A competência da justiça militar, para alguns, ainda é um tema que causa confusão no meio jurídico, principalmente para aqueles que não têm intimidade com a matéria.
A justiça especializada utilizada para os militares, seja da União ou dos Estados, bem como para os civis, em algumas situações, merece toda atenção daqueles que operam ou querem operar perante os juízos militares. Mas, para instigar o diálogo, vamos indagar aos leitores as seguintes situações: 1º - O crime de favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável, cometido por militar em serviço, é crime militar? 2º - O homicídio, realizado com uso de veneno, contra civil, por militar em serviço, é crime militar? Analisaremos a mudança trazida pela Lei 13.491, de 13 de outubro de 2017, que alterou o artigo 9º, inciso II, do CPM. Inicialmente, não podemos esquecer que, de acordo com a ordem constitucional, mais especificamente os artigos 124[1] e 125, §4º[2], compete à Justiça Militar julgar os crimes militares, mas a Constituição não define crime militar. A Justiça Militar estadual processa e julga os militares dos Estados e também os crimes militares, ou seja, orienta-se através da ratione personae e materiae. Já a Justiça Militar da União, julga militares das forças armadas e civis, acusados de crimes militares, usando, portanto, o critério ratione materiae. Desta forma observemos a modificação do artigo 9º, inciso II, do Código Penal Militar, trazida pela Lei 13. 491/17. Vejamos: Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017) a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que, embora não estando em serviço, use armamento de propriedade militar ou qualquer material bélico, sob guarda, fiscalização ou administração militar, para a prática de ato ilegal; Desta forma, mudamos o conceito anterior de que crimes militares próprios, eram aqueles previstos no CPM, e só podiam ser praticados por militares, e crimes militares impróprios, eram aqueles previstos no CPM e no CP, de forma que podiam ser praticados por militares ou civis. Com a alteração no CPM, onde se lê “os crimes previstos neste código”, refere-se aos crimes descritos na legislação penal castrense, enquanto os “previstos na legislação penal”, àqueles de todas as leis penais. A partir da alteração, podemos concluir que o militar enquadrado numa das situações descritas no artigo 9º, inciso II, do CPM, será processado e julgado pela Justiça Militar, pelo cometimento daquele crime, no caso concreto. Com a entrada da lei de regência, nos casos de competência em razão da matéria, os autos devem ser remetidos imediatamente ao juízo competente, salvo quando já houver sentença prolatada no processo. Diante de tais informações já podemos responder a primeira pergunta: O crime de favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável, cometido por militar em serviço, é crime militar? A resposta é sim, pois, o referido crime – artigo 218-B, caput, e seus parágrafos 1º e 2º, do CPB - não tem previsão no CPM, mas foi praticado por militar em serviço, enquadrando-se nas hipóteses previstas no artigo 9º, inciso II, do códex repressivo militar. Outra alteração importante no CPM, trazida pela referida lei, foi a constante no artigo 9º, § 2º, descrito abaixo: Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: § 2o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais: a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. Observa-se, então, que é de competência da Justiça Militar da União julgar os crimes dolosos contra a vida de civil, cometido por militares das Forças Armadas, nos casos, por exemplo, das operações de garantia da lei e da ordem (GLO). Outro exemplo que podemos trazer são as operações realizadas na época de eleições por esses militares, em que, caso ocorra algum crime doloso contra a vida de civil, a competência será da Justiça Militar da União. Já em relação aos crimes dolosos contra a vida de civil, praticados por militares estaduais, ou que integrem um contingente da Força Nacional, a competência continua do Tribunal do Júri. Perguntamos o motivo dessa distinção, pois pode haver o caso de militares das Forças Armadas atuarem em conjunto com contingente de militares da Força Nacional de Segurança, numa operação de Garantia da Lei e da Ordem. Desta forma, responderemos a segunda pergunta: o homicídio, realizado com uso de veneno, contra civil, por militar em serviço, é crime militar? Se militar estadual, responde no Tribunal do Júri, não sendo, assim, crime militar. Caso, entretanto, seja militar das Forças Armadas, entendemos ser crime militar, por se enquadrar nas hipóteses apresentadas no artigo 9º, §2º, do CPM. Assim, em breve resumo, apresentamos algumas modificações no Código Penal Militar, que ainda passa longe do que deveria realmente ser feito nesse códex repressivo militar. Mas entendemos que o legislador quis trazer uma certa celeridade ao julgamento de militares que se encontram nas situações descritas pela referida lei. Raimundo de Albuquerque Advogado Criminalista Mestrando em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) Especialista em Ciências Penais Secretário-Geral e Coordenador de Direito Penal ESA/RR Professor na graduação e pós-graduação em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia do Centro Universitário Estácio da Amazônia Membro do International Center for Criminal Studies (ICCS)Colunista de Direito Militar do Sala de Aula Criminal [1] Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar. [2] Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. (...) § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. REFERÊNCIAS BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Brasília, DF, out 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 mar. 2018 BRASIL. DECRETO-LEI Nº 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969. CÓDIGO PENAL MILITAR, Brasília, DF, out 1941. Disponível em: <http:// http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1001.htm>. Acesso em: 13 mar. 2018. Comments are closed.
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