Artigo de Ane Caroline dos Santos Silva e Stéfanie Santos Prosdócimo no sala de aula criminal, tratando dos aspectos constitucionais do regime disciplinar diferenciado, vale a leitura! ''As discussões sobre a RDD estão envoltas a um modelo bárbaro e arcaico, contrariando princípios previstos na Constituição Federal, assim como, a própria sistemática da Lei de Execução Penal, que objetifica “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (art.1º da LEP)''. Por Ane Caroline dos Santos Silva e Stéfanie Santos Prosdócimo Inicialmente, destaque-se a definição do termo Regime Disciplinar Diferenciado – “O regime disciplinar diferenciado é modalidade de sanção disciplinar (art. 53, V, da LEP), e para sua aplicação basta a prática do fato regulado.”[1]
Tem-se que o RDD surgiu durante rebeliões que ocorreram em penitenciárias do Estado de São Paulo, no ano de 2001. Foi instituído no Direito Brasileiro pela Resolução SAP nº 26 de 04/05/2001, em São Paulo, e com a Resolução nº 008 de 07/03/2003, no Rio de Janeiro.[2] O Governo Federal, diante da necessidade de custodiar o preso de alta periculosidade Luís Fernando da Costa, conhecido pela alcunha “Fernandinho Beira-Mar”, e da violência e força que o crime organizado adquiriu dentro do sistema prisional, apresentou o Projeto de Lei nº 5.073/01, que ensejou a Lei nº 10.792/2003, a qual alterou os artigos 52, 53, 54, 57, 58 e 60 da Lei nº 7.210/82, conhecida como “LEP”, e introduziu o RDD.[3] Vale ressaltar que, o RDD, bem como suas características, encontram previsão no artigo 52 e seguintes da LEP, o qual dispunha da seguinte redação: Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II - recolhimento em cela individual; III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol. A Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) modificou a redação do artigo 52 da LEP, que passou a estabelecer: Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie; II - recolhimento em cela individual; III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas; IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso; V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário; VI - fiscalização do conteúdo da correspondência; VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do preso. Na espécie, as alterações foram: a) no caput houve a inclusão de “nacional ou estrangeiro”; b) aumento do prazo inicial de cumprimento que passou de 360 dias para 02 anos, também, não há limitações de quantas vezes a medida pode ser imposta; c) redução à metade da quantidade de visitas, que passaram de semanais para quinzenais e d) a visita de terceiro deve ser precedida de autorização judicial.[4] Verifica-se que a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) inseriu mais três características a serem observadas aos detentos que estão sob à égide do RDD: a) entrevistas monitoradas, exceto aquelas com seu advogado, em instalações equipadas para impedir o contato física e a passagem de objetos (inciso V, do artigo 52, da LEP); b) fiscalização do conteúdo da correspondência (inciso VI, do artigo 52, da LEP) e c) participação em audiências virtuais (inciso VII, do artigo 52, da LEP).[5] Menciona-se que o Pacote Anticrime inovou ao inserir mais cinco parágrafos no artigo 52 da LEP. Nos tempos atuais há uma discussão em torno da constitucionalidade do RDD, há quem defenda, há quem não. O STJ e o STF já se manifestaram sobre o tema. O autor Baltazar Júnior[6] sustenta que o RDD é inconstitucional, para tanto, utiliza-se dos seguintes argumentos: Representa imposição de pena cruel; Viola a integridade física e moral do preso; Submete o preso a tratamento desumano ou degradante; Viola o princípio da legalidade, por não estar previsto no Código Penal; Viola a garantia da individualização da pena; Da proporcionalidade, pois a duração da penalidade é maior do que a de dispositivos do Código Penal, como no caso de crime de lesões corporais. Nesse sentido, a Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, do STJ, afirma que o instituto em estudo viola princípios norteadores da execução penal.[7] De outro bordo, há quem concorde com o RDD, estes justificam que ele não passa de uma sanção disciplinar. Nessa perspectiva, Mirabete[8] leciona: constitui medida preventiva, de natureza cautelar, que tem por fim garantir as condições necessárias para que a pena privativa de liberdade ou a prisão provisória seja cumprida em condições que garantam a segurança do estabelecimento penal, no sentido de que sua permanência no regime comum possa ensejar a ocorrência de motins, rebeliões, lutas entre facções, subversão coletiva da ordem ou a prática de crimes no interior do estabelecimento em que se encontre ou no sistema prisional, ou, então, que, mesmo preso, possa liderar ou concorrer para a prática de infrações no mundo exterior, por integrar quadrilha, bando ou organização criminosa. A ADI 4162 protocolada pelo Conselho Federal da OAB, tem por fundamento a declaração de inconstitucionalidade do RDD, de forma que este submete o preso a tratamento desumano e degradante, pois inclui isolamento prolongado, incomunicabilidade, severa restrição no recebimento de visitas, entre outros, o que implica em violação aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e garantias fundamentais da vedação à tortura, bem como, penas cruéis.[9] As discussões sobre a RDD estão envoltas a um modelo bárbaro e arcaico, contrariando princípios previstos na Constituição Federal, assim como, a própria sistemática da Lei de Execução Penal, que objetifica “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (art.1º da LEP). Por fim, observa-se que os direitos fundamentais são esquecidos, tornando notória a violência estatal, legitimada quando de forma selecionada, justificada pelo rótulo de ser preso, aos olhos da sociedade, aquele que não tem direitos, que merece ser eliminado ou sofrer, retornando aos pensamentos arcaicos de castigo e não de justiça. ANE CAROLINE DOS SANTOS SILVA Graduada em Ciências Biológicas. Graduanda em Direito, 10° período, Centro Universitário Uninter. Membro do Grupo de Pesquisa Não Somos Invisíveis. E-mail: [email protected] STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO Graduanda em Direito, 10° período, Centro Universitário Uninter. Estagiou em Departamento da Polícia Civil de 2018 a 2020. Estagiária no Ministério Público do Estado do Paraná. E-mail: [email protected] NOTAS: [1] MARCÃO, Renato. Lei de execução penal anotada. -6. Ed. Ver., ampl. E atual. - São Paulo: Saraiva, 2017. [2] FARTH, Jalile Varago. Aspectos constitucionais do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Revista Jurídica da UniFil, [S.l.], v. 6, n. 6, p. 93-107, out. 2018. ISSN 2674-7251. Disponível em: <http://periodicos.unifil.br/index.php/rev-juridica/article/view/633>. Acesso em: 17 maio 2022. [3] FARTH, idem. [4] MACHADO, Cristiane Pereira. AS ALTERAÇÕES AO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO TRAZIDAS PELO PACOTE ANTICRIME. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/90445/as-alteracoes-ao-regime-disciplinar-diferenciado-trazidas-pelo-pacote-anticrime>. Acesso em: 20 mai. 2022. [5] MACHADO, idem. [6] BALTAZAR JÚNIOR, J. P. A Constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado na Execução Penal. Revista Jurídica, jun. 2006. [7] MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Notas sobre a inconstitucionalidade da lei nº 10.792/2003, que criou o Regime Disciplinar Diferenciado na execução penal. In: CARVALHO, Salo de. CRÍTICA À EXECUÇÃO PENAL. 2ª ed. ver, ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. [8] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2004. [9] CONSELHO FEDERAL DA OAB. ADI 4162. Disponível em <https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronic. sf?seqobjetoincidente=2643750>. Acesso em: 12 jul. 2022.
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