Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro e a Teoria do Labelling Approach10/15/2020 ![]() Artigo de Marcia Yamamoto sobre o cadastro nacional de pessoas condenadas pelo delito de estupro e a teoria do labelling approach, vale a leitura! ''O tema, de sensível abordagem, é criticada pela maioria dos criminalistas por ofender direitos e garantias fundamentais, ser ineficaz a curto e longo prazo, e não diminuir a prática de delitos, resultando deveras em maior vigilantismo contra “criminosos virtuais''. Por Marcia Yamamoto A lei 14.069/20, que entrou em vigor no dia 2 de outubro, cria o Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro. Segue a redação da nova lei:
“Art. 1º Fica criado, no âmbito da União, o Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro, o qual conterá, no mínimo, as seguintes informações sobre as pessoas condenadas por esse crime: I – características físicas e dados de identificação datiloscópica; II – identificação do perfil genético; III – fotos; IV – local de moradia e atividade laboral desenvolvida, nos últimos 3 (três) anos, em caso de concessão de livramento condicional. Art. 2º Instrumento de cooperação celebrado entre a União e os entes federados definirá: I – o acesso às informações constantes da base de dados do Cadastro de que trata esta Lei; II – as responsabilidades pelo processo de atualização e de validação dos dados inseridos na base de dados do Cadastro de que trata esta Lei. Art. 3º Os custos relativos ao desenvolvimento, à instalação e à manutenção da base de dados do Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro serão suportados por recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação Brasília, 1º de outubro de 2020; 199o da Independência e 132o da República”. [1] O tema, de sensível abordagem, é criticada pela maioria dos criminalistas por ofender direitos e garantias fundamentais, ser ineficaz a curto e longo prazo, e não diminuir a prática de delitos, resultando deveras em maior vigilantismo contra “criminosos virtuais”. Para melhor compreensão da lei, é oportuno destacar que a inspiração é de origem norte americana, o país utiliza o cadastro dos chamados “sex offenders” que é público (Dru Sjodin National Sex Offender Public Website - NSOPW) e mantido pelo Departamento de Justiça. [2] Esses pontos nos remetem a teoria do Labelling Approach, desenvolvida pela “Nova Escola de Chicago”. Sobre o fenômeno segue as lições do professor Nestor Sampaio Penteado Filho: “A teoria do labelling approach (interacionismo simbólico, rotulação ou reação social) é uma das mais importantes teorias de conflito. Surgida nos anos 1960, nos Estados Unidos, seus principais expoentes foram Erving Goffman e Howard Becker. Por meio dessa teoria ou enfoque, a criminalidade não é uma qualidade de conduta humana, mas a consequência de um processo em que se atribui tal ‘qualidade’ (estimatização). Assim, o criminoso apenas se diferencia do homem comum em razão do estigma que sofre e do rótulo que recebe. Por isso, o tema central desse enfoque é o processo de interação em que o indivíduo é chamado de criminoso. A sociedade define o que entende por “conduta desviante”, isto é, todo comportamento considerado perigoso, constrangedor, impondo sanções àqueles que se comportam dessa forma. Destarte, condutas desviantes são aqueles que as pessoas de uma sociedade rotulam às outras que as praticam. A teoria da rotulação de criminosos cria um processo de estigma para os condenados, funcionando a pena como geradora de desigualdades. O sujeito acaba sofrendo reação da família, amigos, conhecidos, colegas, o que acarreta a marginalização no trabalho, na escola” (PENTEADO FILHO, 2020, p. 90). Desse modo, a melhor análise da lei que visa catalogar pessoas condenadas por delitos sexuais é por meio da Teoria do Etiquetamento, pois o cadastro gera um processo de estigma para os egressos do sistema carcerário e serve como um catalisador de desigualdades. A estigmatização já é realidade na vida do cidadão com o sensacionalismo midiático e com a folha de antecedentes criminais, ocasionando marginalização e grande dificuldade na reinserção social. Para mais, o cadastro criado pela Lei 14.069/20, aprofunda em termos práticos a utilização de material genético recolhido compulsoriamente. Porém, a matéria é tema de repercussão geral, e segue pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, podendo ser declarada inconstitucional a qualquer momento (sobre o tema vide: http://www.salacriminal.com/home/material-genetico-de-condenados-em-banco-de-dados-estatal-in-constitucional-repercussao-geral-no-supremo-tribunal-federal). Verifica-se ainda, que a punição aplicada nestes termos tem um duplo viés, de um lado a imposição de pena privativa e/ou restritiva de direitos, e de outro a invasão da esfera de intimidade do condenado quando, nos termos da redação do art. 1º, inciso IV, da Lei 14.069/20, o cadastro conterá o “local de moradia a atividade laboral desenvolvida, nos últimos 3 anos, em caso de concessão de livramento condicional”. Além de fotos e características físicas, nos termos dos incisos I e III. Nessa conjuntura, a informação é parte do Cadastro, não tendo somente relação com os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão de livramento condicional, o que leva a crer que as informações, ao fim e ao cabo, são de cunho permanente. Além disso, a falta de resguardo com a intimidade do condenado, ao mesmo tempo que é um passo mais próximo do sistema americano, também se afasta do sistema europeu que tem como escopo a preservação de informações como o nome, endereço, fotos e características físicas em prol da dignidade daquele que tem material genético recolhido. De outro lado, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da lei no Senado, diz que o Cadastro Nacional de Condenados por estupro é um avanço, pois: “São quatro meninas e meninos estuprados a cada hora no Brasil” e ressalta “As vítimas sofrem caladas por conta da vergonha, da falta de confiança nas instituições de justiça e do medo de retaliação por parte do agressor, geralmente algum conhecido ou alguém da própria família”. [3] Nessa linha, destaca-se a importância da prevenção para que novos delitos não aconteçam. Porém, declarações de cunho populista que se valem do caldo político e ideológico atual não atraem propósitos que visam a prevenção e proteção das vítimas de estupro. Em linhas gerais, o que se vê é a ratificação de um modelo de seletividade do sistema penal brasileiro estampado na configuração carcerária. Desse modo, de acordo com Zaffaroni “estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes (delinquência de colarinho branco, dourada, de trânsito, etc.)” (Zaffaroni, 1991, p. 130). Em síntese, a finalidade de catalogação de dados de agentes desviantes pretendida pela nova lei 14.069/20, em nada contribui para prevenção e/ou diminuição de delitos. Ao revés, as instâncias de controle fomentam a criminalidade quando o enfoque não é a inserção de políticas públicas, dando ensejo á perpetuação dos ciclos de estigmatização dos agentes infratores. Marcia Yamamoto Graduada em Direito - Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Formada pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP) e Fundação Escola do Ministério Público do Paraná (FEMPAR). Advogada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. São Paulo. Saraiva, 2020. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade dos sistema penal. Rio de Janeiro. Revan, 1991. NOTAS: [1]< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14069.htm>, acesso em 11 de outubro de 2020. [2]< https://www.nsopw.gov/ >, acesso em 11 de outubro de 2020. [3]< https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/10/02/entra-em-vigor-lei-que-cria-cadastro-nacional-de-condenados-por-estupro>, acesso em 11 de outubro de 2020.
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