Quando se estuda sobre o Direito Penal Ambiental, depara-se com dois princípios conflitantes. Trata-se do Princípio da Precaução que se encontra pautado no Direito Ambiental – que é considerado como bem jurídico tutelado – e o Princípio da Intervenção Mínima que está enraizado no Direito Penal, sendo esta vertente do Direito a sua ultima ratio, ou seja, somente deve ser utilizado aos problemas sociais que não se resolvem com os outros ramos do Direito.
No tocante à importância do tema, de acordo com Milaré (2011, p. 1274/1275) “O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na sua concepção moderna, é um dos direitos fundamentais da pessoa humana, o que, por si só, justifica a imposição de sanções penais às agressões contra eles perpetradas, como extrema ratio”. Novamente, percebe-se por essa leitura: o meio ambiente deve existir tão somente para assegurar a existência dos seres humanos. Em nenhum momento, sob a lógica desses direitos, consegue-se verificar uma perspectiva de simbiose entre Homem e Natureza, para se resgatar um termo da Biologia. O que se privilegia é a Pessoa Humana. O que se proíbe e se previne é a atitude humana em excesso. As sanções são para, de um lado, aqueles que destroem o meio ambiente, seja pela privação de liberdade ou por meio de multa pecuniária, no entanto, nada em faz em prol das vidas que habitam os diferentes ecossistemas. Como entender essa complexa relação nessa colisão de princípios? Deve-se enfatizar que é sempre por meio do Princípio da Precaução no qual se orienta a proteção jurídica do meio ambiente, haja vista que não há de se aguardar a ocorrência de um dano gravoso ao meio ambiente para que as instituições reajam para coibir algo que poderia não ter acontecido se fosse utilizado algum método preventivo. Essa máxima ocorre, principalmente, pelo fato que muitas agressões ao meio ambiente são de difíceis reparações, ou dependendo do caso, até mesmo impossíveis de reparar, atingindo uma coletividade. Quem perde? Todos. Quem são “Todos”? A cadeia vital, ou seja, não se trata unicamente dos seres humanos e seus interesses. Para se compreender o tema com a devida clareza, faz-se necessário abarcar sobre no que consiste o dano, haja vista que a temática do presente texto trata dos crimes de danos contra o meio ambiente. Para tanto, Carnelutti (2007, p. 22), explica sobre a estrutura física do delito sob a ótica do dano, conceituando que:
A cada dia que passa, aumenta-se a preocupação com a preservação do meio ambiente equilibrado e saudável, haja vista que não há de se falar de um padrão de vida digna sem este. Nesse sentido, pela relevância do tema a nível mundial, foram tutelados ao Direito Penal os danos considerados graves contra o meio ambiente com o intuito de prevenir maiores destruições, aonde muitas chegam até mesmo a ser irreversíveis. É nesse cenário que emana uma quase interminável edição de vários tipos incriminadores penais e da verificação de seus tratamentos no processo penal. Pode-se incluir nessas afirmações outro ponto de extrema clareza: quais são os limites da jurisdição penal quando se trata de Bens Comuns[1]? Os danos perpetrados contra o meio ambiente são de difícil identificação de seus autores, especialmente pelo seu caráter difuso e que entra em conflito com diferentes jurisdições. Quanto maior são as agressões industriais e econômicas, quanto maior for a indiferença política com a necessidade de articulação mundial na preservação da Natureza e seus ambientes, menor será a eficácia, eficiência e efetividade dessas sanções penais, seja no nível global, seja na realidade nacional. Sob o aspecto político-criminal, é necessário que o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal tenha suficiente respaldo social para que se possa cumprir com o real sentido das sanções que advém da penalização imposta pelo legislador. Esse respaldo social, no entanto, precisa ser entendido em termos de ação para que qualquer pessoa, mesmo sem o respaldo das responsabilidades exclusivas originarias da “cidadania”, possa ter legitimidade a fim de utilizar todos os mecanismos legais possíveis no intuito de preservar os ciclos regenerativos, restaurativos e reprodutórios. A proteção do mundo natural não depende os limites impostos pela soberania de cada país. Por esse motivo, é importante salientar que, em meio das atuais crises ambientais, junto com a evolução da tecnologia e da indústria, somada com o aumento exacerbado e desenfreado do consumo, o meio ambiente ficou a mercê da ambição humana e do capitalismo mercantil, surgindo a necessidade de conceder ao Direito Penal, as ações mais gravosas cometidas contra o meio ambiente. Leia-se, atribuiu-se a tutela jurídico-penal aos atos considerados tão graves, que seria ineficaz os seus enquadramentos na esfera cível ou administrativa. Nesse sentido, Milaré (2011, p. 1277) corrobora que:
Qualquer excesso a este limite adentra-se no expansionismo penal. É imprescindível que o legislador se atente para não extrapolar as barreiras do bom senso e da coerência jurídica. É necessário acautelar-se para não criminalizar condutas que podem, tranquilamente, serem resolvidas por outras áreas do Direito. Deve, o Direito Penal, ser o último remédio para curar os males sociais, porém, como se sabe, todos os remédios ministrados em excesso, pode levar o paciente a óbito. Leia-se paciente, pautado na analogia, o próprio Estado Democrático de Direito. Não obstante, a matéria dos crimes ambientais não encontra sua base no Código Penal, estando descrita na Lei n.º 9.605/98, denominada por Lei dos Crimes Ambientais, que foi criada a partir do parágrafo 3º, do artigo 225 da Constituição Federal, a qual preceitua que “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Todavia, a partir da leitura de alguns artigos da Lei de Crimes Ambientais, denota-se a existência de excessos por parte do legislador, o que infringe a categoria de Direito Penal Mínimo, atribuindo a esfera criminal, o que poderia ser resolvido no âmbito administrativo ou civil. Cita-se como exemplo o disposto no artigo 60 do referido diploma, o qual dispõe:
A partir da leitura do dispositivo, percebe-se que suficiente seria a resposta de outros ramos do Direito, que não o Direito Penal, uma vez que a problemática exposta pode se solucionar por meio do termo de ajustamento, onde infrator resolve a situação cumprindo com as medidas cabíveis autorizadas por lei[2], respeitando, contudo, a máxima do Direito Penal Mínimo. Segundo Milaré (2011, p. 1280):
No tocante a não observância dos princípios da intervenção mínima, e até mesmo da insignificância, no que tange a desproporcionalidade de alguns artigos da Lei dos Crimes Ambientais, a saber, artigos, 32, 34, 42, 44, 60, entre outros, Prado (2001, p. 32) explica que “da mesma forma, é de se reconhecer que com o recente texto legal afirma – se, claramente, ao lado da criminalidade tradicional-numa situação de equipolência – a ideia do injusto penal ambiental, fruto de uma sensibilidade social emergente”. Ainda, em seguida, o mesmo autor segue esclarecendo que:
Em suma, compreende-se que essa estética punitivista, com a falsa pretensão de solucionar os conflitos ambientais da Sociedade, assim como todo o contexto criminal vigente em nosso país, figura-se como mais uma falácia sem efetivo resultado, entretanto, os potenciais danos causados ao Meio Ambiente igualmente não devem ser levados ao completo descrédito, verificando-se assim a responsabilidade na esfera administrativa e cível, sem maiores interesses, mas efetivando a Justiça em prol de um sublime interesse coletivo, a saber, a preservação da vida e a valorização do ambiente presente. Ainda sim, percebendo a real dimensão do dano causado, e principalmente a transnacionalização do Direito, como bem enfatiza STAFFEN (2015, p.22): ‘’a força motriz do Direito já não é mais os anseios da limitação jurídica dos poderes domésticos absolutos’’, ou seja, já está na hora de uma conscientização global emergir no que tange a Educação Ambiental e a identificação sistêmica das conexões ecológicas da vida, tudo está interligado, o dano causado em terras brasileiras embora possa responsabilizar os agentes internos, ainda sim, afeta toda a Comunidade Global, perceber nestes moldes a relevância da transnacionalidade, bem como da dimensão dos danos ocorridos ultrapassa as fronteiras geográficas e a ideia de punição como forma efetiva de remediar o ocorrido. Nessa mesma ótica, TRENNEPOHL (2017) pondera que:
Compreender assim, essa dimensão transnacional acima da mera constatação do dano local, torna-se o primeiro e necessário passo a ser dado no avanço das pesquisas e contribuições na esfera ambiental em todos os seus pilares, a punição como forma de solução dos conflitos nunca foi uma alternativa capaz de transformar a realidade vigente, de corrupções, que inclusive está interligada ao ramo ambiental, não significando que os agentes da corrupção por consequência disto mereçam permanecer impunes, mas a melhor e mais prestigiada solução sempre será a busca pela Educação, nesse caso, a precisa Educação Ambiental. Aicha de Andrade Quintero Eroud Graduanda em Direito do Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu- Cesufoz. Membro Fundadora do Instituto de Estudo do Direito – IED. Estagiária da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu. Membro Associado do International Center for Criminal Studies –ICCS. Membro da Comissão Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais. Membro da Comissão Especial de Estudos de Direito Penal Econômico do Canal Ciências Criminais. Sergio Ricardo Fernandes de Aquino Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professor Permanente do Mestrado em Direito (PPGD) da Faculdade Meridional – IMED. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Ética, Cidadania e Sustentabilidade”. Maykon Fagundes Machado Graduando em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Pesquisador bolsista (ProBIC-UNIVALI), desenvolvendo pesquisas científicas na área do Direito, com ênfase em Direito Ambiental, Direito Urbano e Sustentabilidade. Membro do Grupo de Pesquisa e extensão Paidéia – UNIVALI, coordenado pela Profª Dra. Maria Cláudia Antunes de Souza, este cadastrado no CNPq. Membro (técnico) do grupo Estudos Avançados em Direito Empresarial – Univali, coordenado pelo Profº Dr. Roberto Epifânio Tomaz, este cadastrado no CNPq. Membro Associado do International Center For Criminal Studies (ICCS). E-mail: [email protected]. Referências: ACOSTA, Alberto. La Naturaleza con Derechos Una propuesta de cambio civilizatorio. 2011. Disponível em: http://www.lai.at/attachments/article/89/Acosta-Naturaleza%20Derechos%202011.pdf. Acesso em 13 de abril. 2018. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. (Contra o) eclipse da esperança: escritos sobre a(s) assimetria(s) entre direito e sustentabilidade. Itajaí, (SC): Editora da UNIVALI, 2017. BRASIL. Constituição Federal. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 23 de abr. de 2018. Brasil. Lei dos Crimes Ambientais. http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L9605.htm. Acesso em: 23 de abr. de 2018. CARNELUTTI, Francesco. O delito. – Tradução Denise Conselheiro. São Paulo: Rideel, 2007. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente - a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed. rev., atual. e reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o meio ambiente: anotações à Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998: doutrina, jurisprudência, legislação. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. STAFFEN, Márcio Ricardo. Interfaces do direito global. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2015 TRENNEPOHL, Terence. Direito Ambiental Empresarial. 2° Ed. São Paulo: Saraiva, 2017. [1] “Articular uma política global, bem como um direito global, sobre a utilização, a reivindicação e a identificação desses bens requer essa reviravolta de 180 graus de uma racionalidade na qual se apropria do comum como se fosse seu, particular, a fim de, em alto e bom som, afirmar – ‘Isto é meu e faço o que quiser!’- ao invés de se elaborar e consolidar uma rede de cooperação e solidariedade sobre a inalienabilidade daquilo que pertence a todos – humanos e não humanos – como fonte de vida”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. (Contra o) eclipse da esperança: escritos sobre a(s) assimetria(s) entre direito e sustentabilidade. Itajaí, (SC): Editora da UNIVALI, 2017, p. 190. [2] MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. – 7. ed. rev., atual. e reform. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 1280 [3] “La liberación de la Naturaleza de esta condición de sujeto sin derechos o de simple objeto de propiedad, exigió y exige, entonces, un trabajo político que le reconozca como sujeto de derechos. Un esfuerzo que debe englobar a todos los seres vivos (y a la Tierra misma), independientemente de si tienen o no utilidad para los seres humanos. Este aspecto es fundamental si aceptamos que todos los seres vivos tienen el mismo valor ontológico, lo que no implica que todos sean idénticos. Dotarle de Derechos a la Naturaleza significa, entonces, alentar políticamente su paso de objeto a sujeto, como parte de un proceso centenario de ampliación de los sujetos del derecho, como recordaba ya en 1988 Jörg Leimbacher, jurista suizo. Lo central de los Derechos de la Naturaleza, de acuerdo al mismo Leimbacher, es rescatar el “derecho a la existencia” de los propios seres humanos (y por cierto de todos los seres vivos). Este es un punto medular de los Derechos de la Naturaleza, destacando una relación estructural y complementaria con los Derechos Humanos”. ACOSTA, Alberto. La Naturaleza con Derechos Una propuesta de cambio civilizatorio. 2011, p. 9. Disponível em: http://www.lai.at/attachments/article/89/Acosta-Naturaleza%20Derechos%202011.pdf. Acesso em 13 de abril. 2018. Comments are closed.
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