Artigo, um regime interno de regulamentação e controle, e sem prejuízo do disposto em qualquer outro artigo da presente Convenção, todos os Estados Partes são instados a utilizar como orientação as iniciativas pertinentes tomadas pelas organizações regionais, inter-regionais e multilaterais para combater a lavagem de dinheiro. 4. Os Estados Partes diligenciarão no sentido de desenvolver e promover a cooperação à escala mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as autoridades judiciais, os organismos de detecção e repressão e as autoridades de regulamentação financeira, a fim de combater a lavagem de dinheiro. [14] BOTTINI, Pierpaolo Cruz.Ibidem. p. 49. [15] ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. P. 17-18. [16] BOTTINI, Pierpaolo Cruz.Ibidem. p. 50. [17] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Ibidem. p. 52. [18] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Ibidem. p. 65. [19] Ibidem. p.65. [20] Ibidem. p. 68. [21] Ibidem. p. 120. [22] Ibidem. p. 122. [23] COSTA, Sylvia Chaves Lima. O fenômeno da grande corrupção sob a perspectiva contemporânea: um estudo à luz dos matizes do Direito Penal Econômico, tese de Mestrado UERJ, 2013. [24] https://www.transparency.org/news/feature/corruption_perceptions_index_2016. [25] A Organização das Nações Unidas (ONU) abordou que o Brasil perde cerca de R$ 200 bilhões com esquemas de corrupção por ano, segundo o procurador federal Paulo Roberto Galvão, que faz parte da Operação Lava Jato. “Somente no caso da Petrobras, os desvios de recursos de forma ilegal envolvem entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões, o que consta inclusive de um estudo da Polícia Federal”, enfatizou o Procurador. https://istoe.com.br/brasil-perde-cerca-de-r-200-bilhoes-por-ano-com-corrupcao-diz-mpf/ Comments are closed.
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