No escrito do mês de fevereiro, foi tratado acerca da corrupção passiva, prevista no artigo 317 do Código Penal. Diante de tal situação, importante abordar neste momento, a respeito do crime de corrupção ativa, o qual está plenamente ligado ao tema do mês anterior, possibilitando uma melhor leitura daquele que acompanha a presente coluna. A hipótese de corrupção ativa encontra-se prevista no artigo 333 do Código Penal, o qual prevê: Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003) Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.[1] A norma é clara para configurar a prática de tal ato delitivo, todavia, a sua aplicação sem a devida interpretação do caso concreto pode levar a abusividades. Ademais, a matéria envolta à palavra “corrupção”, como já mencionado no artigo anterior, encontra-se no vocabulário diário da mídia, bem como da população, frente as inúmeras operações envolvendo investigações de supostas práticas de corrupção ativa e passiva. De acordo com a doutrina, entende-se por corrupção ativa:
Verifica-se que a corrupção ativa se difere da passiva até por seus ditos “verbos nucleares”, vez que, enquanto a corrupção passiva exige o “solicitar”, “receber” ou “aceitar” (promessa de) vantagem indevida, no caso de corrupção ativa, se exige o “oferecer” e/ou “prometer” vantagem indevida. Assim, a corrupção passiva é aplicada ao funcionário público, e a corrupção ativa se aplica ao particular que assim age em prejuízo à Administração Pública. Diante de tal situação, tem-se que o legislador acabou por disciplinar penas tanto para o corrompido, como para o corruptor. Por tratar-se de crime que envolva funcionário público, é importante destacar que o próprio Código Penal acaba por abordar quem, para fins penais, pode ser considerado funcionário público, conforme letra do artigo 327 do Código Penal: Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. [3] Feitas tais considerações, vislumbra-se que o tipo penal “corrupção ativa” passa diretamente pela dita “vantagem indevida” e pelo chamado “ato de ofício”. De se ressaltar que tal vantagem ofertada e/ou prometida pelo particular ao funcionário público não precisa necessariamente corresponder a verba pecuniária, assim como não precisa corresponder apenas a vantagens materiais, vez que a promessa de vantagem pode abranger favores, cargos, dinheiro, etc. A bem da verdade, a grande maioria de casos de corrupção ativa acabam versando sobre vantagens de cunho econômico, porém, é importante fazer tal ressalva. Em assim sendo, é importante se enfrentar a vantagem indevida conforme os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci:
Já o ato de ofício reflete diretamente ao ato a ser praticado, omitido ou retardado pelo funcionário público, ou seja, é o ato que depende do funcionário público, sem o qual, o tipo penal não se perfectibiliza, vez que não se tem como praticar corrupção ativa sem a figura do funcionário público, mesmo que este não venha a aceitar a promessa ou a oferta de vantagem indevida. Tem-se, por exemplo clássico de corrupção ativa o oferecimento, por motorista infrator, de quantia em dinheiro ao agente de trânsito, para que o deixe de autuar. Veja que o simples oferecimento pelo particular, independentemente do aceite do agente público, já basta para configurar a prática de corrupção ativa (ressalva-se aqui apenas o entendimento de que, para eventual configuração de tal tipo penal, deve ser observado o caso concreto, frente a subjetividade no ato de oferecer). Assim, tem-se que não se exige a existência de uma bilateralidade da conduta (para configuração da corrupção ativa por oferecer vantagem indevida, não depende do aceite do funcionário público, por exemplo), restando a configuração do ato comissivo do particular para configuração da prática delituosa. Diante das questões abordadas, tem-se que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sendo o sujeito passivo, o Estado, vez que é esse a vítima do ato de corrupção. Ademais, pelo fato de não existir modalidade culposa de corrupção ativa, o dolo (enquanto elemento subjetivo do tipo) ganha extrema relevância, vez que é este que deve ser demonstrado para configuração da prática delituosa, não restando dúvidas que a intenção do particular era fazer com que o funcionário público se corrompesse. A partir disso, já se é possível ter, ainda que em linhas gerais, o entendimento acerca dos contornos da prática de corrupção ativa, sendo importante destacar que esta prática delituosa é vista da seguinte maneira no judiciário: APELAÇÃO CRIMINAL – CORRUPÇÃO ATIVA – ART. 333 DO CP – AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS – COMPROVAÇÃO – NEGATIVA DE AUTORIA – TESE NÃO COMPROVADA – ART. 156 DO CPP – OITIVA DOS POLICIAIS – VALIDADE – SIMETRIA E COERÊNCIA – NUMERÁRIO OFERTADO PELO AGENTE – APREENSÇÃO – DEMAIS PROVAS – AUTORIA COMPROVADA – CONDENAÇÃO MANTIDA – PENA SUBSTITUTIVA – ACERTO – ART. 44 DO CP – INVIABILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS DE MESMA NATUREZA OU DE ESCOLHA PELO AGENTE. Ao se comprovar que o réu ofereceu ou prometeu a servidores públicos determinada quantia em dinheiro, para que deixassem de praticar algo inerente a suas atribuições funcionais, resta caracterizado o crime de corrupção ativa, art. 333 do CP, delito de mera conduta que é. Não cabe a parte a escolha das penas restritivas de direitos aplicadas em substituição a pena corporal que lhe foi imposta, sendo vedada inclusive a imposição de duas penas restritiva de mesma natureza.[5] Veja que o julgado é claro e representa aquilo que já fora mencionado no presente texto, para configuração da prática de corrupção ativa, é necessária a comprovação da conduta do particular no sentido de oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público. Basta a comprovação da conduta comissiva de oferecer ou prometer vantagem indevida. Todavia, é em tal ponto que reside o maior problema, a meu ver, vez que a prova efetiva da prática de corrupção ativa passa, por vezes, por critério deveras subjetivo nos dias atuais, sendo que por vezes, a única prova que se tem é a palavra do próprio funcionário público, o que pode trazer prejuízos ao particular, mesmo que este não tenha efetivamente praticado ato comissivo que configure prática de corrupção ativa. Acerca da possibilidade de prejuízos exacerbados a particular, decorrente da subjetividade envolta a prova da prática do crime de corrupção ativa, poderia ser mencionado aqui, um exemplo que fora abordado pela mídia paranaense neste mês de março de 2018, onde um advogado acabou sendo acusado de corrupção ativa. Sem adentrar especificamente ao mérito do caso concreto, passando da singela análise do que fora noticiado, uma cliente havia sido presa em flagrante, sendo que o advogado desta acabou levando certa quantia em dinheiro à delegacia, a pedido da família da cliente, sendo que, ao chegar com o numerário, o advogado acabou preso em flagrante pela suposta prática de corrupção ativa[6]. Veja-se que, sem adentrar ao mérito do caso em si, bem como ao acerto ou desacerto da prisão, bem como se de fato houve a prática delituosa ou não, mas levando-se em conta o que fora noticiado pela mídia, revela-se uma grande fragilidade para se comprovar efetivamente a ocorrência de ato de corrupção ativa. Da situação noticiada, sobrelevam-se algumas questões que denotam a necessidade de grande cuidado, vez que notadamente subjetivas, pois da forma que se observa o noticiado, não se poderia afirmar categoricamente a ocorrência de situação de corrupção ativa, sendo necessária a análise especifica das condições em que a suposta oferta de numerário ocorreu. Ademais, no caso exemplificado acima, o particular levou dinheiro à delegacia sob orientação da família da pessoa que estaria detida, o que também levaria à possibilidade de que o particular (advogado) estivesse agindo sem dolo frente a possível ignorância com relação ao suposto fato de que o numerário seria destinado a corromper funcionário público, não passando de intermediário. Enfim, sem adentrar ao mérito do caso em si, são algumas questões possíveis de ocorrer e que acabam por levantar possíveis prejuízos ao acusado, diante da subjetividade da conduta para configuração de tal tipo penal. Da mesma forma que já defendi no artigo anterior, relativo à corrupção passiva, entendo que a mera previsão genérica e deveras subjetiva para configuração da prática de corrupção ativa apenas favorece o avanço de autoritarismo e de eventuais interpretações equivocadas em determinadas situações. Vale destacar que tamanha subjetividade de interpretação da conduta possibilitaria a condenação de particular, pela prática de corrupção ativa, em decorrência do ato de oferecer uma bala-de-goma a funcionário público, enquanto este atende ao particular. Ressalva-se que, em sendo constatada situação de corrupção ativa, com dolo devidamente comprovado, a norma deve ser aplicada de modo a repelir a prática delituosa, porém, é necessário atentar à subjetividade de interpretação da conduta do agente, vez que diante da inexistência de critérios mais objetivos para apuração de dolo em conduta do particular, para configuração da prática de corrupção ativa, tem-se a flagrante possibilidade de cometimento de abusos e ilegalidades, o que deve ser combatido. Guilherme Zorzi Rosa Advogado Especialista em Direito Empresarial [1] Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm - Acesso em 09/03/2018. [2] CAMPOS, Pedro de. Direito penal aplicado: parte especial do código penal (arts. 121 a 361), 6ª edição.. Saraiva, 1/2016. Cit.p.778. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502634565/ [3] Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm - Acesso em 09/03/2018. [4] NUCCI, Guilherme Souza. Corrupção e Anticorrupção. Forense, 06/2015. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-6553-2/ [5] TJ-MG – APR: 10707110220241001 MG, Relator: Sálvio Chaves, Data de Julgamento: 20/09/2017, Câmaras Criminais / 7ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 29/09/2017 [6] Vide notícia disponível em http://www.bandab.com.br/seguranca/advogado-oferece-dinheiro-para-tirar-cliente-de-delegacia-e-acaba-preso-por-suborno/ - Acesso em 13/03/2018. REFERÊNCIAS - CAMPOS, Pedro de. Direito penal aplicado: parte especial do código penal (arts. 121 a 361), 6ª edição. Saraiva, 1/2016. Cit.p.778. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502634565/ - Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm - Acesso em 09/03/2018. - http://www.bandab.com.br/seguranca/advogado-oferece-dinheiro-para-tirar-cliente-de-delegacia-e-acaba-preso-por-suborno/ - Acesso em 13/03/2018. - NUCCI, Guilherme Souza. Corrupção e Anticorrupção. Forense, 06/2015. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-6553-2/ - TJ-MG – APR: 10707110220241001 MG, Relator: Sálvio Chaves, Data de Julgamento: 20/09/2017, Câmaras Criminais / 7ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 29/09/2017 Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |