O objetivo deste ensaio é descrever brevemente alguns dos aspectos históricos e sociológicos na construção da ideia de inferioridade feminina e dominação do homem sobre a mulher. Tendo como ponto de partida o período Paleolítico em que se associava a fecundidade da terra com a fecundidade feminina, sendo então um período matriarcal.
A partir do período Neolítico, com a domesticação e observação dos animais, o homem percebeu que era o “fertilizador” das mulheres e atribuiu a si mesmo superioridade física e ideológica, passando então oprimir a mulher a partir do controle de sua sexualidade e de sua fecundidade, sendo essa a gênese do que se chamou de patriarcado. Essa hierarquização seguiu em outros períodos históricos, da Grécia Antiga a Revolução Francesa, que foi o ponto central em que o feminismo surgiu e se organizou como um movimento estruturado, denunciando que a experiência masculina vem sendo privilegiada historicamente enquanto a feminina é negligenciada, e que o poder foi e ainda é predominantemente masculino tendo como objetivo original a dominação da mulher (principalmente a dominação de seus corpos). Na Idade da Pedra, no chamado Período Paleolítico, a mulher estava próxima da natureza. O corpo da mulher, assim como a natureza, produzia eventos cíclicos ligados à geração da vida. A agricultura era associada ao ciclo lunar e menstrual. A fertilidade feminina era semelhante a fertilidade do universo. A mulher gerava a vida, dava a luz e tinha o poder de alimentar. Se associava “a fecundidade da terra que provê os alimentos, que se renova e renasce e a fecundidade feminina.”[1] A partir disso, nasce a religião do culto à Grande Deusa Mãe, que era a fonte de energia e geração de toda forma de vida existente. Marlene Tamanini afirma que os povos que viviam na Europa entre 300.000 e 21.000 A.C. cultuavam a figura materna da “grande mãe”, e prova disso, é que esses povos deixaram inúmeras estatuetas que representavam as mulheres.[2] Nesse período, todos os cultos e sacrifícios estavam ligados a Deusa e toda atividade econômica girava em torno dela. Dessa forma, não era necessário que os homens arriscassem a vida como caçadores e por conta disso, seus valores viris não eram enaltecidos. Os homens não tinham motivos para se sentirem superiores ou oprimir as mulheres, pois além de ser uma sociedade justa e igualitária era da mulher que emanava a vida. Portanto, não havia opressão do sexo masculino, pois todos tinham o seu papel no andamento da comunidade. Sendo assim, não havia razão para discriminar os homens.[3] Em resumo, o período Paleolítico era matriarcal. A partir do Período Neolítico (6.000 e 4.000 A.C.) o ser humano se torna sedentário, domestica os animais e desenvolve utensílios para serem utilizados na agricultura. Após domesticação, “a convivência com os animais fez com que [os homens] percebessem dois feitos surpreendentes: as ovelhas segregadas dos carneiros não geravam, nem produziam leite, porém, num intervalo de tempo, após o carneiro cobrir a ovelha, nasciam os filhotes. E o mais surpreendente era que um macho conseguia cobrir muitas ovelhas.”[4] Os homens observaram que eram eles os “fertilizadores” das mulheres e atribuíram a si mesmos superioridade física e ideológica, então passaram a oprimir a mulher a partir do controle de sua sexualidade e de sua fecundidade, “o controle exercido sobre as mulheres é parecido com o controle exercido sobre os animais”.[5] Dessa forma, a mulher se tornou “mero receptáculo” da vida. O homem era o portador da vida, “no patriarcado o homem é o centro do universo, da terra, da casa e da propriedade.”[6] E assim “os princípios masculino e feminino se separaram e o sexo se tornou fundamental na religião”,[7] e assim, um deus homem governou o mundo e o falo passou a ser objeto de culto e adoração.[8] Desde então o feminino é entendido como subalterno, e à mulher é reservado somente o espaço privado, o santuário do lar, e ao homem cabe o espaço público e político. A separação dos sexos em duas esferas, as representações e simbologias atravessaram os tempos tornando as diferenças uma forma de hierarquia e transformando-as em desigualdade. Na Grécia Antiga, era rígida a divisão entre a esfera pública e privada, à mulher cabia o parto e o cuidado da casa, ao homem cabia a subsistência. Ele era o porta-voz da família. A polis só reconhecia os iguais, exclui-se do termo as mulheres, os escravos e os estrangeiros, pois, estes não eram considerados aptos à participar, dessa forma, apenas os homens poderiam participar da vida política. A polis era a esfera de liberdade, e o homem reinava sobre a família e escravos e somente após isso se tornava um animal politico. Sendo assim, “na Grécia a mulher ocupava posição equivalente a do escravo no sentido de que tão somente estes executavam trabalhos manuais, extremamente desvalorizado pelo homem livre”.[9] Em Atenas, ser livre era, primeiramente, ser homem e não mulher, ser ateniense e não estrangeiro, ser livre e não escravo”.[10] Essa ideia se firmava também através dos filósofos da época, Platão afirmava que se a natureza não tivesse criado os escravos e as mulheres, teria dado ao tear a propriedade de fiar sozinho. Para Aristóteles “a coragem do homem residia no comando, a da mulher na submissão”. Na Roma Antiga, a família consolidou-se enquanto instituição, contudo, era centralizada no homem, e este, o patriarca, tinha sob seu poder a mulher, os filhos e os escravos, podendo decidir inclusive sobre o direito de vida e morte de todos eles, inclusive poderia transformar seus filhos em escravos e vendê-los. A autoridade do pater familiae prevalecia até mesmo sobre a autoridade do Estado.[11] Na Santa Inquisição, instituída em 1232 pelo Papa Gregório IX, e que vigorou até 1859, abateu-se sobre as mulheres a chamada “caça às bruxas”, que constituiu um verdadeiro genocídio contra o sexo feminino na Europa e nas Américas; “existe, nessa perseguição um elemento claro de manutenção de uma posição de poder por parte do homem”,[12] pois:
Era então “a infeliz natureza feminina” que ardia nas fogueiras que se acenderam pela Idade Média e início do Renascimento. Jacques Sprenger, inquisidor e autor do manual de caça as bruxas, o Malleus Maleficarum , afirmava que “se hoje queimamos as bruxas, é por causa do seu sexo feminino”.[14] Para Leonard de Vair, inquisidor, era “pelo sexo que ela [mulher] se faz bruxa, sexo este considerado por natureza, impuro e maléfico”. Assim descreveu a menstruação em 1583: “mensalmente elas se enchem de elementos supérfluos e o sangue faz exalar vapores que se elevam e passam pela boca, pelas narinas e outros condutos do corpo, lançando feitiços sobre tudo que elas encontram”[15]. A Igreja e a medicina condenaram as mulheres “e diversos pensadores humanistas e intelectuais da época, como Jean Bodin, contribuíram para a estigmatização do feminino como inferior e maligno”.[16] Não havia lógica nas acusações ou nas evidências que determinavam quais mulheres seriam queimadas e as confissões eram extraídas mediante tortura. Os demonólogos torturaram e queimaram as mulheres com o intuito de reestabelecer o poder da Igreja e consolidar, ainda mais, o poder patriarcal.[17] A história é escrita por homens e para homens. Isso impactou diretamente a forma como as mulheres foram entendidas e tratadas ao longo dos tempos. Durante séculos as mulheres foram relegadas a um status de subalternidade em relação aos homens, por conta da sua suposta fraqueza corporal e da sua importância secundária no processo de reprodução da espécie. Entretanto, ao mesmo tempo em que eram subjugadas, as mulheres desenvolveram formas de resistência à ordem imposta. O movimento feminista foi um instrumento importante para a emancipação e empoderamento feminino. Além disso, chamou a atenção para a necessidade de inserir as mulheres enquanto protagonistas dos processos históricos. Para Michele Perrot uma história sem as mulheres parece impossível, entretanto, as mulheres têm sido ocultadas da Historiografia oficial, porque são pouco vistas, pouco se fala delas. As mulheres deixaram poucos vestígios, seu acesso à escrita foi tardio. Não se trata da biografia de mulheres específicas, mas das mulheres em seu conjunto, abrangendo um longo período.[18] (Re) escrever a história das mulheres é sair do silencio em que elas estavam confinadas, “nesse silencio profundo, é claro que as mulheres não estão sozinhas. Ele envolve o continente perdido das vidas submersas no esquecimento no qual se anula a massa da humanidade. Mas é sobre elas que o silencio pesa mais.”[19] LARISSA TOMAZONI Mestranda em Direito pelo Uninter Advogada Pós graduanda em Gênero e Sexualidade Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – Unibrasil Pesquisadora do Núcleo de Estudos Filosóficos (NEFIL/UFPR) e do Grupo de estudos Jurisdição Constitucional Comparada: método, modelos e diálogos (Uninter) [1] TAMANINI, Marlene. Cosmologia e o mundo das deusas: as raízes da desigualdade. In: SARTORI, Ari José (org.); BRITTO, Néli Suzana (org.). 3.ed. Florianópolis:Genus,2008.p.20. [2] Ibidem, p.16. [3] Ibidem, p.18-19. [4] Ibidem, p.20. [5] Ibidem, p.21. [6] Ibidem, p.20. [7] Idem. [8] Ibidem, p.20-21. [9] ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jaqueline. O que é feminismo?. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.p.11. [10] Idem. [11] NARVAZ, Martha Giudice; KOLLER, Silvia Helena. Famílias e patriarcado: da prescrição normativa à subversão criativa. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-71822006000100007&script=sci_arttext > Acesso em: 20 fev. 2018. [12] ALVES; PITANGUY. Op.cit.,p.21. [13] TÁBOAS, Ísis Dantas Menezes Zornoff. Diga-me, quem te deu o direito soberano de oprimir meu sexo?: a afirmação histórica dos direitos das mulheres. Disponível em: < http://seer.franca.unesp.br/index.php/direitoalternativo/article/view/318/370 > Acesso em: 20 fev. 2018. [14] ALVES; PITANGUY. Op.cit.,p.23-24. [15] Ibidem, p.23. [16] TÁBOAS, Ísis Dantas Menezes Zornoff. Op.cit. [17] Idem. [18] PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2013.p.14-17. [19] PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2013.p.16. Referências ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jaqueline. O que é feminismo?. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. NARVAZ, Martha Giudice; KOLLER, Silvia Helena. Famílias e patriarcado: da prescrição normativa à subversão criativa. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-71822006000100007&script=sci_arttext > Acesso em: 20 fev. 2018. PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2013. SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,2004. TÁBOAS, Ísis Dantas Menezes Zornoff. Diga-me, quem te deu o direito soberano de oprimir meu sexo?: a afirmação histórica dos direitos das mulheres. Disponível em: < http://seer.franca.unesp.br/index.php/direitoalternativo/article/view/318/370 > Acesso em: 20 fev. 2018. TAMANINI, Marlene. Cosmologia e o mundo das deusas: as raízes da desigualdade. In: SARTORI, Ari José (org.); BRITTO, Néli Suzana (org.). 3.ed. Florianópolis:Genus,2008. Comments are closed.
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