Uma das várias críticas ao nosso sistema processual penal é a existência de diversos recursos, o que na visão de muitos contribui com o aumento da impunidade.
Inclusive, para encorpar os defensores da tese de que existem muitos recursos, e que acabam sendo utilizados como “manobras protelatórias com o proposito de retardar a aplicação da Lei Penal”, o Ministro Luís Edson Barros do Supremo Tribunal Federal, em conjunto com o Ministro Rogério Schietti do Superior Tribunal de Justiça encomendaram um estudo, cuja conclusão foi que menos de 1%[1]dos Recursos (atenção – não confundir recurso com habeas corpus) julgados pelo STJ resultou na absolvição. Tal estudo foi utilizado pelo Ministro Barroso quando sustentou seu voto em sentido favorável à execução provisória da pena, no julgamento do HC 152.752 impetrado em favor do ex-Presidente Lula, julgado pelo Plenário do STF, com o sentido de que foram raros os casos em que uma condenação após a Apelação foi revertida por Recursos interpostos no STJ, situação que permitiria o cumprimento da pena logo após o término do segundo grau de jurisdição. Independente do resultado da pesquisa encomendada pelos Ministros, ainda que a taxa de êxito nos recursos encaminhados ao STJ fosse menor que 1%, tanto, Recurso Especial quanto Agravo em Recurso Especial estão previstos em Lei e quando providos podem alterar substancialmente o caso penal. Sem entrar no ponto de que parece um tanto quanto estranho utilizar uma pesquisa para fundamentar a execução provisória da pena, isto porque se realmente existissem argumentos jurídicos não haveria necessidade de utilizar de malabarismos hermenêuticos para justificar a possibilidade de antecipar o momento de impor o cumprimento de uma pena sem trânsito em julgado. Apenas como forma de demonstrar a utilidade dos Recursos de competência do Superior Tribunal de Justiça, vamos abordar um caso concreto recente, para tentar fazer um contra ponto na discussão. A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a um Agravo em Recurso Especial, e declarou nula a decisão inicial que determinou a quebra do sigilo telefônico, bem como as decisões que determinaram a prorrogação da medida, em razão de manifesta ausência de fundamentação. Calma, você não leu errado! O precedente é referente ao julgamento de um Agravo em Recurso Especial, interposto quando o Tribunal nega seguimento ao Recurso Especial. Por ser um Recurso com reduzida taxa de êxito e que obsta o trânsito em julgado, é tido como um grande vilão na eterna luta conta à impunidade. Vamos a ementa do julgado: STJ– PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVOS EM RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÃO INICIAL DE QUEBRA E PRORROGAÇÕES. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA MEDIDA EXCEPCIONAL. ILEGALIDADE RECONHECIDA. PROVIMENTO. 1. É exigida não só para a decisão que defere a interceptação telefônica, como também para as sucessivas prorrogações, a concreta indicação dos requisitos legais de justa causa e imprescindibilidade da prova, que por outros meios não pudesse ser feita. 2. Diante da ausência de fundamentação suficiente e válida, resta considerar eivadas de ilicitude a decisão inicial de quebra do sigilo, bem como as sucessivas decisões que deferiram as prorrogações da medida de interceptação telefônica. 3. Recurso especial provido para declarar nula a decisão inicial de quebra do sigilo telefônico e as sucessivas prorrogações e, bem assim, das provas consequentes, a serem aferidas pelo magistrado na origem, devendo o material respectivo ser extraído dos autos, procedendo-se à prolação de nova sentença com base nas provas remanescentes, estendido seus efeitos aos demais corréus, ficando prejudicadas as demais questões arguidas nos agravos e recursos especiais[2]. Para entender as especificidades deste caso concreto é necessário analisar brevemente alguns trechos do voto proferido pelo Ministro Relator Nefi Cordeiro para entender a gravidade da situação, que infelizmente é mais normal do que se imagina. Eis o voto. No caso, a decisão inicial de quebra do sigilo telefônico, proferida em 25/1/2008, foi confeccionada por meio de cota manuscrita pelo juízo de primeira instância. Da tentativa de leitura da referida decisão constante dos autos não foi possível entender o que foi escrito (fls. 4/5 - Ap. 17). De todo modo, considerando que a decisão foi proferida em um único parágrafo, deduz-se a total impossibilidade de estar contido no decisório fundamentação hígida que demonstrasse a presença de indícios razoáveis da autoria e da materialidade, a imprescindibilidade da medida, e demais requisitos legais indispensáveis à produção de prova tão invasiva quanto excepcional. Ademais, a prolação de decisão que não permite ao jurisdicionado sequer entender o que foi escrito, inevitavelmente se equipara à decisão nula por ausência de fundamentação, esbarrando, por consequência, no princípio constitucional da motivação das decisões, previsto no art. 93, IX, do permissivo legal. Não bastasse, as três consequentes prorrogações foram proferidas com o seguinte teor (fls. 43, 59 e 92 - Ap. 17): DEFIRO o pedido de prorrogação da interceptação telefônica para os números (...), pelo prazo de 15 dias, conforme requerido às fls. (...). Consoante se observa, as decisões de prorrogação tampouco foram fundamentadas, encontrando-se, portanto, despidas de quaisquer elementos de convicção que efetivamente indiquem a sua necessidade, o que impõe o reconhecimento da ilicitude das provas produzidas. (...). No caso o Magistrado de 1º grau deferiu a quebra inicial do sigilo telefônico através de um despacho manuscrito em um único paragrafo, cuja leitura se revelou um desafio. Já as decisões que autorizaram a prorrogação da medida por três vezes, tratam-se de despachos de duas linhas sem qualquer fundamentação específica. Não bastasse o Magistrado deixar de utilizar um computar, em poucas linhas e com grafia de difícil compreensão, decretou a interceptação telefônica. E na sequência, renovou a medida por três vezes, com despachos lacônicos. Ao que tudo indica, a defesa alegou nulidade em memoriais finais, porém o próprio Magistrado de 1º grau afastou a tese defensiva e condenou os réus. A mesma situação voltou a ocorrer no julgamento da Apelação, quando três Desembargadores entenderam como normal o deferimento inicial manuscrito em poucas palavras, bem como as prorrogações das interceptações em despachos genéricos, e a condenação imposta na sentença foi mantida. A defesa de um dos réus interpôs Recurso Especial para alegar a nulidade da decisão que determinou a quebra do sigilo telefônico, bem como as sucessivas decisões que prorrogaram a medida por ausência de fundamentação. Já a defesa do outro réu também interpôs Recurso Especial, porém alegou outras teses. Na análise da admissibilidade, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou seguimento ao Recurso Especial que tratava da nulidade das interceptações telefônicas, por entender que a matéria exigiria nova análise de provas (Vedado pela Súmula nº 7 do STJ). Negado seguimento, a defesa interpôs Agravo em Recurso Especial, que no julgamento pela 6ª Turma do STJ foi provido, para decretar a nulidade das interceptações telefônicas e também a exclusão dos autos das provas anuladas. Portanto, ainda que o provimento do Agravo em Recurso Especial não tenha causado a absolvição, o Superior Tribunal de Justiça determinou a exclusão de todo o material probatório contaminado pela nulidade das interceptações telefônicas, e a prolação de uma nova sentença. Em resumo, dois servidores públicos perderam seus cargos e foram condenados pelo Magistrado de 1º grau, sendo que o colegiado do Tribunal manteve a condenação e negou seguimento ao Recurso Especial que tratava a nulidade das interceptações telefônicas, o que foi posteriormente reconhecida pela 6ª Turma do STJ no julgamento do Agravo em Recurso Especial. Este é meramente um exemplo da complexidade da fase recursal do Processo Penal. Não parece correto tirar a credibilidade dos Recursos de competência do STJ pela sua baixa taxa de provimento, pois se o Tribunal do Estado de São Paulo entendeu correto um despacho manuscrito e ilegível que decretou a quebra do sigilo telefônico é um sinal de que nem sempre a análise do 2º grau é suficiente. Por fim, o precedente também é bom exemplo para questionar o que fazer quando uma condenação mantida no julgamento da Apelação é revertida pelo STJ. Será que uma indenização, conforme sugerida pelo Ministro Alexandre de Mores do STF no julgamento do HC 152.752, seria suficiente para reparar a situação do caso penal analisado? Thiago Luiz Pontarolli Advogado. Especialista em Direito Penal e Processual Penal [1]http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/02/menos-de-1-dos-recursos-de-defesa-resulta-na-absolvicao-dos-reus-no-stj.html [2]STJ – Resp. 1.670.637, Nefi Cordeiro, 6ª Tª, DJ 13.03.18. Comments are closed.
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