O escrito deste mês pautará acerca do contido no caput do artigo 317 caput do Código Penal, o qual trata da “corrupção passiva”. Vale deixar claro que o presente texto não visa o esgotamento do tema (e nem poderia), mas sim, a realização de uma análise doutrinária do tipo penal, bem como a análise de julgado relativo à temática, de modo a permitir uma análise, ainda que superficial, acerca da aplicação prática de tal tema. Sobre a corrupção passiva, disciplina o Código Penal:
Em que pese a letra da lei já baste para se ter um entendimento sobre tal prática delituosa, é importante tecer maiores considerações acerca de tanto, até porque tal termo encontra-se, atualmente, no vocabulário comum dos cidadãos brasileiros, principalmente em decorrência da vasta cobertura da mídia com relação a “operação lava-jato”. De toda feita, a partir de tais considerações iniciais, tem-se importante destacar o que se pode entender pelo termo corrupção. No âmbito de estudo desta coluna – direito penal administrativo – pode-se entender que a corrupção se caracteriza pela negociata havida entre agentes, onde o prejuízo em si recai contra o Estado. Disso, menciona Guilherme de Souza Nucci:
Vale destacar que, para configuração da prática (ou não) de corrupção passiva, há necessidade de extrema atenção aos verbos nucleares do tipo, quais sejam, “solicitar”, “receber” ou “aceitar” (promessa de) vantagem indevida, sem os quais, não se pode configurar o ilícito penal. Importante mencionar que existem inúmeras situações possíveis e imagináveis de hipóteses passíveis de configuração de atos de corrupção passiva, porém, do próprio entendimento que se tem dos verbos acima mencionados, se tem, pelo menos em duas hipóteses (aceitar e receber), uma bilateralidade da conduta para configuração de tal ilícito penal, vez que depende da conduta praticada por outrem, enquanto que a solicitação não depende do ato praticado pelo outro partícipe do ato. Outrossim, o ato praticado pelo agente público, que incorre em tal prática delituosa, não precisa, necessariamente, corresponder a ato ilícito, vez que a corrupção passiva pode decorrer da realização de ato lícito do servidor. Em decorrência de tais questões, tem-se como corrupção própria, quando o crime de corrupção provém de ato ilícito do servidor, e imprópria quando de ato lícito. Exemplificando situação de corrupção própria, pode-se constatar no clássico exemplo de Policial que solicita dinheiro para deixar de aplicar multa de trânsito à motorista infrator. Noutro giro, em se tratando de corrupção imprópria, pode-se mencionar o recebimento de valores, por funcionário público, para que este venha a praticar ato que seria inerente à sua função, seja para acelerar o ato, seja pra retardá-lo. Ademais, ainda se poderia realizar uma distinção entre corrupção antecedente e consequente, sendo considerada a antecedente quando a propina é paga antes do ato que ensejou o pagamento e consequente em casos de pagamento mediante “resultado”. [3] De toda feita, em se tratando de corrupção passiva, é de se elencar que o sujeito ativo é configurado pela figura do servidor público, vez que é este que solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem indevida. Por outro lado, o sujeito passivo é a própria Administração Pública, pois ela que resta prejudicada pelo ato (comissivo ou omissivo) praticado pelo funcionário público. A partir de tanto, até para melhor compreensão acerca das modalidades de corrupção passiva (própria, imprópria, antecedente e consequente), vale explicitar de forma mais especificada sobre as possíveis condutas do funcionário público, a partir dos verbos nucleares acima explicitados. Apenas vale ressalvar aqui que, aquele que oferece, entrega ou promete vantagem indevida ao funcionário público acaba por cometer crime de corrupção ativa, o qual será abordado em artigo específico. Percebe-se a ocorrência de corrupção passiva quando o servidor público “solicita” vantagem indevida para a prática de determinado ato, lícito ou ilícito, comissivo ou omissivo, em prejuízo ao Estado, sendo que tal solicitação não precisa necessariamente ser por escrito ou verbalizada, mas também por gestos ou insinuações. Assim, poderia restar configurada hipótese de corrupção passiva em casos onde eventual Oficial de Justiça, quando em contato com a parte interessada na realização de determinado ato, começa a informar a parte que tem bastante serviço e que a diligência iria demorar, em que pese ele pudesse passar tal demanda à frente das demais, soltando a velha frase “quem quer rir, tem que fazer rir”, ou seja, induzindo o terceiro a entender que, caso venha a pagar determinado numerário, terá um atendimento mais agilizado. Desta feita, não se tem corrupção passiva na modalidade tentada, vez que a solicitação, por si mesma, já configura o delito, independentemente da postura do particular que recebe a solicitação. Veja que em tal situação, não seria necessária a concretização, ou seja, o pagamento de quaisquer quantias, para configuração de tal crime. Ocorre que, em tal exemplo, entendo a necessidade de especial cautela, vez que a condenação pela prática de tal delito pode acabar se dando em situações onde não reste claramente demonstrada e comprovada a solicitação de vantagem indevida, configurando em verdadeira injustiça. Ainda, como hipótese de solicitação, como configurador de corrupção passiva, poderia ser exemplificado pelo ato de eventual fiscalização por agente público, em determinada empresa, sendo que, constatando irregularidade, o agente passa a solicitar vantagem para não lavratura do auto de infração que deveria fazer. Assim, restam presentes duas modalidades de corrupção passiva através do verbo nuclear solicitar, sendo que, no primeiro exemplo, o agente solicita vantagem indevida para a prática de ato lícito – que deveria fazer - se enquadrando em modalidade de corrupção passiva imprópria. Ademais, pela solicitação de vantagem para praticar determinado ato, sendo que, se o recebimento da vantagem se der antes da prática do ato, será antecedente, e se este (recebimento) se der posterior a prática do ato, será configurada como consequente. Outrossim, com relação ao disposto no segundo exemplo, tem-se hipótese de corrupção passiva própria, vez que o agente solicitou vantagem indevida para ato ilícito – contrário ao dever funcional – sendo passível de configuração como consequente e/ou antecedente, conforme mencionado acima. Configura-se corrupção passiva quando o servidor público “recebe” vantagem indevida para a prática de determinado ato. Seria o caso, por exemplo, de um delegado que venha a receber determinado montante em dinheiro, para garantir “benesses” indevidas a detento. Outrossim, tal hipótese de corrupção passiva poderia se configurar através de um motorista infrator que, ao ser abordado pela autoridade competente – a qual deveria lavrar auto de infração por determinada irregularidade constatada – entrega sua carteira de habilitação e/ou documentos do veículo com montante em dinheiro, com claro intuito de fazer com que o agente não venha a lavrar o auto de infração competente. Ressalva-se aqui o equívoco do motorista em deixar, despropositadamente sua CNH com dinheiro junto dela. Ademais, constata-se a ocorrência de corrupção passiva quando o agente público “aceita” promessa de vantagem indevida. Veja que tal modalidade exige uma bilateralidade, vez que há necessariamente a figura de um “corruptor” o qual promete a vantagem. Seria o caso de agente que aceita promessa de pagamento de vantagem indevida pelo favorecimento de determinada empresa em processo licitatório. Ainda, seria o caso de agente que aceita promessa de vantagem para realização de “vistas grossas” em fiscalização de determinada obra ou estabelecimento. Desta forma, restam abordadas as formas de configuração do crime de corrupção passiva, sendo que, de forma a complementar todo o exposto neste artigo, vale-se de julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, onde houve a configuração de crime de corrupção passiva, veja:
Veja que no caso acima mencionado, que representa a prática do apanhado doutrinário abordado acima, percebe-se a existência de uma hipótese de corrupção passiva imprópria consequente, vez que o funcionário público não realizou qualquer atividade ilícita para o recebimento de propina, mas sim, postergou algo que deveria fazer. Apenas ressalva-se que não se está aqui tratando do acerto ou desacerto da decisão, mas sim verificar o apanhado conceitual em caso prático. Destaca-se que tal crime é considerado formal, sendo que a consumação de tal prática delituosa ocorre através dos verbos acima tratados (solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida), sendo que a sua configuração independe do resultado, bastando a efetiva comprovação de que o agente público tenha solicitado, recebido ou aceitado vantagem indevida para determinado ato, seja ele comissivo ou omissivo. Enfim, feitas tais considerações sobre o crime de corrupção passiva, tem-se que, independentemente da modalidade que venha a ser constatada de corrupção passiva praticada, se própria ou imprópria, consequente ou antecedente, denota-se que remete a prática delituosa que afronta aos princípios que regem a Administração Pública, gerando imenso descrédito ao Estado, o qual, atualmente assim se encontra, frente aos inúmeros casos noticiados (aqui não entrando no mérito de qualquer caso eventualmente disponível na mídia). Neste ponto, vale destacar que, a meu modo de ver, a disciplina normativa carece de maior amplitude textual, de modo a delimitar, de maneira mais especificada, os casos que configuram tal tipo penal, vez que, da forma que se encontra, atribui uma carga subjetiva que pode levar a diversos entendimentos equivocados, principalmente nos dias atuais, vez que crimes envolvendo a Administração Pública tem ganhado notório espaço no noticiário. Digo isso até remetendo ao exemplo que mencionei, do motorista que entrega sua CNH a autoridade de trânsito com dinheiro anexo a ela. Ora, até que ponto se poderia provar, de maneira efetiva, que o numerário é destinado a “corromper”? Ainda, até que ponto não se poderia levar em consideração o fato de que o motorista guardou dinheiro junto de sua CNH e ali “esqueceu” o numerário. Salienta-se, cada caso é um caso, porém, é notória a subjetividade que envolve tal questão, sendo que o cuidado deve ser extremo. Entendo que permitir critérios demasiadamente subjetivos para configuração ou não de determinada prática de ato delitivo apenas possibilita o avanço de autoritarismo e interpretações equivocadas de casos concretos. Ressalva-se, em sendo constatada a prática delitiva, o criminoso deve ser punido, porém, é dever do legislador, e dos demais operadores do direito, impedir que situações abusivas e autoritárias ocorram, pelo que, o meu entendimento pela necessidade de critérios mais objetivos para configuração da prática de corrupção passiva, o que poderia se dar com incisos que trouxessem critérios para a aplicação dos verbos configuradores da corrupção passiva (receber, solicitar e aceitar – promessa de vantagem indevida). Para encerrar, o presente estudo visa auxiliar o leitor no estudo da temática, sendo que, como se trata de uma coluna mensal que está iniciando seus trabalhos, propõe-se, primeiramente, a abordagem conceitual acerca dos tipos penais envoltos à temática “direito penal administrativo”, sendo que, posteriormente, caberão discussões mais aprofundadas à temática. Guilherme Zorzi Rosa Advogado Especialista em Direito Empresarial REFERÊNCIAS: - Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm - Acesso em 29/01/2018. - NUCCI, Guilherme Souza. Corrupção e Anticorrupção. Forense, 06/2015. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-6553-2/ - R., COSTA, Paulo da, COSTA, Fernando José. Curso de Direito Penal, 12ª EDIÇÃO. Saraiva, 07/2010. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502135390/ - TJ-RN – ED: 20110056269000100 RN, Relator: Desembargador Virgílio Macêdo Jr., Data de Julgamento: 17/07/2012, Câmara Criminal [1] Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm - Acesso em 29/01/2018. [2] NUCCI, Guilherme Souza. Corrupção e Anticorrupção. Forense, 06/2015. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-6553-2/ [3] R., COSTA, Paulo da, COSTA, Fernando José. Curso de Direito Penal, 12ª EDIÇÃO. Saraiva, 07/2010. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502135390/ [4] TJ-RN – ED: 20110056269000100 RN, Relator: Desembargador Virgílio Macêdo Jr., Data de Julgamento: 17/07/2012, Câmara Criminal Comments are closed.
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