O Meio Ambiente saudável e equilibrado é um direito de todos, considerado como Direito Fundamental no ordenamento jurídico pátrio, prescrito no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, o qual preceitua que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações[1]”.
A leitura do referido dispositivo legal deixa claro uma postura de ordem biocêntrica, a qual é incompatível com a adotada, geralmente, pelo Direito Ambiental brasileiro, qual seja, a do Antropocentrismo Alargado. Percebe-se que a preocupação constitucional, na verdade, é o legado da integridade ecológica[2] para o desenvolvimento de toda a cadeia vital, seja no âmbito intrageracional ou intergeracional. O que fica claro é a seguinte mensagem: não são os humanos os únicos beneficiários dos efeitos causados pela evolução das espécies ou das melhorias trazidas pela Ciência e Tecnologia. A preservação de todas as vidas implica na efetividade temporal do direito à existência. No âmbito internacional, a Natureza e seus meios ambientes recebe sua devida proteção por meio de instrumentos internacionais, uma vez que os danos ambientais tendem a ultrapassar as fronteiras, necessitando da colaboração mútua entre os países para manter a preservação daquilo que e comum[3] a todos. Nesse sentido, o Direito Internacional Ambiental, por meio dos tratados internacionais, atua como mecanismo no combate aos danos ambientais. Sob igual argumento, o aparecimento de outros atores na esfera internacional amplia a articulação de atitudes que estão presentes em todos os lugares, como é o caso dos movimentos sociais e das organização não-governamentais (ONG’s). Esse cenário sinaliza que – segundo as lições do Direito Internacional Público – os Estados nacionais não seriam os únicos sujeitos a tratarem dos temas que se referem ao bem de todos[4]. Todavia, nem sempre essa preocupação transnacional é forte o suficiente para alterar os mecanismos legais ou administrativos a fim de cumprirem com essas exigências globais. As medidas de precaução e prevenção, por exemplo, não desempenham a eficácia necessária para reduzir ou impedir as ações danosas, fator que incumbe ao Direito Penal, considerado como ultima ratio, à tutela ambiental. Por esse motivo, a Sustentabilidade[5], considerada o paradigma de vida do século XXI, se torna o vetor de compreensão acerca dessa tessitura ecológica entre os diferentes campos do saber e favorece verdadeira revolução na mudança dos estilos de convivência gerados pela ideologia do mercado mundial. Essa necessidade de proteger os meios ambientes é oriunda do conflito gerado pelo interesse humano de sempre progredir economicamente sem pensar nos rastros de destruição que aparecem de forma difusa em todos os territórios nacionais. Essa intensa degradação é um dos efeitos do capitalismo mercantil, o qual ainda não realizou a sua autocrítica diante dos novos paradigmas do século XXI. O que persiste e se reinventa no tempo é a sua ideologia para se adaptar a novas necessidades: tempos novos, demanda complexas, velhas respostas. Tudo e todos estão a venda nesse grande mercado que é o ambiente virtual mundial. Nesse embate, ocorrem inúmeras lesões graves a este bem jurídico, que devido as suas proporções, torna-se quase impossível a recuperação do dano causado. Nesse sentido, o ecocídio, expressão utilizada para designar os crimes mais graves contra o meio ambiente, foi reconhecido como crime contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional no final de 2016. Em tese, os agentes econômicos atuantes em atividades transnacionais, tendem a buscar países com legislações brandas em relação à proteção ambiental para se instalar. O intuito é visar mais lucros com menos riscos de sanções. É nesse cenário que o Direito Penal Internacional demonstra sua importância ao dispor de diretrizes jurídicas que representam relevância no combate aos crimes contra o meio ambiente, observando as especificidades de cada Estado soberano, bem como atentando-se aos Princípios Gerais do Direito Penal. É importante frisar que o Brasil é signatário do Tratado de Roma, internalizado no nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto n.º 4.388, de 25 de setembro de 2002. Como efeito, o Brasil está submetido à jurisdição do Tribunal Penal Internacional – TPI, também conhecido como Corte Penal Internacional, sendo uma instituição permanente, que abrange sua jurisdição aos Estados-Partes com o fito de julgar os crimes internacionais considerados gravíssimos. Não obstante esse seja um passo importante na defesa da Natureza e da integridade ecológica de seus ecossistemas, o Tribunal Penal Internacional deve, ainda, observar as modificações constitucionais dos membros signatários do Tratado de Roma. O ecocídio é um crime de lesa humanidade, mas, novamente, o titular de direitos são os seres humanos, os danos ocasionados voltam-se aos benefícios e reparações dos seres humanos. A pergunta que fica é: Qual a espécie de reparação penal que existe quando a Natureza é o sujeito de direitos? Nesse caso, a amplitude do ecocídio não se circunscreve nos limites dos direitos humanos, porém à preservação da integridade ecológica de todos os ecossistemas. Esse é o motivo relevante que impacta a humanidade e reivindica a inclusão desse fenômeno como crime contra todos[6]. Ao reportar sobre o ecocídio como crime contra a humanidade, o qual viola gravemente os Direitos Humanos, faz-se imprescindível a leitura do Tratado de Roma, artigo 7º, alínea k, para compreender que não é qualquer crime atentatório contra o meio ambiente que pode se enquadrar como ecocídio. Nesse caso, não há de se pautar, somente, no meio ambiente como direito fundamental de todos. É preciso, também, que o crime advenha de uma conduta dolosa que cause grande sofrimento para a população civil, causando-lhe demasiados sofrimentos. Leia-se[7]:
Em que pese o Tribunal Penal Internacional ter incluído o ecocídio como crime contra a humanidade, sendo de competência deste os julgamentos dos crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão, é pertinente questionar a competência material do mencionado Tribunal no que tange aos crimes de ecocídio, uma vez que o mesmo não foi inserido no rol dos crimes nucleares Estatuto de Roma. Acaso, não estaríamos diante de uma flagrante violação do Princípio da Legalidade? De acordo com a lição de Bazelaire e Cretin (2014, p. 74)[8]:
Dado o caráter de bem imprescindível para a manutenção da vida humana, os meios ambientes também passam a ser tutela do Direito Penal Internacional, uma vez que as lesões graves causadas contra este, não podem ser corrigidas apenas por outros ramos do direito, por não apresentarem a devida eficácia necessária. A destruição ambiental massiva tende a acarretar danos irreversíveis, bem como o sofrimento e mortes à comunidade humana ou às espécies locais, desiquilibrando o ecossistema regional. Dado o caráter difuso dos danos ecológicos, é necessário indagar: Qual a efetividade da jurisdição penal internacional quando uma nação não for signatária do Tratado de Roma? A possível resposta deixa de ter aplicação nesses territórios por uma condição formal? É por esse motivo que os limites do Direito Penal Internacional precisam se adaptar às necessidades transnacionais daquilo que é comum a toda humanidade. A articulação política e jurídica deve ocorrer para reparar essa “ausência” criada pelo Direito Internacional Público. No entanto, pertinente salientar que, apesar do reconhecimento do ecocídio como crime contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional, a devida inclusão deste crime ao Estatuto de Roma ainda não foi realizada. Também, no ordenamento jurídico brasileiro, não houve a criação do tipo penal propriamente dito para este delito ambiental. Por esse motivo, constata-se um lócus de “ausência” que a legislação interna não supre, por um lado, nem a legislação internacional, por outro. Essa falta de comunicação para se elaborar uma tessitura. É relevante a criação de dispositivos jurídicos que determinem o ecocídio como crime de cunho internacional, tipificando o delito e estabelecendo a responsabilização penal. Todavia, o reconhecimento já é um grande passo para combater esses danos que estão cada vez mais crescentes, auxiliando e incentivando a criação de novas legislações e tratados sobre o ecocídio, entrelaçados sob a perspectiva transnacional. Visa-se, contudo, possibilitar a aplicação jurídica em nível nacional e transnacional no intuito de agregar maior eficácia à proteção ambiental. É relevante esclarecer, também, que a omissão do Poder Público em fiscalizar as atividades dos agentes econômicos, bem como as ações destes, pode colocar em risco o equilíbrio ambiental, ensejando danos extensivos a um determinado ecossistema, provocando uma situação de sofrimento a seus moradores, retirando-lhes, o direito à vida digna e saudável. Em muitos casos de ecocídio, os moradores locais são obrigados a abandonar suas residências, perdendo tudo, como ocorreu com as vítimas do caso Mariana/MG. Ressalta-se, ainda, que o sofrimento se estendeu a todas as espécies de vida local. A dimensão dos danos causados nesse episódio é quase imensurável. Além da devastação ambiental em larga escala, a comunidade humana local ficou a mercê da destruição, permanecendo expostos, inclusive, ao risco de proliferações de inúmeras doenças advindas desse desastre ambiental. Aicha de Andrade Quintero Eroud Graduanda em Direito do Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu- Cesufoz. Membro Fundadora do Instituto de Estudo do Direito – IED. Membro Associado do International Center for Criminal Studies –ICCS. Membro da Comissão Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais. Membro da Comissão Especial de Estudos de Direito Penal Econômico do Canal Ciências Criminais. Sergio Ricardo Fernandes de Aquino Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professor Permanente do Mestrado em Direito (PPGD) da Faculdade Meridional – IMED. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Ética, Cidadania e Sustentabilidade”. Referências: BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Tradução de Luciana Pinto Venâncio. Barueri, SP: Manole, 2014. BECK, Ulrich. A Metamorfose do Mundo. [Edição Kindle]. Tradução de Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2017. BOSSELMANN, Klaus. The way forward: governance for ecological integrity. In: BOSSELMANN, Klaus; WESTRA, Laura; WESTRA, Richard. Reconciling human existence with ecological integrity: Science, Ethics, Economics and Law. London: Earthscan, 2008. BRASIL. Constituição Federal de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 03 de ago. de 2018. BRASIL. Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm. Acesso em: 03 de ago. de 2018. BROSWIMMER, Franz J. Ecocidio: breve historia de la extinción en masa de las especies.Traducción de Francisco Páez de la Cadena. Pamplona: Laetoli, 2002. FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus/Loyola, 2015. [1] BRASIL. Constituição Federal de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 03 de ago. de 2018. [2] “Caring for ecological integrity is the adequate response to the crisis of human existence. [...]. As we become aware of the fact that human existence is threatened by the disintegration and collapse of ecosystems, we also become aware of the need to restore their integrity. There is a direct link between the experience of disintegration and the need for re-integration. Consequently, restoring and protecting the integrity of the Earth’s ecological systems is the most pressing issue for human governance”. BOSSELMANN, Klaus. The way forward: governance for ecological integrity. In: BOSSELMANN, Klaus; WESTRA, Laura; WESTRA, Richard. Reconciling human existence with ecological integrity: Science, Ethics, Economics and Law. London: Earthscan, 2008, p. 320. [3] "O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral. Exige também os dispositivos de bem-estar e segurança social e o desenvolvimento dos vários grupos intermédios, aplicando o principio da subsidiariedade. Entre tais grupos, destaca-se de forma especial a família enquanto célula basilar da sociedade. Por fim, o bem comum requer a paz social, isto é, a estabilidade e a segurança de uma certa ordem, que não se realiza sem uma atenção particular à justiça distributiva, cuja violação gera sempre violência. Toda a sociedade – e, nela, especialmente o Estado – tem obrigação de defender e promover o bem comum. Nas condições atuais da sociedade mundial, onde há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais, o principio do bem comum torna-se imediatamente, como consequência logica e inevitável, um apelo à solidariedade e uma opção preferencial pelos mais pobres. [...] Basta observar a realidade para compreender que, hoje, esta opção é uma exigência ética fundamental para a efetiva realização do bem comum". FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus/Loyola, 2015, p. 95. [4] “[...] Os Estados que reagem ao «criminoso cosmopolita» apenas em termos nacionais ignoram fundamentalmente a cosmopolitização da criminalidade. A única reação adequada e possível é olhar para e compreender os espaços cosmopolitizados cosmopolitizados de ação dos criminosos e as empresas que agem «transjuridicamente»”. BECK, Ulrich. A Metamorfose do Mundo. [Edição Kindle]. Tradução de Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2017, pos. 199-201. [5] Os autores utilizarão o seguinte Conceito Operacional para a Categoria mencionada: É a compreensão ecosófica acerca da capacidade de resiliência entre os seres e o ambiente para se determinar - de modo sincrônico e/ou diacrônico - quais são as atitudes que favorecem a sobrevivência, a prosperidade, a adaptação e a manutenção da vida equilibrada. [6] “La violência ecológica y social propia de la guerra moderna es además inseparable de la constelación geopolítica de los Estados nacionales. Los individuos modernos no hacen historia como tales o como classe sino como conjuntos unificados, como naciones. En consecuencia, la historia moderna se lleva a cabo a través de la interacción de naciones que cmpiten por el domínio mundial de en un universo de guerra perpetua”. BROSWIMMER, Franz J. Ecocidio: breve historia de la extinción en masa de las especies.Traducción de Francisco Páez de la Cadena. Pamplona: Laetoli, 2002, p. 129 [7] BRASIL. Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm. Acesso em: 03 de ago. de 2018. [8] BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Tradução de Luciana Pinto Venâncio. Barueri, SP: Manole, 2014, p. 74. Comments are closed.
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