A teoria crítica é um método de análise dos direitos humanos encabeçada pelo escritor e filósofo espanhol Joaquín Herrera Flores, professor da Universidade Pablo de Olavide de Sevilha, falecido em 2009. A partir da teoria critica propõe a reinvenção dos direitos humanos. Tendo como base o pensamento libertário e emancipador de Paulo Freire, Herrera Flores compreende que o mundo não é estático, o mundo não é, mas está sendo, pois o mundo se encontra em constante movimento e transformação. Não se pode, portanto, conceber a noção de direitos humanos ou as violações a esses direitos, como algo imutável ou natural, sem possiblidade de críticas ou modificações. “Reinventar os direitos humanos significa abrir a possibilidade de pensá-los como algo transitório, um constructo histórico que pode ser reconstruído, em busca de um mundo livre, sem opressão, sem discriminação, sem exclusão, que não imobilize o pensamento ou a ação”.[1] Os direitos humanos são um tema de alta complexidade, pois, de um lado há uma estreita confluência com elementos ideológicos e culturais, e por outro, sua natureza normativa está estreitamente imbricada na vida concreta das pessoas. Reconhecer que nossas categorias e instituições se baseiam em ficções, não implica degradar sua natureza instrumental e técnica, mas fazê-lo põe em evidência o fato de que estas construções estão determinadas pela história e pelo trabalho interpretativo da humanidade, entendimento que é muito importante para o diálogo e para a capacidade de transformação do real.[2] Essa categoria de direitos vem sendo entendida de um modo genérico, como uma forma ocidental hegemônica de luta pela dignidade humana, mas sabe-se que existem outros modos e caminhos para a dignidade, diferentes dos propostos pela cultura de direitos que prepondera em nosso contexto cultural. Os direitos humanos como produtos culturais, constituem, assim, um conjunto de diretrizes, regras, propostas de ação, modos e formas de articulação das ações humanas cujos limites e fronteiras são difíceis de determinar completa e definitivamente. Há uma dupla dificuldade: em primeiro lugar, não se pode separar os direitos humanos das tentativas dos governos ocidentais em impô-los a toda a humanidade como a única forma de ação social e judicial. E em segundo lugar porque viver com outros ou caminhos de dignidade, requer, necessariamente um alto grau de comprometimento com a multiplicidade e diversidade de sofrimentos e indignações que os seres humanos sofrem em suas vidas diariamente.[3] Para uma teoria que pretende ser uma reflexão crítica sobre a dignidade humana e as formas culturais para conquistá-la, pensamos que devemos afirmar a nossa diferença desde o início, com as teorias que "negam" a necessidade de repensar contínua e permanentemente o conceito de direitos humanos. Muitas dessas teorias afirmam que os direitos humanos já estão afirmados e que não há que se discutir ou reconceituar esses direitos em função de novos eventos que ocorrem no decorrer da História.[4] Joaquín Herrera FLORES explica que, alcançar tais propostas é admitir que, evolutivamente nos tornamos conscientes de novas "gerações" de direitos. O uso da metáfora de gerações de direitos, ao invés vez de levar em conta mudanças nos contextos sociais, econômicos e culturais e a insistência de que deveríamos seguir sem repensá-los porque eles já são o suficiente pensado por um conjunto de "autoridades acadêmicas” do mundo ocidental, é um ataque contra a capacidade humana em repensar continuamente o mundo em que vive.[5] E se pergunta: como dar por “definitivamente definidos” os direitos quando o contexto social, político e econômico tomou uma reviravolta tão espetacular? Não é um insulto à inteligência e sensibilidade humana continuar pesando que os direitos já estão suficientemente garantidos por aparecer em declarações internacionais e textos constitucionais quando a "revolução neoliberal" mudou o mundo sem sequer tocar no conteúdo de tais normas?[6] “Essa compreensão de que os direitos humanos estão postos e já estancados em tratados e convenções, é uma especial preocupação da teoria critica, pois assim sendo, não há mais o que se avançar. Não obstante, leva à uma ideia de que não são necessários novos direitos, tampouco não ocorre um questionamento e uma reflexão acerca daquilo que já foi positivado”.[7] O autor firma ainda, que é obrigatório denunciar tais distorções da realidade. Os direitos humanos são um produto cultural surgido no escopo do que foi denominado Ocidente, especialmente porque, de um lado, eram necessárias justificativas ideológicas da expansão colonial em todo o mundo e também porque era necessário enfrentar a "globalização" das injustiças e opressões que esse mesmo expansionismo estava produzindo em toda parte.[8] “Herrera Flores parte de uma crítica a essa abstração de direitos, na qual o ser humano e seu contexto social não são levados em conta. É uma figura marcante e reiterada em sua obra a necessidade de que os sujeitos, a quem esses direitos positivados são destinados, tenham conexão com a realidade em que estão inseridos”.[9] A aventura de experimentar a teoria crítica dos direitos humanos exige um compromisso ético e uma tomada de posição prévia, sem a qual a reflexão crítica emancipadora não tem lugar. Essa ideia parte da compreensão de que em matéria de direitos humanos a posição prévia supõe o ânimo de confrontação no sentido de exercício de humanidade e possibilidade de resistência do potencial de pensar alternativamente.[10] Os direitos humanos são um fenômeno que resiste à suposta “neutralidade” científica, sobretudo para a teoria crítica, que se compromete a refletir intelectualmente e a propor dinâmicas de luta contra os processos hegemônicos de divisão do fazer humano, com o objetivo de empoderar e fortalecer as pessoas e grupos que sofrem violações, dotando-os de meios e instrumentos necessários para que de forma plural possam lutar pela dignidade.[11] É importante pontuar que, dar visibilidade à parcialidade da legalidade pretensamente neutra não significa negar as normas ou garantias formais já reconhecidas, pelo contrário, essas garantias são importantes, e parte essencial da luta por direitos, mas não eximem e nem substituem a luta e a expectativa por satisfação desse mesmo direito e também pelo acesso aos bens.[12] As garantias são essenciais mas muitas vezes insuficientes ou ineficazes. Contudo, é preciso evitar a tendência ao rechaço da própria norma no impulso da desqualificação gerada pelo pensamento crítico, portanto, é preciso contextualizar historicamente a norma e verificar sua capacidade de transformação a fim de visibilizar suas debilidades e contradições.[13] Para a reflexão teórica dominante, os direitos “são” os direitos. São uma plataforma para obter mais direitos, na perspectiva tradicional a ideia do que são os direitos é reduzida a generalização dos direitos, em resumo, o conteúdo básico do discurso tradicional é o “direito a ter direitos”. Trata-se de uma lógica simplista, pois conduz a uma percepção a priori dos direitos humanos, que nos faz pensar que temos os direitos antes mesmo de ter a capacidade para exercê-los. Dessa forma, as pessoas que lutam pelos direitos humanos acabam desencantadas, pois, apesar de dizerem que temos direitos a maioria da população mundial não consegue desfrutar deles por falta de condições materiais para tanto.[14] A teoria proposta por Herrera Flores não se trata apenas de uma redefinição ou reconceitualização dos direitos humanos, mas sim de uma teoria extremamente abrangente e completa, porque trata os direitos humanos em sua complexidade. Não se trata apenas de reconceituar os direitos humanos como processos de lutas sociais por dignidade, mas busca incluir todas e todos aqueles que foram excluídos dos processos hierárquicos de acessos aos bens.[15] Para Joaquín Herrera Flores o grande desafio de nosso tempo é reinventar os direitos humanos a partir de uma concepção crítica e contextualizada. Aponta ao longo de suas obras, a falsa neutralidade das teorias de direitos humanos. Suas reflexões foram capazes de desnudar teorias que partiam da desigualdade a priori, que foram ocultadas por regras de coerência e jogos teóricos, além disso, questionou a sobrecarga moral e jurídica da filosofia politica contemporânea, que acabaram se demonstrando como estratégias para dotar de invisibilidade as relações de poder e as táticas criadas para ocultar as desigualdades.[16] Segundo esse autor, devemos sair desse círculo vicioso do “simplismo” da teoria tradicional, que começa e termina falando que temos direitos, e pergunta-se se não há mais nada além dos direitos, e de que servem mais direitos se não sabemos para que existem e como foram formulados? Para isso, propõe particularizar os direitos humanos por meio de três níveis de trabalho: o que, por quê e para quê dos direitos humanos.[17] O primeiro nível, “o quê” dos direitos, aponta que os direitos humanos são mais do que direitos propriamente ditos, são processos, são o resultado provisório das lutas que os seres humanos colocam em prática para ter acesso aos bens necessários para a vida. Os direitos não devem ser confundidos com os direitos positivados no âmbito nacional ou internacional, pois constituições e tratados não criam direitos, admitir isso, é cair na falácia do positivismo.[18] Joaquín Herrera Flores conceitua direitos humanos como “uma convenção cultural que utilizamos para introduzir uma tensão entre os direitos reconhecidos e as práticas sociais que buscam tanto seu reconhecimento positivado, como outra forma de reconhecimento ou procedimento que garanta algo que é, ao mesmo tempo, exterior e interior a tais normas”.[19] Exterior, pois, as constituições e tratados reconhecem, não de forma neutra ou apolítica os direitos que são resultados das lutas sociais que se dão fora do Direito, a fim de conseguir acesso igualitário e não hierarquizado aos bens necessários para sobreviver. E interior, pois essas normas podem dotar os resultados de certas garantias para forçar seu cumprimento. Portanto, não se começa pelos direitos, mas pelos bens exigíveis para se usufruir da vida com dignidade. Os direitos vêm das lutas pelo acesso aos bens; as lutas podem, eventualmente, se apoiar em sistemas de garantias já formalizados, mas outras vezes estão em situação de “alegalidade”. As normas resultantes servirão para garantir, não de modo neutro, um determinado acesso a determinado bem. Dessa forma, quando falamos em direitos humanos, estamos a falar de dinâmicas sociais que tendem a construir condições materiais e imateriais necessárias para atingir objetivos que estão fora do direito.[20] O segundo nível, “por quê” dos direitos, afirma que a teoria tradicional se detém “no quê” são os direitos, pois argumenta que é algo já alcançado, e, portanto, não precisa ser objeto de maior investigação. A luta pelos direitos humanos tem como base a necessidade de se ter acesso aos bens exigíveis para viver e porque estes não são concedidos livremente pelo Estado e pelos que estão no poder. O acesso a esses bens se insere em um processo mais amplo que faz com que uns tenham acesso mais facilitado aos bens e outros não, essa relação se dá por conta divisão social, segundo a “posição” que ocupamos na sociedade teremos maior ou menor grau de facilidade para ter acesso aos bens básicos. Dessa maneira, começasse a lutar pelos direitos porque se considera injusto e desigual o processo de divisão do fazer do ser humano.[21] O terceiro nível, “para quê” dos direitos, coloca que, ao afirmarmos que os direitos são processos de luta pelo acesso aos bens porque vivemos imersos em processos hierárquicos e desiguais que servem de obste ao exercício pleno desses direitos, ainda resta a questão do “para quê” esses direitos. A luta se dá pela satisfação digna desses direitos, a busca é pela dignidade humana. Entende-se por dignidade não o simples acesso aos bens, mas o acesso igualitário e não hierarquizado por processos de divisão do fazer, que coloque uns em posição privilegiada em relação a outros. Contudo, a dignidade não deve ser entendida como um fim material, um objetivo que se concretiza no acesso igualitário e generalizado aos bens que tornam a vida digna.[22] Conclui-se então que o conteúdo básico dos direitos humanos é “o conjunto de lutas pela dignidade, cujos resultados, se é que temos o poder necessário para isso, deverão ser garantidos por normas jurídicas, por políticas públicas e por uma economia aberta às exigências da dignidade”.[23] Perceber os direitos humanos como o resultado de lutas implica entendê-los como transitórios, contextuais e complexos, que uma teoria realista e crítica dos direitos humanos pressupõe uma visão concreta do mundo, onde se deve pensar o que é, mas também o que deve ser. A teoria crítica implicar em ter um pensamento crítico de combate, com a conscientização no sentido da importância do reforço das garantias formais reconhecidas juridicamente, mas também do empoderamento dos grupos desfavorecidos, para que possam lutar por dignidade. É uma teoria que tenda à abertura epistemológica, intercultural e política, pois, o aprofundamento do conceito de democracia não pode ocorrer sem uma interconexão com o reconhecimento, o respeito, a responsabilidade e a redistribuição de riquezas.[24] Joaquín Herrera Flores entende os direitos humanos em sua complexidade, para isso categoriza em complexidade cultural, empírica, jurídica, científica, filosófica, politica e econômica. Para os fins deste trabalho, exploraremos apenas a complexidade cultural, empírica e jurídica, pois foram objeto de análise e problematização nos capítulos anteriores. Complexidade cultural se dá através de uma confluência estreita entre os elementos ideológicos que se apresentam como universais e as premissas culturais, que tem a ver com as relações particulares que as pessoas vivem. Os direitos humanos surgiram no Ocidente como resposta às reações sociais e filosóficas em um momento de expansão global e novas relações sociais baseadas na cumulação de capital. A Declaração Universal constitui ainda hoje um marco muito importante pelo processo de humanização da humanidade, contudo, não se pode ocultar os seus fundamentos ideológicos e filosóficos que são puramente ocidentais. Essa constatação não retira a importância do texto, mas ajuda a colocá-lo em seu contexto concreto, o que pode nos servir para explicar algumas dificuldades para a sua aplicação prática.[25] Não podemos analisar os direitos humanos fora de seu contexto ocidental, mas também não devemos esquecer de sua capacidade de gerar esperança na luta contra a injustiça e exploração, pois são essas lutas que permitem que o conceito se “universalize” como base ética e jurídica voltada apara criar e garantir instrumentos uteis para ascender aos bens materiais e imateriais para se viver com dignidade. Dessa maneira, um conceito que surgiu em um locus específico difundiu-se por todo o globo como um mínimo ético necessário para se viver e lutar pela dignidade. A complexidade está no fato de que em várias ocasiões tentam se impor em face de concepções culturais que por vezes nem sequer tem em sua bagagem linguística o conceito de direito, como é o caso de vários grupos indígenas, e isso acaba por gerar conflitos de interpretação em relação aos direitos humanos que se deve saber contornar sem imposições e nem colonialismo.[26] A universalidade é uma premissa que se justifica através da ideia de que todos os seres humanos têm todos os direitos reconhecidos nos textos internacionais pelo mero fato de haver nascido. Por mais que uma norma diga que temos direitos, logo vamos nos deparar com a realidade concreta na qual vivemos, e o resultado definitivo pode ser bem diferente para uns e outros.[27] A linguagem dos direitos é sempre normativa, nunca descritiva, ou seja, o Direito nunca afirma o que é, mas o que deve ser, é de natureza deontológica. A igualdade não é algo dado de antemão, é algo que se tem de construir utilizando para tanto as intervenções sociais e públicas. Portanto, quando utilizamos a linguagem dos direitos não partimos do que temos, mas do que devemos ter. Essa é, portanto, a complexidade empírica.[28] As normas jurídicas postulam um dever ser, pois, se não fosse assim, não seriam normas, mas sim descrições sociológicas. Uma norma não é mais que um instrumento, um meio a partir do qual se estabelecem procedimentos e prazos para satisfazer de um modo normativo as demandas da sociedade. Uma norma nada pode fazer por si só, pois sempre depende de um conjunto de valores que impera em uma sociedade concreta.[29] As normas estão inseridas em sistemas de valores e em processos sociais de divisão do trabalho humano a partir da qual se institui o acesso ou não aos bens. São meios, instrumentos que prescrevem comportamentos e deveres individuais e coletivos a partir de um sistema axiológico e econômico dominante. Portanto, tratar os direitos humanos como um fato, pode confundir os cidadãos e cidadãs a crer que o simples texto normativo já assegura o acesso aos bens. Contudo, o sistema de valores hegemônicos é neoliberal, por consequência, coloca as liberdades do mercado acima das políticas públicas de igualdade econômica, social e cultural.[30] Dessa forma, a aplicação efetiva das normas dispostas nas constituições e tratados serão aplicadas em função de valores que afirmam os valores do sistema econômico e não em favor de um acesso igualitário aos bens. Disso decorre a dificuldade de alguns grupos de pessoas ao buscar as garantias necessárias para o acesso aos bens. Nem todos têm por igual os instrumentos e meios para levar adiante a luta pelo acesso, contudo, todos os indivíduos deveriam ter esses meios e outros de maior alcance para garantir o exercício das politicas sociais em prol da dignidade.[31] Em resumo, a complexidade dos direitos aumenta quando confundimos o empírico (ter direitos) com o normativo (o que devemos ter) e as boas intenções de entidades e indivíduos que estão comprometidos com a generalização desses direitos com as realidades concretas e obstáculos políticos, econômicos e culturais que se interpõe entre a lei e os resultados concretos. Ao confundir empírico com normativo faz parecer que os direitos estão incluídos na vida concreta das pessoas, todavia, se olharmos ao redor veremos que isso não ocorre dessa forma, basta olhar o abismo entre os países pobre e ricos, os índices de desigualdade entre eles cresce a cada ano. E, no entanto, segue-se dizendo que todos têm os mesmos direitos pelo simples fato de ter nascido, nascido onde? [32] Joaquín Herrera FLORES estabelece quatro condições para a consolidação de uma teoria crítica e realista dos direitos humanos: 1. É assegurar uma visão realista do mundo em que vivemos e desejamos atuar utilizando os meios que nos trazem os direitos humanos; 2. O pensamento crítico é um pensamento de combate, e deve desempenhar um forte papel de conscientização que ajude a lutar contra o adversário e a reforçar os próprios objetivos e fins. 3. O pensamento crítico surge em e para coletividades sociais determinadas, que dele necessitam para elaborarem uma visão alternativa do mundo para lutar pela dignidade; 4. Por tais razões, o pensamento crítico demanda a busca permanente de exterioridade, não em relação ao mundo em que vivemos, mas em relação ao sistema dominante.[33] Além das quatro condições, Joaquín Herrera FLORES estabelece também quatro deveres básicos para uma teoria realista e crítica dos direitos humanos: em primeiro lugar, o “reconhecimento” de que todos e todas, sem exceção, devemos ter a possibilidade de reagir culturalmente frente ao entorno de relações no qual vivemos. [...] Em segundo lugar, o respeito como forma de conceber o reconhecimento como condição necessária, mas não suficiente, na hora de por em prática as lutas pela dignidade. [...] Em terceiro lugar, a reciprocidade, como base para saber devolver o que tomamos dos outros para construir os nossos privilégios, seja dos outros seres humanos, seja da mesma natureza da qual dependemos para a reprodução primária da vida. Em quarto lugar, a responsabilidade. Se tivermos de ser recíprocos perante o dano cometido aos outros (por exemplo, por meio das políticas e práticas coloniais), devemos deduzir e assumir com toda a valentia possível, primeiro, a nossa responsabilidade na subordinação dos outros e, segundo, a nossa responsabilidade de exigir responsabilidades aos que cometeram o saqueio e a destruição das condições de vida dos demais. Em quinto lugar, a redistribuição; ou seja, o estabelecimento de regras jurídicas, fórmulas institucionais e ações políticas e econômicas concretas que possibilitem a todos não somente satisfazer as necessidades vitais “primárias” – elemento por demais básico e irrenunciável – mas, além disso, a reprodução secundária da vida, quer dizer, a construção de uma “dignidade humana” não submetida aos processos depredadores do sistema impostos pelas necessidades de benefício imediato que caracterizam o modo de relações baseado no capital; sistema no qual uns tem nas suas mãos todo o controle dos recursos necessários para dignificar suas vidas, e outros não tem mais que aquilo que Pandora não deixou escapar dentre suas mãos: a esperança de um mundo melhor.[34] Percebe-se a confluência entre os deveres e as condições. Há a necessidade de pensar os direitos de forma concreta e combativa possibilitando uma visão alternativa do mundo para buscar dignidade, mas para isso é necessário o respeito e reciprocidade como fundamento de mudança e o reconhecimento de que todos, sem exceção podem reagir culturalmente ao entorno ao qual vivem e a fundamental redistribuição para garantir a dignidade humana. Por fim, a partir das premissas da teoria critica, entende-se que para chegar a um ponto comum de aplicação dos direitos humanos onde todas as camadas sociais sejam contempladas e as lutas sociais sejam visibilizadas é preciso pensar os direitos humanos de forma crítica, histórica e material. Somente assim, os direitos humanos não serão apenas um conceito abstrato e parcial, mas sim um instrumento capaz de orientar os seres humanos na libertação da servidão material e imaterial ao que se encontram desde o inicio dos tempos. A teoria crítica dos direitos humanos, do jurista espanhol Joaquín Herrera Flores traz uma interpretação alternativa de tais direitos. Explicita as razões pelas quais os direitos positivados nos ordenamentos jurídicos internos e em documentos internacionais não são garantidos, muitas vezes, no plano prático. Rechaça a argumentação hegemônica de muitos autores de que os direitos humanos não precisam mais ser pensados e argumenta se tratar de uma categoria dinâmica, e por estar em constante mudança, deve constantemente ser repensada e problematizada. O viés crítico demanda uma atuação positiva por parte dos juristas e o entendimento de que as normas de direitos são programáticas, ou seja, demandam luta social para que sejam efetivadas. Divide os direitos humanos em três níveis: o quê, por que e para quê. Os direitos humanos são processos de luta visando garantir o acesso a bens matérias e imateriais para tornar a vida digna. O objetivo da teoria crítica é recontextualizar os direitos humanos e questionar a neutralidade deles, pelo fato de ser fruto de um período histórico específico. Larissa Tomazoni Mestranda em Direito pelo Uninter, Pós graduanda em Gênero e Sexualidade Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – Unibrasil Pesquisadora do Núcleo de Estudos Filosóficos (NEFIL/UFPR) e do Grupo de estudos Jurisdição Constitucional Comparada: método, modelos e diálogos (Uninter) Advogada [1] CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; GRUBBA, Leilane Serratine. O embasamento dos direitos humanos e sua relação com os direitos fundamentais a partir do diálogo garantista com a teoria da reinvenção dos direitos humanos. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322012000200013 > Acesso em: 28 nov. 2017. [2] FLORES, Joaquín Herrera. Hacia una visión compleja de los derechos humanos. In: El vuelo de Anteo: Derechos humanos y crítica de la razón liberal. Bilbao: Desclée De Brouwer, 2000.p.20. [3] FLORES, Joaquín Herrera. La verdad de una teoría crítica de los derechos humanos. In: Los derechos humanos como productos culturales: Crítica del humanismo abstracto. Madrid: Libros de la Catarata, 2005.p.31-35. [4] Idem. [5] Idem. [6] Idem. [7] LEMOS, Eduardo Xavier. Revisitando Herrera Flores: compreensões acerca da teoria crítica de direito humanos. Disponível em:< https://sites.google.com/a/criticadodireito.com.br/revista-critica-do-direito/todas-as-edicoes/numero-3---volume-58/revisitando-herrera-flores-compreensoes-acerca-da-teoria-critica-de-direitos-humanos > Acesso em: 28 nov. 2017. [8] FLORES, Joaquín Herrera. La verdade...,p.31-35. [9] LEMOS, Eduardo Xavier. Op.cit. [10] PRONER, Carol. Reinventando los derechos humanos: el legado de Joaquín Herrera Flores. In: PRONER, Carol ; CORREAS, Oscar. (coord.) Teoria crítica dos direitos humanos: in memoriam Joaquín Herrera Flores. Belo Horizonte: Fórum, 2011.p.31. [11] FLORES, Joaquín Herrera. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Boiteux, 2009.p.38. [12] PRONER, Carol. Op.cit.,p.34. [13] Idem. [14] FLORES, Joaquín Herrera. A reinvenção...,p.33. [15] INÁCIO, Nildo. Os direitos humanos a partir da perspectiva crítica de Joaquim Herrera Flores. Disponível em: < http://www.oab-sc.org.br/artigos/os-direitos-humanos-partir-perspectiva-critica-joaquim-herrera-flores/176> Acesso em: 28 nov. 2017. [16] PRONER, Carol. Op.cit.,.p.27. [17] FLORES, Joaquín Herrera. A reinvenção..., p.33. [18] Ibidem, p.34. [19] Idem. [20] Ibidem, p.34-35. [21] Ibidem, p.35-36. [22] Ibidem, p.36-37. [23] Ibidem, p.39. [24] CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; GRUBBA, Leilane Serratine. Op. cit. [25] FLORES, Joaquín Herrera. A reinvenção..., p.41-42. [26] Ibidem, p.42-43. [27] Ibidem, p.43-44. [28] Ibidem, p.44. [29] Ibidem, p.45-46. [30] Ibidem, p.46-47. [31] Ibidem, p.47. [32] Ibidem, p.47-48. [33] INÁCIO, Nildo. Op.cit. [34] Idem. Referências CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; GRUBBA, Leilane Serratine. O embasamento dos direitos humanos e sua relação com os direitos fundamentais a partir do diálogo garantista com a teoria da reinvenção dos direitos humanos. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322012000200013 > Acesso em: 28 nov. 2017. FLORES, Joaquín Herrera. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Boiteux, 2009. FLORES, Joaquín Herrera. Hacia una visión compleja de los derechos humanos. In: El vuelo de Anteo: Derechos humanos y crítica de la razón liberal. Bilbao: Desclée De Brouwer, 2000. FLORES, Joaquín Herrera. La verdad de una teoría crítica de los derechos humanos. In: Los derechos humanos como productos culturales: Crítica del humanismo abstracto. Madrid: Libros de la Catarata, 2005.p.31-35. INÁCIO, Nildo. Os direitos humanos a partir da perspectiva crítica de Joaquim Herrera Flores. Disponível em: < http://www.oab-sc.org.br/artigos/os-direitos-humanos-partir-perspectiva-critica-joaquim-herrera-flores/176> Acesso em: 28 nov. 2017. LEMOS, Eduardo Xavier. Revisitando Herrera Flores: compreensões acerca da teoria crítica de direito humanos. Disponível em:< https://sites.google.com/a/criticadodireito.com.br/revista-critica-do-direito/todas-as-edicoes/numero-3---volume-58/revisitando-herrera-flores-compreensoes-acerca-da-teoria-critica-de-direitos-humanos > Acesso em: 28 nov. 2017. PRONER, Carol. Reinventando los derechos humanos: el legado de Joaquín Herrera Flores. In: PRONER, Carol; CORREAS, Oscar. (coord.) Teoria crítica dos direitos humanos: in memoriam Joaquín Herrera Flores. Belo Horizonte: Fórum, 2011. Comments are closed.
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