Bauman, em seus estudos na obra "Em busca da política", tece críticas ao modelo social adotado com o passar dos tempos, considerando a promoção do conformismo em larga escala e em um crescimento cada vez mais acentuado. As decisões do governo e decisões politicas não implicam em importantes ou emblemáticas diferenças, o liberalismo reduziu as perspectivas ao consumo apenas. Para o autor, a democracia liberal é uma das mais poderosas utopias modernas que desenharam o modelo pelo qual deveria se estruturar e ser governada pela boa sociedade, mas que mantem exatas e obvias deficiências de opção. Significa dizer que a democracia liberal encontra dificuldades em materializar seus objetivos práticos, sendo apenas uma forma de manter a eficiência politica do Estado como mediador de alguns grupos de interesses e indivíduos. Acontece que a força das leis do mercado cada vez mais controla as classes, bem como controla também o Estado, que não se envolve na sociedade e em seus objetivos, deixando livres e isolados grupos que se diferenciam entre si, não observando essas diferenças e não agindo em prol de uma isonomia que trate das possibilidades de um crescimento mutuo e assim, realizar política. Dessa forma, os mais fracos tendem a ser resumidos em mais alguns estigmatizados pelas leis do mercado, por quem detêm o poder de compra e por que não entender também, pelo próprio Estado, que figura uma “sociedade de duas marchas, uma nação em duas camadas”. (Em busca da Política, p. 160.) A força do Estado, grosso modo, e o poder do cidadão nesse ínterim, são definidos a partir do reconhecimento do ente estatal da superioridade das leis de mercado sobre as leis da pólis, fato esse que transforma o indivíduo em consumidor, o que demanda uma maior proteção jurídica e uma menor participação política. A definição do homem modulado como o mais notável produto da sociedade moderna envolve a carência de solidez em todos os aspectos da vida do homem atual, que traz em seu cerne qualidades alteráveis em quaisquer situações, mudando suas características conforme bem lhe aprouver cada circunstância. O homem sem essência, segundo Bauman, liga-se e conecta-se a todos e a tudo, porem devido à sua falta de virtuosismo essas conexões são estabelecidas pela banalização e falta de integração, ou seja, da mesma forma com a qual conectou-se a outros pode muito bem desconectar-se. Niklas LUHMANN trouxe a expressão de que estamos sempre, em toda a parte parcialmente deslocados, não pertencendo inteiramente a nenhum dos grupos que participamos. Existem partes moduladas de nós que se dispersam a outros ambientes não podendo ser absolvidas por nenhum grupo peculiar, interagindo assim com outros, não se tornando de fato, inteiros, mas sim, inconciliáveis. Automudulante e extremamente adaptável, o novo homem vive em uma sociedade de rede (Manuel CASTELLS) que não é segmentada, muito menos pré moderna, vivendo de suas próprias contradições, reciclando-as e isolando-se cada vez mais. Assim, há a fragilidade de todas as formas de comunhão e a falta de integração determinada. Essa sensação de deslocamento constante e ausência de pertencimento mesclados às inúmeras conexões que trazem uma falsa sensação de segurança partem de estudos de LUHMANN a respeito das relações humanas dos dias atuais. A relação tanto do homem com seus semelhantes e grupos, quanto com o Estado, gerou um conformismo com as situações políticas e com a vida ao redor, causando uma instabilidade cotidiana. O Estado é incapaz de fazer com que o cidadão alienado decida e entenda o que é bem comum, ainda mais, numa ampla globalização e um forte predomínio das leis do mercado, o que causa ainda mais individualização. A liquidez dos eventos e a fluidez das relações entre conviveres e das pessoas entre si em sociedade mostra-se cada vez mais presente, mitigando aquilo que une os diferentes em busca do diálogo e do contato: a convivência. Bauman leva sua concepção de superficialidade até os estudos e conhecimentos que hoje se prostram ao favor da humanidade nas redes interligadas de computadores e numa ampla globalização tecnológica, onde por meio da internet se encontra todos os assuntos pesquisados, porém, sem chegar ao âmago dos questionamentos, causando assim um conhecimento elaborado por pequenas informações que se juntam mesmo ainda sem complementarem-se umas as outras. Isso causa significante ruptura entre o pensar estabelecido por fragmentos de saberes e o pensar crítico, que deve ser elaborado por uma base concisa de estudos e informações qualificadas pela observação científica. Essa facilidade da busca dos dados promove uma dependência que supera os limites do questionamento e da auto avaliação, gerando mal estar interpretado por Hannah ARENDT como a submissão aos conceitos formados a priori, característica da ausência de reflexão e da discussão. Essa falta de questionamento afeta a sociedade hodierna ao mesclar-se ao crescente medo do outro e da insegurança reinante numa sociedade do espetáculo (apelo midiático de grandes proporções) e do medo (insegurança, mixofobia), que se enclausura em um existir carente da convivência com o outro, interpretado como o desconhecido. Juntando essas mazelas pós modernas ao paradigma tecnológico que cada vez influência mais, pela internet, há os relacionamentos superficiais e virtuais, excluindo quem está próximo e aproximando de alguma forma fantasiosa aqueles que estão distantes. O individualismo crescente parte de uma premissa maior quando não há vida social e a solidariedade social ruma a um novo paradigma que invoca o próximo como o outro, o temível estranho. Destarte, sobrepondo o individual sobre o coletivo é que o mercado do consumo ativa com suas forças econômicas a formação de uma nova classe, a do consumidor nato e do consumo conspícuo, estudada em artigo anterior intitulado: A morte da tradicionalidade, o consumismo frenético e a criação da criminalidade! Ao conceituar a imersão do homem em sua individualização, Bauman trouxe o aspecto liberdade como primordial interesse, quando esta virtude não pode ser atingida singularmente, mas sim, coletivamente. Vive-se, segundo o autor, uma crise que negligencia as primeiras características do homem que é o relacionamento e o conjunto. Esse discurso legitima todo o sistema neoliberal vigente em prol das superficialidades do mercado e do consumo, que serve com intuito de preencher um vazio que cada dia aumenta gradativamente. Todas as relações em crise, incluindo relações de trabalho numa crescente flexibilização das regras que servem de proteção ao trabalhador, alienando-o de seus direitos, são motivadas pela inércia das estruturas que se formam e se mantem na individualidade em detrimento da luta por direitos e liberdades daqueles que delas carecem e não podem lutar sozinhos. A atualidade neoliberal traz como característica marcante dessa sociedade, por via de um capitalismo desenfreado, o incentivo das efemeridades consumistas, num sentido que revela que o individuo não passa daquilo que ele mesmo possa proporcionar para si. As escolhas feitas pelo mercado de consumo passam a ter uma influência muito maior que qualquer escolha politica, sendo o individuo consumidor tido como o cidadão estabelecido na cultura da sociedade atual, plenamente aceito. Ao afirmar que nunca se deve deixar de questionar e criar discussões que possam agregar ideias e debater sobre determinado assunto onde prevaleça o interesse de muitos, significa trazer os ambientes e encontros públicos para perto das pessoas enclausuradas novamente. A ágora seria para Bauman a característica essencial que coordenaria todo o relevante aspecto da mudança que apregoa o sociólogo. Essas reuniões passariam a aniquilar, cadenciadamente, o conformismo coletivo que reina nos dias do consumismo, em prol de um equilíbrio entre o individual e coletivo até que se possa realizar debates realmente instrutivos e envolventes. A responsabilidade pelos outros e pessoas com dificuldades recaem sobre a sociedade, tanto politica quanto humana, que agora não mais revela interesse em assuntos como alteridade e isonomia nas relações entre desiguais, resolvidas erroneamente pelo direito penal. Na falta de um Estado que agregue há sua força punitiva para demonstrar que seu cerne ainda está vivo entre nós, e somente pela ameaça e coação se faz valer, numa eterna primeira ratio do direito das penas. Todavia, Bauman traz conceitos particulares que revelam sua fé nas mudanças necessárias para a humanidade que encontra o desencantamento com o essencial da vida coletiva, e, da mesma forma, traz respostas em seu cerne para a retomada do caminho obscurecido. Para que isso ocorra é essencial ressaltar os pequenos atos da cotidianidade, atos do dia a dia das pessoas em relação com as outras, em outras palavras, se agarrar ao bem que ainda existe no mundo. Bauman, ainda que crítico e cético no sentido de melhoras na conveniência de uma sociedade coesa traz em sua essência a expectativa e coloca nas mãos de cada um de nós realizar um mundo melhor, por via dos pequenos atos da vida. Iverson Kech Ferreira Advogado especializado em Direito Penal Mestrando em Direito pela Uninter Pós-graduado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, PR, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Internacional É pesquisador e desenvolve trabalhos acerca dos estudos envolvendo a Criminologia, com ênfase em Sociologia do Desvio, Criminologia Critica e Política Criminal REFERÊNCIAS (e sugestão para estudo a respeito) Bauman, Zygmunt (2000) Em Busca da Política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. ______(2003) Comunidade: a Busca por Segurança no Mundo Atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. ______(2006) Confiança e medo na cidade. Tradução por Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio D’Água, ______(1999) Globalização: as Conseqüências Humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. ______(1998) O Mal–estar da Pós–modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Comments are closed.
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