Conforme enfatiza Morais da Rosa em sua obra delação premiada conforme a Teoria dos Jogos, a Operação Lava Jato é uma realidade, uma realidade que traz profundas mudanças no modelo processual penal e sua aplicação no ordenamento jurídico, trazendo inúmeras inovações legislativas, possibilidades de negociações e benefícios na persecução penal[1].
Muitos ainda desconhecem a forma de aplicação do instituto da colaboração premiada e sua forma de investigação, no qual a investigação é iniciada pelas informações e provas trazidas pelos Colaboradores possibilitando um resultado mais célere na persecução penal negocial. A qualidade das provas produzidas por esses Colaboradores mostra-se muitas vezes mais elaborada que as provas obtidas por meio das investigações comuns utilizadas ao decorrer do processo criminal, tendo em vista a posição privilegiada desses agentes. A falta de Colaboradores que prestem essas informações torna a investigação morosa, complexa, cara e muitas vezes insatisfatória[2]. Esse desconhecimento da aplicação do instituto negocial deve-se ao fato de que a colaboração premiada modifica a compreensão processual penal como aduz MORAIS DA ROSA[3]:
Vislumbra-se na aplicação do instituto da colaboração a busca pela maximização de lucros no qual na ótica negocial e conforme a teoria dos jogos desenvolvida por Morais da Rosa, os Jogadores são vistos como sujeitos otimizadores através das heurísticas, vieses, dissonância cognitiva e maximização de recompensas. A teoria dos jogos parte do princípio de que o indivíduo é um otimizador a partir de uma análise econômica, elaborando alternativas e agindo de tal forma a maximizar seus benefícios e escolhas, obtendo uma satisfação maior com o menor custo possível. Nesse sentido é um indivíduo que:
A justiça criminal negocial é muito utilizada nos Estados Unidos, no procedimento denominado plea bargaing, compondo um modelo de justiça negocial, embora distinto da colaboração premiada aplicado no ordenamento jurídico brasileiro. No Brasil, normalmente membros do Ministério Público, Advogados ou Magistrados possuem conhecimento sobre a aplicação efetiva do instituto ou está acostumado com um modelo de negociação na persecução penal. Na análise e aplicação do plea bargaining denotando sua relação com a colaboração premiada no Brasil, aduz Flávio Antônio da Cruz: "Nos Estados Unidos da América, também há o plea of agreement. Nesse caso, a acusação e a defesa chegam a um acordo e o informam ao Poder Judiciário, versando sobre concessões recíprocas. Como regra, os juízes aceitam os acordos e prolatam sentenças atentando para as cláusulas pactuadas, por mais que não estejam totalmente vinculadas pelos seus termos’’[6]. Há também os denominados ad hoc plea bargaining no qual:
Nesse sentido, observa-se que tais institutos possuem similaridade com a colaboração premiada aplicada no ordenamento jurídico brasileiro, embora possuam suas especificidades. Há um instituto que possui maior similaridade com a colaboração premiada, previsto na legislação Americana em âmbito Federal no qual a realização dos acordos depende da colaboração eficaz dos envolvidos na identificação dos suspeitos, fornecimento de documentos e provas processuais[8]. Diversamente do que ocorre no Brasil, no direito norte americano estima-se que 80% dos casos criminais são resolvidos utilizando mecanismos da justiça criminal negocial e da barganha com a utilização do plea bargaining, demonstrando ser algo característico da legislação americana[9]. Interessante notar a evolução legislativa da justiça criminal negocial no direito comparado, tendo em vista que a adoção do instituto da colaboração premiada no Brasil bem como a aplicação legislativa possui fortes influências de legislações estrangeiras. No Canadá, o plea bargainingé previsto no Código Criminal, seção 606(04), do ano de 1972, no qual é previsto a aplicação do instituto[10]. As críticas na aplicação do instituto no Canadá são similares a aplicação nos Estados Unidos, no qual questiona-se a persecução penal através das negociações e barganha. Na Alemanha, há a previsão do instituto denominado plea agreement, no qual prevê a aplicação de práticas informais nos Tribunais, possuindo também forte crítica dos Doutrinadores alemães. Em 1986 tratou-se da aplicação do plea bargaing nos crimes de colarinho branco, sendo ampliado para abranger outros delitos, como nos delitos de estupros e outros crimes sexuais[11]. Em Portugal, ainda não há a adoção de um modelo processual penal negocial, tendo em vista que o processo penal português está estruturado por um sistema acusatório, no qual há separação total entre os investigados, os acusadores, e quem julga[12]. Contudo, embora não possua legislação específica no âmbito processual penal para a aplicação das negociações, há previsões em outros artigos do código português que denotam formas de decisões consensuais conforme demonstra André Ferreira de Oliveira na análise de artigos do Código de processo penal Português, enfatizando que:
Portanto, diante da ausência de previsão legislativa no código processual penal português, as negociações e a justiça criminal negocial estão em fase inicial em sua aplicação e desenvolvimento. Conforme posição do Promotor Figueiredo Dias, membro do Ministério Público português, o mesmo denota a importância de uma persecução penal mais célere e eficiente possibilitando a proteção dos bens jurídicos tutelados de forma efetiva sem alteração do código processual penal[14]. Boa parte dos advogados possui posição diversa dessa visão do Ministério Público, aduzindo conforme OLIVEIRA[15]: ‘’ o processo penal não pode se fundar apenas numa racionalidade funcional, confiando numa solução que atenta contra a dignidade da pessoa humana e se funda numa posição não igualitária entre as partes envolvidas (pois que a pressão não incide sob o Arguido, objeto de Acusação’’. Dessa forma, tendo em vista a estrutura cada vez mais elaborada da criminalidade organizada e da complexidade nas investigações nos casos concretos, a discussão torna-se essencial para a busca de uma persecução penal efetiva, que possua resultados satisfatórios sem mitigar direitos e garantias fundamentais inerentes a todos os indivíduos. Na Espanha, há inúmeras discussões sobre a aplicação das negociações no processo penal espanhol, havendo posição contrária a sua utilização por parcela majoritária da doutrina embora já possuam alguns instrumentos legais para incentivar as colaborações com a justiça, bem como aceitação jurisprudencial de negociações em pontos específicos da legislação conforme preceitua Juan Carlos Ortiz[16]:
A expansão da justiça criminal negocial é vislumbrada em diversos países no mundo, tanto nos sistemas de Civil lawquanto no Common law, demonstrando o crescimento da aplicação negocial em casos de investigações complexas, observado as estruturas empresariais complexas e bem estruturadas das organizações criminosas. No que tange a previsão dos prêmios e benefícios nas colaborações premiadas, observa-se a aplicação em diversos países do mundo demonstrando o crescimento das formas de negociação conforme aduz ORTIZ[17]:
Referente a colaboração premiada na Itália, observa-se em diversos artigos do Código de Processo Penal italiano mecanismos de resolução de conflitos processuais por meio das negociações de indivíduos que possuam prontidão em auxiliar a justiça nos casos concretos. Conforme ressalta Marcos Dutra Santos[18]:
Na Itália, o exercício da ação penal é privativo do Ministério Público, conforme o princípio da obrigatoriedade, possuindo previsão constitucional no artigo 112 da constituição italiana. Diversamente do que ocorre nos Estados Unidos na aplicação da colaboração, o procedimento se aplica e possui efeitos na sentença penal condenatória possibilitando a atenuação da pena ou a repressão penal, sendo a atenuação da pena e demais benefícios acordados pelo juízo abreviado ou monitório[19]. Nesse sentido observa-se uma tendência mundial de expansão da justiça criminal negocial, sem previsão de arguição de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista os inúmeros acordos de colaboração premiada homologados na Operação Lava Jato, com respaldo legislativo bem como em tratados internacionais recepcionados na legislação brasileira, como as Convenções de Palermo e Convenção de Mérida. Dessa forma conforme Flávio Antônio da Cruz: Tanto por isso, sem prejuízo de que a academia continue a discutir a validade de tais instrumentos, deve-se caminhar também para uma estratégia de redução de danos, exigindo-se maior detalhamento e circunspeção no emprego desses instrumentos processuais, bastante gravosos e perigosos para o regime de liberdades públicas’[20]. Em decorrência disso, mostra-se demasiadamente importante encontrar mecanismos de redução de danos na aplicação da colaboração premiada na persecução penal, objetivando resguardar os direitos individuais inerentes a todos os cidadãos bem como tutelando os direitos fundamentais em um Estado Social Democrático de Direito. Paula Yurie Abiko Graduanda Centro Universitário Franciscano do Paraná – FAE Estagiária do Ministério Público Federal Membro dos grupos de pesquisa: O mal estar no Direito; Modernas Tendências do Sistema Criminal; Trial by Jury e Literatura Shakesperiana; Membro do International Center for Criminal Studies e da Comissão de Criminologia Crítica do Canal Ciências Criminais Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CRUZ, Flávio Antônio da. Plea Bargaining e delação premiada: algumas perplexidades. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB PR. 2ª edição, dezembro de 2016, http://revistajuridica.esa.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2016/12/2-8-plea.pdf. FERREIRA DE OLIVEIRA, André. Soluções negociadas de justiça penal no direito português: uma realidade atual numa galáxia distante?Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n.1, p. 98, jan/ abril 2017. https:// doi.org/10.22197/rbdpp.v3i1.39. ORTIZ, Juan Carlos. La delación premiada em España: instrumentos para el fomento de la colaboración con la justicia.Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol 3, n. 1, p. 39-70, jan./ abr. 2017. https:// doi.org.10.22197/ rbdpp.v3i1.38. ROSA, Alexandre Morais. Para entender a delação premiada conforme a teoria dos jogos: Táticas e estratégias do negócio jurídico.Empório Modara. Florianópolis, 2018. SANTOS, Marcos. P. D. Colaboração unilateral premiada como consectário lógico das balizas constitucionais do devido processo legal brasileiro.Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n.1, p. 131-166, jan./ abril. 2017. https:// doi.org/ 10.22197/ rbdpp.v3i.49. [1]ROSA, Alexandre Morais. Para entender a delação premiada conforme a teoria dos jogos: Táticas e estratégias do negócio jurídico. Empório Modara. Florianópolis, 2018. p. 15. [2]ROSA, Alexandre Morais. Para entender a delação premiada conforme a teoria dos jogos: Táticas e estratégias do negócio jurídico. Empório Modara. Florianópolis, 2018. p. 15. [3]Ibdem, p. 21. [4]ROSA, Alexandre Morais. Para entender a delação premiada conforme a teoria dos jogos: Táticas e estratégias do negócio jurídico. Empório Modara. Florianópolis, 2018. p. 50. [5]Ibdem, p. 51. [6]CRUZ, Flávio Antônio da. Plea Bargaining e delação premiada: algumas perplexidades. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB PR. 2ª edição, dezembro de 2016, http://revistajuridica.esa.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2016/12/2-8-plea.pdf, acesso em 01 de maio de 2018. p. 15. [7]CRUZ, Flávio Antônio da. Plea Bargaining e delação premiada: algumas perplexidades. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB PR. 2ª edição, dezembro de 2016, http://revistajuridica.esa.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2016/12/2-8-plea.pdf, acesso em 01 de maio de 2018, p. 16. [8]Ibdem, p. 16. [9]Ibdem, p. 17. [10]Ibdem, p. 35. [11]CRUZ, Flávio Antônio da. Plea Bargaining e delação premiada: algumas perplexidades. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB PR. 2ª edição, dezembro de 2016, http://revistajuridica.esa.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2016/12/2-8-plea.pdf, acesso em 01 de maio de 2018, p. 38. [12]FERREIRA DE OLIVEIRA, André. Soluções negociadas de justiça penal no direito português: uma realidade atual numa galáxia distante? Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n.1, p. 72 – 102, jan/ abril 2017. https:// doi.org/10.22197/rbdpp.v3i1.39. [13] FERREIRA DE OLIVEIRA, André. Soluções negociadas de justiça penal no direito português: uma realidade atual numa galáxia distante? Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n.1, p. 72 – 102, jan/ abril 2017. https:// doi.org/10.22197/rbdpp.v3i1.39. [14]FERREIRA DE OLIVEIRA, André. Soluções negociadas de justiça penal no direito português: uma realidade atual numa galáxia distante? Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n.1, p. 98, jan/ abril 2017. https:// doi.org/10.22197/rbdpp.v3i1.39. [15]FERREIRA DE OLIVEIRA, André. Soluções negociadas de justiça penal no direito português: uma realidade atual numa galáxia distante? Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n.1, p. 98, jan/ abril 2017. https:// doi.org/10.22197/rbdpp.v3i1.39. [16]ORTIZ, Juan Carlos. La delación premiada em España: instrumentos para el fomento de la colaboración con la justicia. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol 3, n. 1, p. 39-70, jan./ abr. 2017. https:// doi.org.10.22197/ rbdpp.v3i1.38. [17]ORTIZ, Juan Carlos. La delación premiada em España: instrumentos para el fomento de la colaboración con la justicia. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol 3, n. 1, p. 39-70, jan./ abr. 2017. https:// doi.org.10.22197/ rbdpp.v3i1.38. [18]SANTOS, Marcos. P. D. Colaboração unilateral premiada como consectário lógico das balizas constitucionais do devido processo legal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n.1, p. 131-166, jan./ abril. 2017. https:// doi.org/ 10.22197/ rbdpp.v3i.49. [19]SANTOS, Marcos. P. D. Colaboração unilateral premiada como consectário lógico das balizas constitucionais do devido processo legal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n.1, p. 131-166, jan./ abril. 2017. https:// doi.org/ 10.22197/ rbdpp.v3i.49 [20]CRUZ, Flávio Antônio da. Plea Bargaining e delação premiada: algumas perplexidades. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB PR. 2ª edição, dezembro de 2016, http://revistajuridica.esa.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2016/12/2-8-plea.pdf, acesso em 01 de maio de 2018, p. 63. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |