Aldous Huxley foi um daqueles autores que antecipou o futuro por meio de um romance. As previsões do autor sobre a sociedade e a forma desta em se portar, se conduzir e se estabelecer enquanto própria foram registradas em sua escrita. “Admirável Mundo Novo”, sua obra maestral, já pode ser vista de maneira concreta, aqui, no presente, em alguns pontos quando comparada com o nosso mundo atual. Os acertos são assombrosos. Por mais que gostaríamos que fossem meras coincidências, basta fazer uma leitura detida e reflexiva sobre a obra para atestar que o romance serve como uma denúncia preventiva. Digo hoje aqui sobre um dos vários pontos altos da obra: o soma. Soma é uma droga utilizada pelos personagens do mundo distópico de Aldous Huxley, cuja finalidade é a de afastar a tristeza da vida de todos os cidadãos. A função da droga, portanto, é a de proporcionar a felicidade. O vazio, o tédio, o desespero ou qualquer sentimento ou sensação causado pela tristeza acabam como sendo superados pela milagrosa droga ‘soma’. Felicidade é o mote da sociedade de “Admirável Mundo Novo”. O ‘soma’ pode ser contextualizado com o nosso mundo de diversas formas. A televisão como única forma de entretenimento, os remédios desnecessários, o vício nas redes sociais, enfim, tudo aquilo que numa determinada escala acaba proporcionando uma felicidade prejudicial ao indivíduo. Seja como for, seja a forma com a qual a droga de “Admirável Mundo Novo” acabe sendo interpretada, o fato é que o ‘soma’ está presente em nosso mundo muito mais do que gostaríamos ou admitimos. Dentre as possibilidades de se visualizar o ‘soma’ presente em nossa sociedade, temos a espetacularização das prisões. Sim, pois o espetáculo do sistema penal acaba acalentando o ânimo de muitos. O show de horrores que é o sistema prisional é o ‘soma’ de alguns. O cumprimento de mandados de prisão televisionadas proporcionam a felicidade da nação. Não se quer saber se culpado ou inocente, qual o motivo da constrição, se a segregação é de fato necessária naquele caso. Não. O ato basta. A dose é necessária para regular e manter o humor. A felicidade construída em cima de um terreno arenoso. O ‘soma’ que se traduz nas prisões funciona como uma válvula de escape para frustrações, obsessões e infernos pessoais. Neste sentido, a psicanálise tem muito a nos ensinar. Alexandre Morais da Rosa, ao explanar acerca dessas questões presentes nas decisões judiciais, pontua que:
Ainda na questão do espetáculo das prisões como sendo o ‘soma’ de Huxley, necessário se faz citar a fala de Rubens Casara, cuja exposição certeira dá o sustento para a abordagem aqui realizada:
Note-se, portanto, a insistência em se estabelecer o sistema penal como a panaceia da sociedade. Na presente exposição, tem-se o espetáculo prisional como o ‘soma’ para proporcionar e se manter a felicidade de todos os membros da sociedade. E é isso. Aqui apenas uma denúncia com base na denúncia de Huxley. Um alerta (ou um lembrete). Encerro aqui deixando apenas algumas das mensagens transmitidas por Huxley em “Admirável Mundo Novo”: até que ponto o ‘soma’ é de fato necessário? Quando a felicidade proporcionada pela droga passa a ser nociva? Quem define e quem decide que essa tal felicidade deve ser constante e alcançada por qualquer meio? Não haveria algo de errado na busca da felicidade através de tal meio? Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura BIBLIOGRAFIA CONSULTADA CASARA, Rubens R. R. Processo Penal do Espetáculo: ensaios sobre o poder penal, a dogmática e o autoritarismo na sociedade brasileira. 1ª Ed. Florianópolis: Empório do Direito. p. 11 HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo.Rio de Janeiro: Bradil,1969 ROSA, Alexandre Morais da. Para um (im)possível diálogo entre Processo Penal e Psicanálise. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/para-um-impossivel-dialogo-entre-processo-penal-e-psicanalise-por-alexandre-morais-da-rosa/. ISSN 2446-7408.Acesso em 27/11/2016. Comments are closed.
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