Bem sabe-se que é do feitio do ser humano a convivência em coletividade, fato que ocorre desde os tempos mais primórdios, onde através das lições do filósofo Aristóteles, o ser humano é um animal político e que este somente pode ser feliz se conviver em sociedade. Nesse sentido, foi-se estabelecendo regras de conduta baseadas nas posturas éticas e morais a serem seguidas pelas pessoas, com o intuito de se estabelecer a harmonia e a pacificação no convívio social. Todavia, a humanidade sempre esteve em constante evolução, o que enseja afirmar, que os preceitos éticos e morais, foram, com o tempo, se modificando e se adaptando aos moldes do momento em que se encontravam.
Ethos que em grego significa o modo de ser – caráter – de uma pessoa, também pode ser definido como um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. A ética serve para que haja um equilíbrio e bom funcionamento social, visando à equidade entre as pessoas. Ética, embora não possa ser confundida com leis, está relacionada com o sentimento de justiça social. No entanto, salienta-se que nem todos estavam dispostos a seguir esses preceitos, descumprindo-os e implantando na sociedade o sentimento de desarmonia. Logo, para que esses preceitos morais se revestissem de força, foi necessário incluí-los dentro do Direito com o intuito de revestir a moral com poder coercitivo para evitar o seu descumprimento, pois o Direito tem como escopo a regulamentação das relações intersubjetivas, concedendo ao Estado o poder de punir. Sob esse aspecto, foi criado pelo filósofo britânico Jeremy Bentham a Teoria dos Círculos Concêntricos, segundo a qual, o direito encontra-se inserido dentro do campo da moral. Mais adiante, essa teoria foi desenvolvida pelo jus filósofo alemão Georg Jellinek. Ele defendia que o Direito deve carregar consigo os itens considerados indispensáveis para a manutenção da vida em sociedade, devendo ser regido por um conjunto mínimo de regras morais, a qual foi denominada Teoria do Mínimo Ético – teorias não prevalecentes no Ordenamento Jurídico Pátrio. No que tange a teoria supramencionada, o Direito é visto como um círculo menor que se engloba num círculo maior que corresponde à moral. Desse ponto de vista, extrai-se que tudo o que está no Direito é moral, mas nem tudo que é moral está no Direito. Este deve ser revestido por um mínimo de regras morais que possuem como condão a regência de uma sociedade equilibrada e harmônica, prevendo sanções para aqueles que descumprirem os ditames legais, devendo-se fazer prevalecer a ordem social. Em contrapartida, Hans Kelsen, criou a Teoria dos Círculos Independentes que defende que o direito e a moral são institutos distintos não devendo ser confundidos. Logo, para este filósofo, o direito é o que se encontra positivado dentro de um ordenamento jurídico, ao passo que a moral se relaciona tão somente com os princípios éticos. Esta, também não pertencente ao nosso ordenamento. Por fim, tem-se a Teoria dos Círculos Secantes que foi elaborada pelo francês Du Pasquer e é a acolhida pelo Ordenamento Jurídico Pátrio. A presente teoria afirma que nem tudo o que está no Direito é moral, como tampouco nem tudo o que é moral está inserido dentro do Direito. Sob tal análise, denota-se a existência de uma intercessão no mundo jurídico que engloba por si só o direito e a moral, porém estes também possuem uma área relativa à independência. Ainda, é de grande valia ressaltar que a moral e o Direito estão inseridos na ética, sendo esta uma concepção mais abrangente. E é exatamente nesse sentido que se pode afirmar que o Direito está em constante mudança, pois este tende a acompanhar a evolução da sociedade em que se encontra inserido, pois a moral sempre tende a sofrer modificações, ou seja, o que é de cunho moral hoje, pode não ser amanhã, descaracterizando assim, a necessidade do dispositivo legal que trata de tal tema, logo podendo o mesmo cair em desuso ou ser revogado. Destarte, o direito e a moral se complementam como instrumento de controle social, sendo o primeiro a forma mais eficaz. No entanto, o grande desafio é diferenciar a moral do direito, sendo que ambos são de grande valia para a sociedade. Talvez, umas das grandes diferenciações é que o direito por estar positivado possui o elemento coercitivo, uma vez que a moral carece deste. Também se faz imprescindível mencionar que o direito se ocupa com os atos exteriorizados visando à proteção dos bens jurídicos tutelados. Por outro lado, a moral reside no interior de cada ser, sendo a punição pelo ato realizado, relevado pela própria consciência de quem o cometeu. No entanto, ambos possuem como pressuposto a prevalência da harmonia na vida em sociedade. Aduz Miguel Reale[1]:
E quem seria o responsável por garimpar dentre inúmeros conceitos morais aqueles que merecem proteção especial? Encontramos a resposta na Constituição de 1988, logo no artigo 1º, parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Portanto, ao legislador, agasalhado pelo sufrágio universal, caberá o juízo sobre aquilo que o Direito deverá tutelar e em qual intensidade. Isso não quer dizer, entretanto, que há uma liberdade irrestrita para legislar. À respeito, leciona Ronald Dworkin[2]:
Evidente que não será toda e qualquer imoralidade merecedora de reprimenda através da lei. E sim apenas aquelas que, de fato, lesem bem jurídicos indispensáveis aos olhos da sociedade. Percorrido o processo legislativo, onde são analisados aspectos de moral, economia e política, o Direito ao ser posto receberá força coercitiva, para, vejam só, não ser predado por aqueles que compõem sua estrutura originária. Ao final: o Direito nos salva de nós mesmo. Lenio Streck, com a costumeira genialidade, discorre [3]:
E não é por outro motivo, que o judiciário deve decidir e não escolher. Decidir de acordo com critérios já estabelecidos pelo e para o Direito. É o preço que nos cobra a democracia. Nesse sentido, uma vez mais, o magistério de Ronald Dworkin [4]:
Juízes que acreditam possuírem uma visão de mundo privilegiada a ponto de, por meio de decisões idiossincráticas, imporem sua moral à sociedade, negam o Direito e assumem que este quando não convêm, deve ser corrigido pela moral. É dizer: valendo-se de retóricas vazias e acobertando-se atrás da famigerada “ponderação de princípios”, mandam às favas as leis, a Constituição e tudo mais que for preciso para alcançar um ideal de justiça particular. Pensam que são salvadores da pátria. E como não concordar com o saudoso Carnelutti [5]:
Heroísmos são efêmeros, mas o respeito ao Estado Democrático de Direito, esse sim, deve ser perene. Não é por menos, que Napoleão Bonaparte, durante seu exílio na longínqua ilha de Santa Helena, ao fazer uma retrospectiva de sua vida, disse: “Minha verdadeira glória não é a de ter ganho quarenta batalhas; Waterloo apagará a lembrança de tantas vitórias. O que não se apagará, o que viverá eternamente, é meu Código Civil” [6]. Autoexplicativo, pois. Aicha de Andrade Quintero Eroud Graduanda em Direito do Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu- Cesufoz. Membro Fundadora do Instituto de Estudo do Direito – IED. Estagiária da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu. Membro Associado do International Center for Criminal Studies –ICCS. Luiz Fernando Perez Pinto Tonholi Graduando em Direito do Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu- Cesufoz. Referências: [1] REALE, Miguel. O direito como experiência: introdução à epistemologia jurídica. – 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 1992. p. 271. [2] DOWRKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. – Nelson Boeira Editora: WMF Martins Fontes, 2010. p. 14. [3] STRECK, Lenio Luiz. Clamor das ruas ou da Constituição? Os casos Dirceu, Palocci e Bruno. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-mai-08/streck-clamor-ruas-ou-constituicao-casos-dirceu-palocci-bruno. Acesso em 01/03/2018 [4] DOWRKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. – Nelson Boeira Editora: WMF Martins Fontes, 2010. P. 431. [5] CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo – Jeremy Lugros, 1ª ed. – São Paulo: Editora Nilobook, 2013. p. 160. [6] CICCO, Cláudio de. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito. – 3ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2006. p. 186. Comments are closed.
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