Passar em um concurso público não é garantia de ser um bom juiz, ou um bom promotor de justiça, assim como passar no exame de ordem não é sinônimo de ser um bom advogado, aliás, infelizmente estamos bem longe disso. Apesar de cada operador do direito desempenhar sua função, o juiz é quem julga, é quem decide, e no Tribunal do Júri é o responsável pela dosimetria da pena, é responsável por dar voz, por lapidar a decisão dos jurados, por dar voz à condenação, ou seja, fixar a pena, de forma mais ou menos grave, mais ou menos justa, convertendo a condenação em pena. O subjetivismo, ou interpretação pessoal do magistrado, estopim desse artigo, vem do seguinte caso concreto, que se utiliza levianamente do HC 126292/SP para justificar as prisões. João com 41 anos de idade, emprego de soldador, salário de 1.500 reais por mês, 2 filhos pequenos e esposa para sustentar. Há quase 11 anos se envolveu em um crime de homicídio (cometido em 2005). Não ficou preso nem um só dia por tal delito. Não houve flagrante e tampouco prisão preventiva no curso do processo. João respondeu ao processo em liberdade, compareceu espontaneamente na delegacia para prestar esclarecimentos, depois em audiência de instrução e julgamento, e agora no corrente ano compareceu em Plenário. Eram três réus, somente João compareceu à sessão de julgamento. Os elementos do crime não importam para esse artigo, mas somente a título de curiosidade o sujeito chamado João de Tal, agiu em legítima defesa e seu ato se resumiu em atirar uma garrafa na vítima. Sua conduta não foi individualizada, nem pela defesa nomeada para o ato, nem pelo Ministério Público, defensor da sociedade. Assim, os jurados entenderam por 4 x 2 que João participou da morte da vítima, e o condenaram. Depois da notícia na sala secreta, o magistrado passou a proferir a sentença condenatória. Aquele é o momento mais angustiante, por mais que eu não fosse a advogada de João, passei o tempo todo ao lado dele, já que era advogada do co-réu, que não compareceu em Plenário, razão pela qual o processo foi desmembrado, e ver a injustiça sendo cometida na sua frente é dolorido, é revoltante. Eu, junto com outros colegas criminalistas discutíamos por “whats app”: Será que manda prender? Será que manda prender? Tudo isso, levando em conta a atuação de alguns juízes que estão se embasando no HC mencionado acima, para antecipar a pena. Sim, isso de forma lastimável está acontecendo em Curitiba/PR. João, primário, pai de família, com emprego e residência fixa, portador de bons antecedentes, foi condenado a uma pena de 8 anos e 6 meses, em regime fechado. DETALHE: De acordo com o subjetivismo do magistrado, realizando uma interpretação errônea do recente entendimento, proferido por alguns Ministros do STF, acerca da execução provisória, a pena deveria começar a ser cumprida naquele momento. João que chegou ao plenário solto saiu preso. João que não tinha sido preso nem 1 dia sequer por essa acusação, teve sua liberdade privada 11 anos após o “crime”, sem que nenhuma de suas condições pessoais fosse levada em conta, sem que as garantias constitucionais e processuais penais fossem observadas, sem que a dignidade da pessoa humana fosse minimamente assegurada por aquele que julga. João foi tratado naquele plenário como se bandido fosse, e esse é o grande problema, pessoas de bem, que por ventura se envolvem em um crime de homicídio, estão sendo jogadas na cadeia, nas amarras do sistema carcerário sem nenhuma cerimônia, simplesmente porque, em uma decisão que sequer possui efeito vinculativo, a execução provisória foi permitida, sem levar em conta o efeito suspensivo da apelação (recurso interposto no mesmo momento), simplesmente porque a decisão dos jurados seria soberana, então nos casos do Tribunal do Júri, a decretação de prisão (execução provisória) no ato da sentença seria permitida. Felizmente, 12 dias após a prisão, João foi liberado em sede de Habeas Corpus impetrado no Tribunal de Justiça do Paraná. Mas perdeu seu emprego, e agora como vai sustentar sua família? Os operadores do direito não podem em nenhum momento se dar ao luxo de esquecerem que estão lidando com VIDAS e não com meros cadastros, como são chamados os presos inseridos no sistema penal e tampouco podem sair por ai aplicando decisão que não é vinculativa, que não é jurisprudência, que sequer é súmula, que não é lei,sem nenhum cuidado e cautela para com o próximo, para com o cidadão. Mariana Cantú Advogada
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