As autoras fazem uma interessante conexão entre a violência contra mulher e o filme "Vidas Partidas", o qual é um retrato verdadeiro das formas e ciclos da violência doméstica e familiar contra a mulher, representando o contrário do conhecido ditado “a vida imita a arte mais do que a arte imita a vida”, pois na verdade a arte reflete de forma perfeita a vida daquelas que sofrem a violência dentro de seus lares, não havendo ficção ou fantasia, é a verdade apresentada de forma chocante para a sociedade para a tão necessária reflexão. Por Bruna Isabelle Simioni Silva e Jussimara de Oliveira Rosa de Paula Vidas partidas é sem sombra de dúvidas a cópia perfeita e fiel da vida de muitas mulheres, abraçando a problemática e a complexidade do tema, frente a triste realidade que por inúmeros motivos se silenciam a esse cenário absurdo e abusivo.
O filme transmite uma pequena partícula do cenário vivido por milhares de mulheres, que, inclusive, foi objeto de estátisticas apresentadas pela ONU onde menciona que “um terço das mulheres em todo o mundo experimentou alguma forma de violência em suas vidas”. (NAÇÕES UNIDAS) A narrativa entre Graça e Raul, demonstra com exatidão as fases de um ciclo que é constantemente repetido quando praticada a violência doméstica e familiar contra a mulher. Nas primeiras cenas Raul demonstra um amor intenso por Graça, ganhando a sua confiança, porém, com o passar do tempo, já na relação íntima do casal é possível identificar um perfil dominador e agressivo, afirmando a existência da primeira fase do ciclo de violência, em que “o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva”, enquanto a vítima acredita que alguma conduta tomada por ela tenha sido o determinante para a conduta do parceiro, evitando manter qualquer comportamento que possa deixá-lo irritado, escondendo dos familiares e amigos os acontecimentos. (INSTITUTO MARIA DA PENHA) A questão da construção profissional feminina, onde é possível verificar o incomodo que trouxe a Raul quando Graça foi reconhecida profissionalmente, refletindo no início da segunda fase do ciclo, que corresponde aos atos e a materialização da violência. (INSTITUTO MARIA DA PENHA) Por diversas vezes Graça é violentamente agredida, a cena mais enfática foi quando Raul a joga contra um móvel de vidro. Registra-se que essa cena em específico ocorre logo após uma conquista profissional, motivado pelo intenso sentimento de ciúmes e insegurança, evidenciando que “as causas da violência são descritas principalmente pelo ciúme e jogo de poder” e “associadada à questão da construção social dos papéis masculinos e femininos e da desigualdade existentes nas relações de gênero”. (FONSECA; RIBEIRO, LEAL, p. 312) O que nos remete à divisão sexual que era realizada a partir das atividades produtivas (BORDIEU, p. 44), ou seja, com as noções de propriedade privada, posses e pápeis desempenhados, onde atribuía-se aos aos homens “as atividades oficiais, públicas, de representação” (BORDIEU, p. 44), e às mulheres as atividades e atribuições familiares ligadas ao ambiente doméstico, sendo excluída dos lugares públicos, sendo aniquilada socialmente, reproduzindo uma “formação de invisibilidade e emudecimento da mulher” (MARTINS, p. 24), sendo considerada como isenta de valor moral e intelectual. As demais formas de violência também são evidenciadas no filme que apresenta a violência psicológica, que é uma destruição silenciosa e sem marcas passíveis de serem vistas, mormente quando a mulher torna-se totalmente submissa à situação, entregando-se à destruição e à manipulação sexual, forçando em vários momentos a companheira a manter relações sexuais, mesmo quando Graça estava impossibilitada e contra sua vontade. Ainda, presente se faz no roteiro a violência patrimonial, quando Raul apodera-se do automóvel de Graça e sem sua autorização o vende para obter vantagens na investigação do crime de roubo forjado cometido por ele. Chega-se a uma terceira fase da violência com demonstrações de arrependimento e comportamento carinhoso por parte de Raul, “também conhecida como ‘lua de mel’” ficando Graça “confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade” (INSTITUTO MARIA DA PENHA) sobretudo pela existência de filhos advindos do relacionamento e acreditando na alteração de comportamento. Mesmo quando do julgamento no plenário do Tribunal do Júri Graça ainda parece não acreditar na violência sofrida e que Raul pudesse ter cometido atos de violência atentando contra a sua vida. Por fim, vidas partidas é o retrato verdadeiro das formas e ciclos da violência doméstica e familiar contra a mulher, representando o contrário do conhecido ditado “a vida imita a arte mais do que a arte imita a vida”, pois na verdade a arte reflete de forma perfeita a vida daquelas que sofrem a violência dentro de seus lares, não havendo ficção ou fantasia, é a verdade apresentada de forma chocante para a sociedade para a tão necessária reflexão. Bruna Isabelle Simioni Silva Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia, Graduada em Direito, Professora de Direito Penal e Processual Penal - Graduação e Pós Graduação. Advogada criminalista. Jussimara de Oliveira Rosa de Paula Acadêmica da Graduação em Direito do Centro Universitário Internacional - UNINTER. REFERÊNCIAS BORDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kuhner. 2. ed. Rio de Janeiro, 2002. Chefe da ONU alerta para aumento da violência doméstica em meio à pandemia do coronavírus. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/chefe-da-onu-alerta-para-aumento-da-violencia-domestica-em-meio-a-pandemia-do-coronavirus/>. Acesso em: 23 abril 2020. FONSECA, Denire Holanda da; RIBEIRO, Cristiane Galvão e LEAL, Noêmia Soares Barbosa. Violência doméstica contra a mulher: realidades e representações sociais. Psicologia e Sociedadade. 307-314, 2012. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/psoc/v24n2/07.pdf>. Acesso em: 04 jul. 2020. INSTITUTO MARIA DA PENHA. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/. Acesso em 04 jul. 2020. MARTINS, Alessandra Camarano. A (in)visibilidade da mulher como estratégia de manutenção do patriarcado e das desigualdades sociais, aparelhadas pelo sistema capitalista. In: _____. (org.). Feminismo, pluralismo e democracia. São Paulo: LTr, 2018. p. 24.
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