Certa vez, precisamente ao final de uma sessão de julgamento, minha colega, a qual realizou o júri comigo, ouviu o acusador, e não provedor de justiça, afirmar que até concordava com a tese da defesa – lesão corporal seguida de morte – mas não poderia sustentá-la, senão abriria precedentes para outras desclassificações e precisava “dar exemplo a sociedade”.
O que significa condenar alguém para não abrir precedentes para outros casos? O que significa sentir, pensar e enxergar o devido processo penal e direito penal (provas – tipo penal adequado – pena), mas agir de forma divergente? Por trás de cada processo, por trás de todas as abas do “projudi” ou outro processo eletrônico existem vidas que merecem o mesmo afinco do trabalho que todos tivemos para chegar nas posições que ocupamos hoje, seja advogado, promotor de justiça ou juiz. O ego não pode sobressair-se aquilo de fato importa: o direito. E não se fala aqui em justiça, pois o que é justiça para mim pode não ser justiça para você. Advogados devem aceitar que existem clientes culpados e recusar-se a apenas negar as provas que gritamno processo. Existem inúmeros tipos de defesas a serem feitas, e negar o que está escancarado, o óbvio, beira ao amadorismo. Promotores devem fazer jus ao nome que têm – de justiça-, pedir absolvição quando não vislumbram provas condenatórias, encarar o júri como um plenário e não uma novela da Globo, e mais, lembrarem que não são os protagonistas de nada. São somente mais uma carta do baralho, de fácil substituição, assim como as demais partes processuais (advogado e juiz). Juízes devem lembrar que a opinião do juiz não importa para o processo, e a imparcialidade tão falada durante a faculdade de direito deve manter-se com as letras “i” e “m”. Opinião é bom e todo mundo gosta, fora do gabinete. Além disso, juiz não produz prova, então é bom exercitar o autocontrole e deixar o Ministério Público fazer o seu papel sem interferências. Cada um no seu quadrado. O réu é o protagonista, e todos os trabalhos devem ser voltados a ele. O direito penal e o direito processual penal têm um único objeto: o réu, que somente deve ser condenado se o processo refletir essa condenação sem qualquer sombra de dúvidas, qualquer outra coisa é ego; injustiça; inquisição; satisfação da opinião pública; crime semelhante ou mais grave do que é imputado ao réu. “Definir uma condenação como exemplo ou exemplar é entender que há um modelo a seguir, um tipo ideal (expressão de Max Weber) de punição, desconsiderando que a sanção estatal só se faz necessária quando há um crime e a punibilidade ainda não se extinguiu, de acordo com cada caso concreto. De fato, a punição como exemplo tem apenas o caráter simbólico. Tem o único desiderato de elevar ao zênite a prevenção especial negativa (neutralização do condenado) e, principalmente, a prevenção geral negativa (intimidação coletiva). Tem-se, então, um exemplo concreto de como não deve ser o processo penal”[1]. Sob esse contexto, cabe a lição de Agamben, entorno do conceito de dispositivo. O filósofo chama de dispositivo “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes”[2]. Em outras palavras, é como se vivemos num campo do medo. Juristas sabem o que fazer, conhecem o processo penal, mas se curvam a opinião pública, pois não suportam o peso de conviverem com o nãoda massa. Ou pior, juristas sabem o correto ao fazer, mas por não concordarem, criam seus próprios argumentos, os quais são capazes de determinar novos discursos, contrários ao direito, mas sinônimos da opinião pública. Assim utilizam-se de dispositivoscontra o processo penal para controlar o processo penal. Nunca é demais lembrar: Se não fosse a opinião pública, que todos agora querem satisfazer, como se essa valesse mais que tudo, fosse as leis das leis, Jesus Cristo não teria sido crucificado. Pouco importa a opinião pública, essa mesma opinião um dia pode estar no banco dos réus e irá clamar pela aplicação de um processo penal acusatório, justo. Irá clamar por seus direitos constitucionais, e nós juristas devemos cumprir nosso papel, jogar limpo. Todo jogo tem regras, e infringi-las aqui é crime, crime contra a nossa própria consciência. Mariana Coelho Cantú Mestranda em Direito pela UNINTER Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Academia de Direito Constitucional - ABDCONST Graduada em Direito pela Universidade Positivo Advogada Criminal [1]TALON. Evinis. O processo penal como meio de dar exemplo. Disponível em: http://evinistalon.com/o-processo-penal-como-meio-de-dar-exemplo/. [2]AGAMBEN. O que é contemporâneo? E outros ensaios.p. 40. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |