Ambiente: década de 30, cidadezinha pacata – a não ser pelo forte preconceito racial existente -, localidade onde todos os habitantes se conhecem, um crime que choca uma sociedade conservadora, um advogado que ousa defender o acusado e uma série de acontecimentos que são narrados por uma criança. Sedimentando-se em tais premissas, tal é a base utilizada na narrativa de “O Sol é Para Todos”, de Harper Lee. Para além de algumas observações que podem ser feitas sobre diversos prismas com relação ao livro, buscarei no sucinto escrito traçar o notório perfil profissional de Atticus Finch, o advogado do romance em questão. Atticus Finch é um advogado respeitado na comunidade. Na maior parte do tempo, exerce a profissão em prol dos necessitados, pois a maioria dos habitantes da região não dispõe de condições econômicas necessárias para custear seus honorários profissionais. Vale lembrar que a história se situa em 1932, de modo que o livro retrata a situação econômica de muitos cidadãos após a crise de 1929. Sendo assim, alguns dos que foram representados por Finch o pagam como podem, resultando no recebimento dos honorários pelo profissional por meio de alimentos plantados e colhidos pelos clientes. Assim, não é incomum ver Finch sendo pago com frutas e legumes, por exemplo. Há uma passagem no livro em que sua filha o questiona sobre tal situação, cuja resposta que segue traduz toda a situação peculiar de um modo bastante simples e entendível, principalmente para a criança que indagou a questão. A advocacia de Atticus Finch está para muito além do almejo de prestígio profissional ou crescimento econômico. Pode-se dizer que se manteve naquele ideal da profissão, pois Finch é visto sempre auxiliando os necessitados no meio jurídico. A narrativa demonstra que o respeito e consideração pela comunidade foram adquiridos com muito esmero, fruto de um constante exercício profissional ético. O compromisso para com a profissão, para com o dever, para com a necessidade que surge, é posto à prova na vida de Finch quando este passa a defender um réu negro, o qual é acusado de ter estuprado uma mulher branca da comunidade. O advogado passa a ser alvo de murmurinhos, de zombarias e de várias ofensas. O motivo? Exercer a profissão! O problema é que a “causa” assumida pelo respeitado profissional faz com que todos torçam os narizes, vez que falando mais alto o preconceito injustificado, não sobra espaço para o bom senso, a lógica e a razoabilidade. Não bastasse o total descrédito recebido pelo acusado do crime, Finch passa também a ser alvo de perseguição. Poucos são aqueles que se mantém ao lado do profissional, não necessariamente por acreditar na inocência do réu, mas em decorrência do respeito que com o tempo fora adquirido por Atticus. Mesmo assim, como dito, são poucos. O profissional se mantém resoluto, com uma parcimônia invejável. Luta por seu cliente até o fim, transpassando pelo tortuoso julgamento, mantendo a calma inclusive quando atacado verbalmente pelo pai da vítima quando este depõe na qualidade de testemunha. O caso que defende é o típico processo do todos contra um, principalmente considerando as condições e a época em que o suposto crime se deu. Atticus ignora as ofensas, as quais chegam a atingir inclusive os seus filhos na escola. Por se tratar de uma comunidade pequena onde praticamente todos se conhecem, a prole do advogado chega a sofrer injustas consequências pelo simples fato do pai estar exercendo a profissão com destemor. As nuances são tantas e os problemas se excedem, mas Finch não desiste em momento algum. Faz inclusive o seu “algo a mais”, demonstrando tremenda valentia. Basta se lembrar da parte em que, sabendo da possibilidade de que seu cliente seria morto por populares enquanto aguardava preso pelo julgamento, Finch passa a noite sentado em frente à delegacia, impedindo que um grupo de pessoas raivosas faça uma intragável “justiça” com as próprias mãos. Atticus Finch é um referencial. Uma autoimagem da figura do advogado. Uma aula de ética profissional. Manteve-se digno tanto quando respeitado pela comunidade, como quando foi execrado pela opinião pública.Que possamos, nós profissionais, trilhar o nosso caminho em tal seara assim como Atticus, zelando pelo bom, efetivo, ético e combatente exercício profissional. A literatura tem muito a nos ensinar. Eis aqui uma grande lição. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |