O tema proposto para análise neste momento, e pouco explorado ou simplesmente ignorado no meio militar, é a existência do crime de assédio moral dentro das instituições militares.
Venho apenas mostrar pontos para termos um olhar diferenciado sobre essa conduta que corrói a autoestima do militar perante aquela autoridade que comete assédio. Tanto a mulher como o homem podem sofrer esse tipo de assédio. A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 142, afirma que as forças armadas são organizadas com base na hierarquia e na disciplina[1]. Esse ponto é muito importante para a discussão aqui exposta. Tal organização, dentro das polícias militares e corpos de bombeiros militares, tem a mesma base. Afinal, mesmo no âmbito estadual, são militares, conforme descrito na própria Constituição Federal. Sob estes dois pilares, hierarquia e disciplina, por vezes superiores hierárquicos usam ou camuflam a conduta de assédio moral sobre seus subordinados. Conduta abominável. Bom, mas o que caracteriza o assédio moral? Vou ousar em concordar com o que vem descrito no projeto de lei nº 4742/2001 da Câmara dos Deputados que quer incluir no Código Penal Brasileiro (CPB) o artigo 146-A[2], com a seguinte redação:
Desta forma, deve ser observado aquele militar, que não tem qualquer adequação ética, bem como não possui qualidades mínimas morais para com o próximo, e extravasa seus desvios de personalidade, causando prejuízo aos demais militares na administração militar. O tema é muito complexo e as mulheres, no meio militar, também são as que mais sofrem com tal conduta. Não que os homens não sejam vítimas, mas elas são mais atingidas. O que mais nos preocupa são as consequências relativas a essas condutas. Militares entram no mundo do alcoolismo, das drogas e por vezes, acabam numa consequência fatal, o suicídio. Alertamos que, algumas vezes, a própria instituição militar não cuida de sua tropa, de forma que aquele militar só tem serventia enquanto tiver saúde e não apresentar nenhum problema. Quando o problema surge, o melhor remédio pode ser se livrar do militar “doente”, mas como? PUNINDO, é claro, conforme seus estatutos disciplinares. Segundo Campos (2004, p. 17):
Brilhante explicação do professor Doutor Diogo Leite de Campos quando nos fala que as relações interpessoais são de suma importância para o homem. Deve-se lançar um olhar sobre o “outro” como ser humano, como detentor de direitos pessoais. Segundo Miranda (2017, p. 17):
Como bem apontado pelos nobres doutrinadores, antes de serem militares, são pessoas que merecem o devido respeito dentro de suas corporações. Vê-se que o tema requer uma análise com bastante cautela, para que a norma seja aplicada ao caso concreto de forma correta, sem distorções. Mas, fica a seguinte pergunta: não existe na legislação penal castrense algo que proteja o militar que está na situação de assédio? Vejamos, então, alguns dispositivos. Temos inicialmente o artigo 174 do Código Penal Militar (CPM)[3], que trata da infração penal de “Rigor Excessivo”, podendo ser adotado plenamente em processos de assédio moral. Na sequência, temos a conduta descrita no artigo 175 do CPM[4], prevendo o delito de “Violência contra Inferior”, e a conduta criminosa de “Ofensa aviltante a inferior”, prevista no artigo 176 do mesmo diploma[5]. Não podemos deixar de apontar os tipos penais que se encontram no CPM (também previstos no CPB), que podem ser aplicados com o mesmo rigor, em se tratando de assédio moral, aqui elencados: a) art. 205 (Homicídio); b) art. 207 (Provocação Direta/Indireta ou Auxílio ao Suicídio); c) art. 209 (Lesão Corporal); d) art. 213 (Maus-Tratos), e e) artigos 214 a 217 (Crimes contra a Honra). Podemos fazer, especificamente, menção ao artigo 213 do CPM[6], pois a instrução militar é uma das formas cotidianas do “ofício militar”, e no exercício deste oficio, por vezes, são ultrapassados os limites que atingem de forma constante o instruendo. Assim, rogamos ao nosso poder legislativo que criminalize rapidamente esta conduta, realizada por seres que nem podemos chamar de pessoas. A hierarquia e a disciplina não podem ser utilizadas como armas para uma conduta que degrada a pessoa, podendo destruir vidas, dos que sofrem o assédio calado, e daqueles que perdem seu ente querido. Raimundo de Albuquerque Advogado Criminalista Mestrando em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) Especialista em Ciências Penais Secretário-Geral e Coordenador de Direito Penal ESA/RR Professor na graduação e pós-graduação em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia do Centro Universitário Estácio da Amazônia Membro do International Center for Criminal Studies (ICCS) [1] Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (grifo nosso) [2] Projeto de reforma do código penal, sobre assédio moral. Disponível em: <http://www.assediomoral.org/spip.php?article81>. Acesso em: 14 fev. 2018 [3] Rigor excessivo Art. 174. Exceder a faculdade de punir o subordinado, fazendo-o com rigor não permitido, ou ofendendo-o por palavra, ato ou escrito: Pena - suspensão do exercício do pôsto, por dois a seis meses, se o fato não constitui crime mais grave. [4]Violência contra inferior Art. 175. Praticar violência contra inferior: Pena - detenção, de três meses a um ano. Resultado mais grave Parágrafo único. Se da violência resulta lesão corporal ou morte é também aplicada a pena do crime contra a pessoa, atendendo-se, quando fôr o caso, ao disposto no art. 159. [5] Ofensa aviltante a inferior Art. 176. Ofender inferior, mediante ato de violência que, por natureza ou pelo meio empregado, se considere aviltante: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no parágrafo único do artigo anterior. [6] Maus tratos Art. 213. Expor a perigo a vida ou saúde, em lugar sujeito à administração militar ou no exercício de função militar, de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para o fim de educação, instrução, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalhos excessivos ou inadequados, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de dois meses a um ano. Formas qualificadas pelo resultado § 1º Se do fato resulta lesão grave: Pena - reclusão, até quatro anos. § 2º Se resulta morte: Pena - reclusão, de dois a dez anos. REFERÊNCIAS BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Brasília, DF, out 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14 fev. 2018. BRASIL. DECRETO-LEI Nº 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969. CÓDIGO PENAL MILITAR, Brasília, DF, out 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1001.htm>. Acesso em: 14 fev. 2018. CAMPOS, Diogo leite de. Nós. Estudo sobre o direito das pessoas. Coimbra: Almedina, 2004. MIRANDA, Jorge. Direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2017. Comments are closed.
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