Artigo do colunista Iverson Kech no sala de aula criminal, vale a leitura! '' A vingança não pode ser tolerada pela sociedade; nem para Poirot, por não constar em nenhuma cláusula desse contrato. O ato mecânico, frio e calculado dos assassinos no trem indica a violência, a falta de humanidade, a sordidez e a falta de engajamento em qualquer contrato que em conjunto venha a ser estipulado''. Por Iverson Kech Ferreira Para encerrar esse 2020 tão esquisito, recorro aos estudos que não mais perfazem parte de meu objeto de pesquisa atual, mas que, de tempos em tempos é impossível dispensar um pequeno flerte. Da mesma forma que deixo aos lúdicos tais estudos, é a eles que peço licença para abordar mais uma vez a temática.
Assassinato do Expresso do Oriente, escrito por Anna Mary Clarissa Miller, ou mais conhecida como Agatha Christie, foi transformado em filme em 2017, com a direção de Kenneth Branagh e participação de um elenco fascinante de estrelas. Advirto sobre a necessária revelação dos acontecimentos da obra nesse pequeno texto. Entretanto, dada as diversas diferenças entre obra escrita e filme, que se pautam nos diálogos mais charmosos de uma obra de suspense e investigação policial, o breve estudo a seguir correlaciona tanto um quanto outro, ao âmago central da questão que aqui se pretende discutir. Por óbvio, em ambas as produções o que se desvenda é o assassinato. E assim parte Hercule Poirot, para uma de suas mais estranhas aventuras investigativas. Quando, como em crimes de quarto fechado, muito utilizados por Christie e Arthur Conan Doyle; há um assassinato onde todas as pessoas presentes no local podem ser consideradas culpadas, somente a investigação por métodos, testemunhos e uma dose de intuição pode desvendar o caso. Sem nenhuma parafernália tecnológica para determinar os acometimentos da passeidade e do delito, somente uma mente aguçada e treinada como a de Poirot consegue enxergar as mentiras e as verdades entabuladas em cada depoimento. Mas o assassinato do vilão na obra simplesmente se dá por vingança. Uma volta a menos no parafuso, apertado com sustância, e que precisa ser calibrado. Para isso, a causa de uma transformação do mundo dos fatos, e a alteração da paz normativa ou a satisfação da ordem legal; levando-a a cabo: Matar alguém. Note que não existe proibição na formalidade, mas a simples execução do verbo. E é nisso que a arguta mente do detetive se prende. Ao desvendar o passado de cada um presente no trem, consegue encontrar um liame que os une, em uma conexão que não pode ser confabulada como acaso. Palavra essa dispensada pelo detetive, onde não há coincidências também não existe o imprevisto ou o acidental. Entretanto, o assassinato foi movido pela vingança; pelo voraz ímpeto de desafronta, a retaliação contra um matador inequívoco e desumano, tão acima de seus atos que nem a lei foi capaz de condená-lo. Consequência de suas andanças e experiências no submundo do crime. Para isso, o contrato inicial da vida em sociedade precisava ser desfeito. O contrato de Jean Jacques Rousseau, aspiração influente na Revolução Francesa no final do século XVIII, ao buscar uma sociedade ideal, teria de ser negado. Nessa recusa, aceita-se os ditames da penalização, ao corroborar o verbo matar, todavia, existem situação inclusas um tanto mais abrasivas. Se o poderoso, o fraco, capaz e o incapaz são submetidos igualmente à instauração de uma justiça social, cada um desses atores com suas peculiaridades, significa entender que o contrato se estende; ele não pode ser interrompido. Caso haja alguma rejeição ao contrato, este deve ser cobrado; de alguma forma. A vingança não pode ser tolerada pela sociedade; nem para Poirot, por não constar em nenhuma cláusula desse contrato. O ato mecânico, frio e calculado dos assassinos no trem indica a violência, a falta de humanidade, a sordidez e a falta de engajamento em qualquer contrato que em conjunto venha a ser estipulado. Assim, há o assassinato, por vingança. Mas começa, ao finalizar a investigação do crime, o dilema do detetive, tão absorto em sua inflexível analise de métodos e lógica. Pode o assassinato de alguma pessoa, por mais vil que seja, ser expediente para a retaliação? Ou ainda, se pelas leis pautadas numa racionalidade jurídica, pertencentes a um contrato social de liberdades e direitos; a balança nunca fora equilibrada por qualquer motivo, ela poderia vir a se nivelar pela vingança? Se a lei não foi capaz de provar algo intrínseco, um acontecimento tão verdadeiro como o cruel crime que gerou a revolta dos vingadores, a eles há alguma possibilidade de tomar a espada e fazer valer o olho por olho? A “fratura na alma”, como no filme Poirot descreve, causada pela dor e pela perda, pela convivência com o sistema falho de justiça dos homens, incapaz de condenar um poderoso, pode ser restaurada pela justiça pelas próprias mãos? Mesmo identificando não haver assassinos no trem, e não culpando os atos de cada um, o detetive se deixa levar pela comovente história daqueles personagens, fraturados e esfacelados pela maldade humana. Ainda assim, deixou agir seu lado indulgente para com a saga de vida de cada um, que precisa entrar em “paz com o acontecimento”, não os condenando. Agatha Christie; acostumada em desvendar casos de morte com seus mais famosos detetives não se conteve quando, em frente a uma avassaladora crueldade, a balança da justiça não pôde ser equilibrada pelas leis dos homens, elaborando a vingança como ideal para a convivência com o desiquilíbrio. Iverson Kech Ferreira Mestre em Direito pela Uninter. Advogado especializado em Direito Penal. Pós-graduado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, PR, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal. Graduado em Direito pelo Centro Universitário Internacional. É esquisador e desenvolve trabalhos acerca dos estudos envolvendo a Criminologia, com ênfase em Sociologia do Desvio, Criminologia Critica e Política Criminal. REFERÊNCIAS: CHRISTIE, Agatha. Assassinato no Expresso Oriente. ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. Princípios do Direito Político: https://books.google.com.br/books/about/Do_contrato_social.html?id=Li2kAgAAQBAJ&printsec=frontcover&source=kp_read_button&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false
0 Comments
Leave a Reply. |
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |