A linguagem possui suas especificidades a depender do local em que é empregada. Digo aqui a linguagem enquanto numa forma determinada desta quando falada ou escrita. É dizer que de acordo com o ambiente em que uma linguagem estiver inserida, contornos próprios a revestirão. Mesmo dentro de um cenário geográfico em comum onde se compartilhe uma língua única, variações acabam sempre ocorrendo dentro desse espaço. Os fatores apontados podem ser diversos, mas tomemos a regionalização como sendo uma das principais causas das variações da linguagem. No Brasil, por exemplo, um mesmo alimento é chamado de mandioca, aipim ou macaxeira, isso a depender do local em que a nomenclatura da coisa seja dita. Têm-se ainda as formas não convencionais da linguagem (pelo menos não num aspecto formal): as famosas gírias. Também dependendo do cenário em que se situem, as gírias compõem a linguagem de um segmento determinado e específico. Gírias existentes em “tribos urbanas”, em cidades, em ambientes próprios, enfim, onde quer que seja, estas fazem parte da linguagem. É um modo próprio de dizer as coisas. É um linguajar que é compartilhado dentro de um determinado meio. O ambiente prisional é um exemplo de onde tal fenômeno ocorre, vez que possui sua própria linguagem, cujas gírias constituem o linguajar do cenário “atrás das grades”. Dentre os problemas existentes no fenômeno da prisionização, Alvino Augusto de Sá cita alguns que surgem por serem “inerentes à própria natureza do cárcere”: “o isolamento do preso em relação à sua família, a sua segregação em relação à sociedade, a convivência forçada no meio delinquente, o sistema de poder (controlando todos os atos do indivíduo), relações contraditórias e ambivalentes entre o pessoal penitenciário e os presos (o pessoal oferece-lhes apoio e assistência, ao mesmo tempo em que os contém, os reprime e os pune, entre outros”. Assim, tem-se um ambiente propício para que uma linguagem própria surja. O interessante é que os exemplos de tal tipo de linguagem, para além daqueles concretos que são conhecidos pelos que estão habituados ao cenário em questão (policiais, reclusos, advogados, juízes, promotores, agentes carcerários, psicólogos...), acabam sendo também encontrados na literatura. Menciono aqui dois exemplos. Em “O último dia de um condenado”, de Victor Hugo, temos o relato dos últimos dias de um homem que foi condenado à morte. No livro, o protagonista confidencia ao leitor todo o sofrimento de seus últimos instantes de vida. Em determinada passagem, vemos a exposição da questão da linguagem no ambiente prisional, quando o autor, através do protagonista da obra, contando sobre o contato que teve com outros reclusos no ambiente prisional, assim nos diz:
“Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, é outro clássico que merece menção. Em que pese o linguajar utilizado no ambiente em especifico na história não seja o do sistema carcerário propriamente, as gírias são utilizadas por meliantes, por criminosos, por insurgentes, enfim, por quem faz parte de um segmento específico naquela sociedade narrada na obra. Temos assim diversas palavras que são utilizadas de tal modo na história, cuja riqueza construtiva de exemplos acaba por constituir quase que um dialeto próprio. Sumka é mulher (dito de uma forma pejorativa), enquanto tia pecúnia é dinheiro. Saboga, skivatar e horrorshow significam sapato, tomar algo de alguém e excelente, respectivamente. E por aí vai. Deste modo, podemos observar que dentro de determinados contextos vinculados ao sistema penal há a existência de um linguajar próprio, a saber, as gírias. Para os que não estão inseridos, seja da forma que for, em tal meio, a literatura possui alguns bons exemplos que podem ser observados sobre como a coisa toda se dá. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BURGESS, Anthony. Laranja Mecânica. São Paulo: Aleph, 2014. HUGO, Victor. O Último Dia de um Condenado.São Paulo: Estação Liberdade, 2010. SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia Clínica e Psicologia Criminal. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
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