A relação entre o gênero Humano e a Natureza em sua biodiversidade se reveste como necessária para o desenvolvimento e sobrevivência da interação entre as espécies, uma vez que, por meio da exagerada ambição em tudo explorar, o Homem sempre garantiu o seu sustento e as demais necessidades que lhes são atinentes. Nesse contexto, faz parte da natureza humana à busca pelo progresso tecnológico e econômico, fator que com o lapso temporal contribuiu para a degradação ambiental global. O progresso a todo custo, tendo como o seu principal marco inicial a Revolução Industrial, valorizou a aceleração do crescimento econômico e capitalista que se sobrepôs à preservação de um meio ambiente saudável e equilibrado. Segundo Wold (2003, p. 189/190):
Decorrente da necessidade de se estabelecer parâmetros para conduzir uma proteção ambiental eficaz, o legislador constituinte concedeu ao Meio Ambiente o status de Direito Fundamental, delegando a sua devida proteção tanto ao Estado quanto à sociedade, preservando-o não tão somente para a presente geração, mas também para a futura, conforme os ditames do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, o qual preceitua que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Parte-se do pressuposto de que a globalização econômica trouxe diversas inovações e necessidades, conectando o mundo de forma mais rápida, transmitindo aos povos uma comunicação instantânea e versátil. Diante desse cenário, o legislador desempenha o papel de sempre observar as necessidades e desenvolvimento da sociedade para amoldar-lhes leis que são pertinentes ao seu tempo, bem como ocorre com o legislador ambiental que sempre deve estar atento aos fatos sociais para criar leis com seus respectivos dispositivos visando uma proteção ambiental efetiva. Nessa toada, para compreender a matéria de cunho ambiental, faz-se necessário um bom trabalho em equipe, conforme aduz Freitas (2001, p. 23):
No entanto, precisa-se frisar: o tempo do Direito, especialmente o normativo, é diferente do tempo social. Quando se observa uma maior sensibilidade social para determinados assuntos, ou, também, o reconhecimento sobre a importância das relações existenciais além daquelas fomentadas pelos membros da família antrópos, não significa que, imediatamente, haverá uma sensibilidade jurídica[1] capaz de impulsionar as mudanças comportamentais exigidas para o momento presente. O Direito Ambiental, por exemplo, é fruto das inconformidades humanas que afetam diretamente a biodiversidades que se manifestas nos diferentes ecossistemas do Planeta Terra. A adoção dessa medida jurídica somente tem efetividade quando o ser humano observa seu lugar na teia da vida. Essa genuína epifania desmistifica sua imagem de dominador e explorador da Natureza para outro: o que exerce o sentido do cuidado diante do Outro, da Natureza e sua Alteridade Ecosófica. Eis uma interessante postura pedagógica a qual o Direito Ambiental – especialmente pela sua estrutura constitucional - nem sempre consegue realizar. Nessecaso, é necessárioentender o pensamento de Hayward (2005, p. 34): [...] it is reasonable to suppose that the more that humans come to understand about the interconnectedness of their health and well-being with that nonhuman nature, the more inseparable appear their interests with the ‘good’of nature[2]. A intenção, nessa linha de pensamento, é seguir com o bom desenvolvimento econômico, mas acautelando-se no tocante a preservação ambiental não apenas para a presente e futura geração, mas todos os seres vivos e seus ecossistemas. Não há de se falar em qualidade de vida digna num meio ambiente devastado pela ambição humana. Trata-se de um confronto entre interesses que necessita de instrumentos legais para soluciona-los. Sobre o princípio do desenvolvimento econômico, Chris Wold (2003, p. 12) explica que:
Nesta toada, o Estado se incube na missão de resguardar e proteger o Meio Ambiente criando por meio de leis métodos protetivos, incentivadores e coibidores de ações degradantes com o intuito de prevenir danos ambientais que podem comprometer a qualidade de vida digna para toda espécie de vida existente no planeta. Nessa linha de pensamento, o Estado, por meio da legislação ambiental, busca proteger o Meio Ambiente contra as agressões, possibilitando prevenir, corrigir e punir as condutas lesivas por meio do âmbito administrativo, civil e criminal, visando sempre à ordem estatal e a garantia da lei. Para auxiliar na preservação ambiental, o Direito Tributário é utilizado como instrumento eficaz para coibir atos lesivos ao Meio Ambiente, visando conduzir as condutas humanas que tendem a ocasionar danos ambientais que por muitas vezes são considerados irreversíveis. Dentre os mecanismos tributários que estão inseridos no nosso ordenamento jurídico, têm-se os benefícios fiscais, que são, para todos os efeitos, considerados tributos extrafiscais. Esses não visam arrecadar recursos aos cofres públicos, mas tem como principal escopo a realização das condutas humanas de acordo com a pretensão estatal. Sobre a extrafiscalidade, aduz Carvalho (2017, p. 248):
É imperioso enfatizar que o Direito Tributário Ambiental abarca consigo os princípios da Prevenção, Precaução e do Poluidor-Pagador que almejam estabilizar a relação entre o Homem e o Meio Ambiente, visando transformar o desenvolvimento a todo custo em desenvolvimento sustentável, harmonizando o crescimento econômico com a preservação do Meio Ambiente saudável e equilibrado. O principal intuito da extrafiscalidade ambiental é redirecionar as condutas que podem impactar no Meio Ambiente de forma prejudicial. Trata-se de um benefício fiscal concedido aos agentes econômicos que evitam ou diminuem a emissão de efluentes poluentes, bem como incentiva os investimentos em tecnologias que auxiliam na diminuição da extração de recursos naturais sem comprometer o desenvolvimento econômico. A extrafiscalidade ambiental está revestida de vantagens, pois o Estado estimula a produção ecológica por meio de vantagens fiscais para o agente econômico que evitar ou reduzir a emissão de poluentes e utilizar de forma adequada os recursos naturais, que se reverte em lucros para o próprio agente. Desta feita, o Direito Tributário explora mais a parte da prevenção e precaução – princípio este que antecede aquele –, haja vista que muitos danos ambientais não conseguem ser corrigidos mesmo com a aplicação da sanção, que advém após a ocorrência do ato lesivo. Trabalha-se com a máxima de que “é melhor prevenir do que remediar”. Ademais, nas lições precisas de Passari[3], a tributação encontra dois limites essenciais: 1º um limite de fundamentação e 2º um limite de aplicação, ou seja, a necessidade de critérios é imperiosa para todo instituto e prática formulada, para tal fundamentação certamente se verificará a sua constitucionalidade, finalidade compatível e principalmente o não efeito de confisco atentatório à Dignidade da Pessoa Humana e demais princípios fundamentais. Nesta lição, tal função do tributo encontra uma finalidade nobre, a Sustentabilidade da Vida se consolida com tais práticas que, por vezes encontram resistência pelo Governo – detentor da responsabilidade de deliberar sobre os incentivos fiscais, tudo parece muito utópico na visão destes que desprezam a realidade iminente de seus atos, mas a ‘’Sociedade de Risco se aproxima a cada instante, vemos que as calamidades não mais afetam somente a prole, mas a nobreza instalada nos palácios e casas reais de poder’’[4]. Sigamos, pois assim, nas uteis utopias que possuem o poder cabal de transformar o mundo. Na esfera penal, tem-se a Lei nº 9.605/98, denominada Lei dos Crimes Ambientais, que visa tutelar o Meio Ambiente. Tem a sua base constitucional acentuada no parágrafo 3º, do artigo 225 da Carta Magna, nos seguintes termos: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. O principal objetivo da Lei dos Crimes Ambientais é reparar o dano ambiental, ou seja, atua após a ocorrência do dano, punindo as condutas praticadas pelos agentes econômicos. Nesse sentido, essa lei é composta, em sua maioria, por dispositivos que estão relacionados com a reparação da lesão ambiental. Todavia, é de bom alvitre salientar que o Direito Penal é a ultima ratio, devendo apenas tutelar os bens penalmente relevantes, conforme leciona Prado (2001, p. 28):
No entanto, além da referida lei possuir o caráter repressivo, também se reveste do caráter preventivo. Pretendeu o legislador ambiental, ao estabelecer a possibilidade de aplicação de valor aplicado na sentença penal condenatória para reparar o dano ambiental, prevenir a ocorrência de agressões ao Meio Ambiente, haja vista que a sanção e a indenização em face do dano causado, tende a coibir as práticas delituosas contra o meio ambiente, ao passo que também atua como método repressivo depois de ocasionado o dano ambiental. Não obstante essa afirmação seja comungada entre os Profissionais do Direito, um ponto crítico necessita ser esclarecido: o instituto da extrafiscalidade não coíbe a dinâmica transnacional da obtenção do lucro, tampouco pode ser compreendido como mecanismo de produção das metamorfoses que ocorrem na vida dos seres humanos. A efetividade do Desenvolvimento Sustentável não ocorre sob a exclusividade da pecúnia, bem como o simples ressarcimento pela transgressão de princípios ambientais como Poluidor-Pagador não atende à preservação da Natureza. Pode-se ilustrar essa afirmação por meio de outros exemplos. Os créditos de carbono funcionam, ainda, como estímulo na preservação ambiental. Podem ser descritos, também, como instrumentos extrafiscais. No entanto, e entendendo esses créditos pela sua natureza alienável, ao invés de se estimular o uso de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo dentro dos Estados-nação como uma perspectiva de aplicação da Sustentabilidade, pode-se usar esse instrumento em contrariedade a esses objetivos, ou seja, poluir tem um custo, nesse caso, ao invés de procurar alternativas sustentáveis de diminuir os efeitos da destruição ambiental, pode-se simplesmente comprar de outros países esses créditos quando algumas nações já conseguiram alcançar a redução de poluentes. Por não precisarem desses créditos, é possível vende-los para outros países. O Protocolo de Quioto é o clássico exemplo dessa afirmação. Diante desse cenário, pode-se compreender que os Tratados Internacionais podem ser descumpridos em função da lexmercatoria. Não é preciso o esforço entre as nações para se atingir outros patamares de desenvolvimento civilizacional, basta comprar pelo preço posto. Nesse caso, as diferentes Constituições prescrevem condutas típicas e mecanismos capazes de mitigar os efeitos da exploração humana na Natureza ou mesmo entre os seus semelhantes, contudo, nenhuma dessas condições é forte o suficiente para se modificar as atitudes humanas sob uma lógica pecuniária. Parece que a dinâmica das relações globais e sua busca por menos desigualdades e dominação de uns sobre outros – sejam entre os humanos ou desses com não humanos – se assemelha à transição que ocorreu na Modernidade: o Homem não seria mais um “fim em si mesmo, conforme a advertência de Kant, mas, agora, é um Homem como “instrumento”[5]. A partir da necessidade de proteger o Meio Ambiente das ações lesivas provocadas pelo ser humano, os benefícios fiscais e as sanções punitivas têm se demonstrado instrumentos eficazes, cada qual se enquadrando nos casos previstos em lei, mas é importante registrar que os benefícios fiscais possuem natureza preventiva, visando evitar o dano ambiental de per si, haja vista que uma vez ocasionado, será de difícil ou impossível recuperação. Já as punições previstas na Lei de Crimes Ambientais têm como escopo punir a conduta já cometida pelo agente. Por esse motivo, é perceptível que os benefícios fiscais são mais atraentes quanto às finalidades pretendidas por um Desenvolvimento Sustentável, desde que, permanentemente, o ser humano reconheça a importância dessa relação entre Homem e Natureza para se criar espaços de desenvolvimento, de proximidade além dos critérios impostos pela economia global. Aicha de Andrade Quintero Eroud Graduanda em Direito do Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu- Cesufoz. Membro Fundadora do Instituto de Estudo do Direito – IED. Estagiária da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu. Sergio Ricardo Fernandes de Aquino Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professor Permanente do Mestrado em Direito (PPGD) da Faculdade Meridional – IMED. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Ética, Cidadania e Sustentabilidade”. Maykon Fagundes Machado Graduando em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Pesquisador bolsista (ProBIC-UNIVALI). REFERÊNCIAS BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo à outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016. FREITAS, Vladimir Passos de. Crimes contra a natureza: (de acordo com a lei 9.605/98). Vladimir Passos de Freitas, Gilberto Passos de Freitas. – 7. ed. rev., atual. eampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. HAYWARD, Tim. Constitucionalenviromental rights. New York: Oxford UniversityPress, 2005. PASSARI, Alessandro Antônio. A natureza da capacidade contributiva. Revista Tributária e de Finanças Públicas, DTR/ 2010/366, vol. 93: Jul/2010. PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o meio ambiente: anotações à Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998: doutrina, jurisprudência, legislação. 2. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. WOLD, Chris. Princípios de Direito Ambiental na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. [1]Para fins desta pesquisa, propõe-se o seguinte Conceito Operacional para a Categoria “Sensibilidade Jurídica”: ato de sentir algo junto à pluralidade de seres, lugares, momentos e linguagens e que constitui base indispensável para o aperfeiçoamento do sentimento de justiça, da Consciência Jurídica e convivência global [2] Numa tradução livre dos autores deste texto: É razoável supor que quanto maior for a compreensão dos seres humanos sobre essa interdependência entre a sua saúde e bem-estar junto a outros seres não humanos, maior será a inseparabilidade de seus interesses quanto à preservação da natureza. [3] PASSARI, Alessandro Antônio. A natureza da capacidade contributiva. Revista Tributária e de Finanças Públicas, DTR/ 2010/366, vol. 93: Jul/2010, p.11. [4][...] ‘’na modernidade tardia, a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos’’ BECK, Ulrich.Sociedade de risco: rumo à outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 23 [5]DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 323. Comments are closed.
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