As voltas que a vida dá! Respeite o Advogado Criminal, pois um dia você poderá precisar dele!9/13/2016
Lembranças da ilha - A volta da maçã
Não é segredo para ninguém que sou egresso do sistema prisional, sou um sobrevivente, não tenho dúvidas! Contudo, vale aqui lembrar que sou oriundo de uma família de classe media baixa, com um Pai muito honesto, rígido, mas extremamente reacionário em relação à visão maniqueísta de bem e mau, e em relação a questão das drogas, crimes etc. Meu querido e amado Pai pagava suas contas antes do vencimento, para assim evitar receber qualquer carta de cobrança. Era um homem que tinha profunda ojeriza dos ditos “bandidos”. Tenho a lembrança do mesmo ao passar perto de um presidio apontar e falar:“ali ficavam os marginais”, que o governo deveria jogar uma bomba, pois aqueles que lá estavam eram carne podre, e não adiantava salgar... De igual sorte tinha amigos que pensavam da mesma forma, lembro que ele tinha um Amigo de nome Antônio Arriba, este amigo de meu Pai sempre ia para a minha casa pela manhã, onde pegava carona para o serviço, tendo em vista que trabalhavam na mesma empresa. Nestas ocasiões, sempre ouviam pelo Radio um programa policialesco de nome “Radio policia” que era apresentado por uma mulher com a voz cavernosa de nome Glória Lopes, o bordão deste programa era: “se você não quer que o crime apareça, não deixe que ele aconteça”, era dos muitos programas “pinga sangue” que até hoje povoam as ondas radio difusoras de norte a sul do Brasil. Ao ouvir as chamadas sempre recheadas de tragédias e dramas, onde os acusados eram sempre pintados como monstros, meu Pai e Antônio Arriba até tremiam de raiva dos “bandidos” que eram ali expostos, diziam: “tem que colocar em praça publica e deixar a multidão esfolar em vida”... Fato é que o mundo deu voltas para meu Pai e o seu filho mais velho foi parar dentro do local que ele dizia que era reservado aos “marginais, aos bandidos”, meu Pai aprendeu na prática que não podemos apontar o dedo e tampouco julgar, pois temos filhos e netos, temos amigos e pessoas a quem queremos bem, e eles podem sim cair dentro de uma cadeia. Igual sorte não teve o Antônio Arriba, o tempo passou, e perdi totalmente o contato com o mesmo. Fui preso, condenado, cumpri minha sentença, sobrevivi, estudei, me graduei em direito, e após muito tempo, e já em liberdade, reencontro por força do acaso com o Amigo de meu Pai pelas Ruas de Belo Horizonte, cidade onde moro, e travamos o seguinte dialogo: Antônio Arriba: Que bom te reencontrar Greg, o que está fazendo da vida, fiquei sabendo que se formou para Advogado, fico muito feliz, espero que tenha tomado juízo... Eu: Sim me graduei, estou com um escritório e levando a vida com dificuldade... Antônio Arriba: E em que área você Advoga? Eu: Sou criminalista, autuo na seara penal... Antônio Arriba: Olha Gugu (como ele me chamava), não me leve a mau, mas tenho pra mim que quem defende bandido, bandido é, vá fazer outra coisa... Meio sem graça encerrei a conversa, estendo o meu cartão profissional, tendo a nítida impressão que mais uma vez estava sendo julgado... Passaram-se os meses, e eis que recebo no final de semana a ligação do Antônio Arriba, pedindo a minha intervenção profissional, pois seu único filho tinha comprado um carro roubado, e tinha caído em uma blitz de trânsito, e estava preso na delegacia... Imediatamente fui “socorrer” o cidadão, o filho de Antônio, ouvido pela Autoridade Policial e liberado mediante o pagamento de fiança, onde encerrei o meu trabalho daquela noite... Cobrei pelo ato, é claro! Mas para além disto, acho que quem ganhou foi o amigo de meu Pai, que aprendeu na própria pele, que o “bandido” não são os outros, somos nós mesmos, que não avançaremos como um projeto de sociedade enquanto não sairmos da zona do conforto em julgar, que devemos sair do pedestal impoluto dos “justos”, dos “puros”, como aqueles que sabem os caminhos da santidade, da retidão... Somos humanos demais para julgar, e que a única diferença entre eu que cometi um delito e outro cidadão qualquer, é que eu fui preso... Inverno de 2016. Greg Andrade Advogado, Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, Sobrevivente do sistema prisional.
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